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Como a escrita mudou a história da humanidade

Por| Editado por Luciana Zaramela | 22 de Dezembro de 2023 às 16h40

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Livre des proprietez des choses/Domínio Público
Livre des proprietez des choses/Domínio Público

Muito mudou no mundo desde a invenção da escrita e muito disso foi, justamente por causa dela. Evidências arqueológicas nos dizem que a primeira forma de escrita foi inventada no sul do atual Iraque, em Uruk, na Mesopotâmia de 3.000 a.C. Do cuneiforme ao alfabeto atual, o autor Walter Stephens trabalhou o tema no livro How Writing Made Us Human (em tradução livre, Como a Escrita Nos Fez Humanos, ainda sem versão brasileira), contando como a sociedade foi modificada por essa prática ao longo do tempo.

No sentido de diferenciar a nossa espécie de outros símios e animais no geral, saber escrever não necessariamente é o que nos destaca — antes dela e sem ela, ainda somos capazes de exercer o pensamento abstrato, fabricar ferramentas e usar a incomum inteligência dos Homo sapiens. A escrita, na verdade, foi um passo importante para o processo civilizatório, facilitando a comunicação e a organização social dos humanos, sendo essencial para a transmissão do conhecimento.

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Apesar disso, a inspiração de Stephen vem de outro lugar. O escritor se refere ao papel da escrita na emancipação de povos escravizados no século XIX nos Estados Unidos, onde a alfabetização foi chave para que essas pessoas compartilhassem a experiência cruel e desumana da escravidão com o público literado. Lançando no mundo ideias de abolição e relatos pessoais, a escrita foi essencial para esforços que promoveram o humanismo e a dignidade para etnias oprimidas.

A escrita para os analfabetos

Algo interessante a se considerar quando pensamos no grande impacto que a comunicação escrita teve na humanidade é que, durante a história, a esmagadora maioria dos humanos não sabia ler. Tanto o conhecimento quanto sua transmissão por caracteres ou ideogramas eram monopolizados pelas elites, ficando na mão de escribas, monges copistas, sacerdotes e famílias reais.

Enquanto isso, a população tinha de se virar com tradições orais, destacada dos avanços científicos e discussões filosóficas pela maior parte da história. Conhecimento é poder, e quem controla a informação pode modificá-la ao seu bel prazer.

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O controle social garantido pela escrita, no entanto, não é absoluto. A escrita também serviu, em muitas sociedades, como uma importante ferramenta de resistência, onde aprender a ler e escrever podia se tornar um meio de se conscientizar dos problemas do mundo e lutar para resolvê-los, além de ser uma maneira de se comunicar e organizar com outros agentes subversivos. Demorou, no entanto, para que a escrita se massificasse, se tornando disponível para todos.

Mesmo assim, há muitos analfabetos e analfabetos funcionais no mundo, e isso não os torna menos humanos ou pessoas falhas — seu mundo é moldado pela escrita, mesmo que não participem dela, ficando, muitas vezes, à mercê dos que possuem esse conhecimento.

Isso torna o título do livro de Stephens um tanto irônico, mostrando o quanto o “Nós” é, ainda, limitado. O fato da escrita não chegar a todos escancara os limites da nossa sociedade, que ainda não consegue — ou, algumas vezes, não deseja — espalhar as benesses do conhecimento para todos.

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Talvez o aspecto mais incrível da comunicação escrita é ter acesso às ideias passadas da humanidade. É através dela que sabemos que a ciência demorou para descobrir as verdadeiras origens da própria escrita — até o Renascimento, os debates eram infindáveis. O autor judaico-romano Flávio Josefo (37 d.C. - 100 d.C.), por exemplo, acreditava que ela teria surgido em tempos pré-dilúvio bíblico, já que as fontes se limitavam à Bíblia dos hebreus e escritos greco-romanos de séculos anteriores.

O livro de Stephens acaba sendo mais um relato histórico e, de certa forma, emocional da escrita ao longo do tempo, especificamente da tradição ocidental, não comentando aspectos interessantes, como graffiti e vandalismos, ou mesmo o impacto dessa tecnologia nos iletrados.

Mesmo assim, é um bom “estudo de caso” sobre o tema, e, com base nele, podemos nos atrever a responder à pergunta: a escrita não nos torna humanos, de fato, mas catalisa nosso potencial e, sem dúvida, ajuda a ecoar a influência humana, seja ela boa ou ruim, através do tempo.

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Fonte: Writing as Resistance, Journal of Near Eastern Studies, Spelling and Society, Language, Bureaucracy and Social Control, Ancient Literacy, Writing in Early Mesopotamia via The Conversation