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Crítica | O Som do Silêncio é um filme de muitos contrastes

Por| 18 de Janeiro de 2021 às 20h10

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O cinema é feito de muitos contrastes. Para que uma situação tenha um valor bem estabelecido durante um filme, é preciso que existam contrapontos. Heróis só são valorosos para uma narrativa quando existem vilões por exemplo. Na verdade, tudo o que observamos, na prática, é fruto de comparações, mesmo que involuntárias ou inconscientes: só temos a dimensão do que é felicidade porque já vivenciamos a tristeza. É nessa percepção que O Som do Silêncio (Sound of Metal no original) procura se segurar.

É interessante que contraponto na música acaba por ter um significado valoroso para o filme de Darius Marder (do documentário Loot, de 2008). A arte de sobrepor uma melodia à outra sem que elas se choquem, harmonizando-se entre si, tem papel fundamental aqui. Isso porque todo o filme é baseado, exatamente, em comparações. Existe, claro, a mais óbvia, que é a do desenho de som, que cena após cena dialoga entre o barulho e a quase ausência de ruídos — ausência esta que só se apresenta por completo nos últimos segundos do filme. Mas há muito mais...

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

Confronto e equilíbrio

Acontece que Marder parece ter pensado em sua mise-en-scène, no filme como um todo, em um contexto de simultaneidade. Nesse sentido, ele não está disposto a causar choques ou fomentar pensamentos muito complexos. O que acontece em O Som do Silêncio é uma harmonização dos opostos. A partir dessa idealização, o filme é uma experiência sensorial muito maior do que o drama de um baterista em vias de perder a audição.

Essa opção é apresentada em cada sequência e nunca se restringe somente ao som. Se, inicialmente, Ruben (Riz Ahmed) toca com vontade a bateria em um show, pode ser observado que, entre as batidas rítmicas já existem pausas (silêncios). Além disso, o músico é mostrado em completo contraste com o ambiente. A iluminação da fotografia de Daniël Bouquet (de Elektro Mathematrix) faz com que Ruben salte aos olhos do público e se descole de tudo que há ao seu redor, que fica na escuridão.

Não demora, ainda, para que Marder organize esses opostos estéticos também na decupagem, passando de momentos em close e de planos detalhes, fechados dentro do trailer da dupla (completada por Lou — Olivia Cooke), para, em um corte da montagem de Mikkel E.G. Nielsen (de Beasts of No Nation), abrir totalmente em planos gerais que, além de revelarem a casa-móvel, mostram toda a paisagem que a cerca. Esse diálogo entre as diferenças, que é ininterrupto em O Som do Silêncio, constrói muito mais um clima de equilíbrio do que de confronto. Dessa maneira, a estabilidade mais necessária pode se perder: a força dramática — a expressividade — que acaba submersa pela concepção.

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A dúvida e o peso

Ao mesmo tempo em que o drama cede espaço para uma percepção mais geral — o que não quer dizer que seja menos satisfatória —, Marder também não está interessado em diálogos extra-filme sobre surdez. Por mais que seu trabalho possa provocar sensações e pensamentos sobre a importância de nossa audição — especialmente durante o segundo ato, quando Ruben parece se estabelecer entre outros deficientes auditivos e surdos —, há sempre uma espécie de entrega maior ao formato.

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As situações vividas por Ruben, assim, são objetos para causar sensações no público, objetos que são, de fato, muito bem fundamentados pelo departamento de som e que, por sua vez, encontram contraste na atuação excepcional de Ahmed. É o ator que, com seu olhar sempre muito vivo, sua entrega sentimental à ligação com Lou — que se mostra desde o início, com um café da manhã servido na cama acompanhado de muita naturalidade — e seu desejo incansável por voltar a escutar quem mais adiciona poder dramático ao filme.

Dessa forma, O Som do Silêncio chega ao fim demonstrando uma habilidade técnica e um profundo conhecimento de linguagem cinematográfica por parte do seu diretor e da equipe envolvida. Pode ser que a experiência promovida, então, seja muito mais do que válida e o filme possa ser visto já como um dos melhores do ano. Por outro lado, a dúvida sobre o valor de um experimento quando ele não provoca o suficiente e nem faz pesar a matéria-prima, que é a situação delicada de ser músico e perceber-se sem seu principal sentido, pode existir.

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Fechando um ciclo

Enquanto — retornando à música propriamente dita — Beethoven, já completamente surdo (ou quase isso) entregou-se ao desespero no final de sua vida e isso se refletia em suas composições na terceira década do século XIX, Ruben chega ao final das duas horas de filme aprendendo o valor do silêncio. Pausa também é música. É verdade. Mas a pausa para sempre talvez não devesse ser encarada como poesia. O silêncio é necessário, mas qualquer imposição quanto à condição humana é dolorosa, sentida, e, finalmente, não pode ser romantizada.

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É por isso que O Som do Silêncio é um filme tão significativo: ele consegue se ater à forma e só se entrega à romântica aceitação da falta de som na última cena, quando, enfim, pela primeira vez, podemos, juntos a Ruben, ver o mundo sem escutar o que quer que seja. Os graves indecifráveis da baixa audição que haviam dado lugar aos agudos tortuosos do implante (outro contraste) somem e dão espaço ao vazio. De repente, só aí, ele (Ruben) consegue comparar a experiência de ouvinte com a de não-ouvinte, fechando o ciclo dos opostos constatando a beleza do silêncio.

É romântico, é bonito e é, melhor ainda, bem construído. Mas talvez seja dissonante por embelezar uma condição imposta. Claro que é uma percepção pessoal e, por isso, a experiência como espectador de cada um de nós pode ser bem diferente. Inclusive pode ser contrária à que tive, o que faria o ciclo de contrapontos do filme se fechar por inteiro.

O Som do Silêncio está disponível no catálogo do Amazon Prime Video.

Crítica dedicada ao amigo Lucas Galvão.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.