Vacas alimentadas com cânhamo ficam chapadas de THC e passam substância ao leite
Por Augusto Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |
Cientistas estão estudando os efeitos do tetraidrocanabinol (THC), substância psicoativa presente no cânhamo industrial, na alimentação de bovinos em comparação com sua dieta padrão, composta de milho e feno. E não é apenas para ver as vacas chapadas, não: na indústria americana, 24 mil toneladas de matéria orgânica que sobra da extração de canabinoides, como o CBD, ficam sem destino após os processos industriais.
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Como era de se esperar, os animais que se alimentam da substância ficam mais calmos, salivam mais e bocejam com maior frequência, apresentando curiosas brincadeiras com a língua, lambendo seus focinhos, também mais vezes por dia do que o normal. Esses bovinos também passam mais tempo descansando nos potreiros, ruminando tranquilamente. Seu apetite, no entanto, não apresentou mudanças.
Leite batizado
A questão mais importante, e que, primariamente, estava em investigação no estudo, era a possibilidade do THC ser passado para o leite do animal, subsequentemente chegando até o consumidor humano final. O cânhamo é uma variação da planta Cannabis sativa com menos THC do que a popular maconha, contendo apenas 0,3% da substância.
É plantado, geralmente, por conta de suas fibras, muito úteis na fabricação de cordas e itens têxteis. Nos anos 1930, a planta chegou a ser banida nos Estados Unidos durante fervores anti-drogas, o que foi revertido apenas em 2018. Apesar de expandir o mercado do óleo de CBD e produtos afins, o cânhamo não pode ser dado ao gado para alimentação de forma legal. A biomassa sobressalente acaba descartada.
Publicada no periódico Nature Foods, a pesquisa mostrou que o THC da maioria do cânhamo industrial não afetou as 10 vacas participantes dos testes: quando elas ingeriram os brotos das flores e folhas, partes com maior concentração da substância, no entanto, acabaram comendo menos e produzindo menos leite. Nesse caso, o leite também acabou apresentando níveis de THC, às vezes em níveis que excedem o máximo recomendado por agências de saúde e alimentação na Europa.
Após 2 dias sem ingerir cânhamo, a substância retornou a ser indetectável nos animais, sumindo junto com os sinais de intoxicação, como olhos vermelhos, narizes escorrendo, passos atrapalhados e postura anormal. Não há como saber, ainda, se a queda na produção de leite foi causada pelo THC ou por outros canabinoides ou substâncias químicas presentes no cânhamo.
Benefícios aos animais
Em outros estudos, ovelhas alimentadas com cânhamo apresentaram THC presente nos músculos e na gordura, desaparecendo semanas após a remoção do alimento de suas dietas. As pesquisas têm mostrado poucos contras no uso de cânhamo para alimentação de animais de criação, especialmente considerando o custo da alimentação comum, sempre em crescimento. A planta, que geralmente tem terminado em aterros, tem valor nutricional alto.
Outro estudo, ainda, notou o THC no plasma do gado alimentado com cânhamo, além de outro efeito inesperado: um relaxamento maior, indicado por biomarcadores de estresse. Isso foi constatado nas outras pesquisas também, com taxas de batimentos cardíacos e ritmo respiratório menores e mais tempo descansando.
Animais mais descansados e felizes são mais saudáveis, o que, talvez ironicamente, melhore os efeitos do estresse gerado pela iminência do fim de suas vidas no abatedouro. De qualquer forma, os pesquisadores apontam benefícios desse uso, como tornar a vida dos animais melhor — o que também ajuda a nós, humanos. Resta, agora, realizar estudos posteriores para entender os efeitos do leite com THC caso nós o bebamos — e se isso será maléfico ou benéfico à nossa saúde.
Fonte: Nature Food