A internet acha que humanos viveram com dinossauros graças a esta pintura
Por Augusto Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela | •
É comum aparecerem na internet supostas provas de “viajantes do tempo”, sejam pessoas com itens que não deveriam ser de sua época ou celulares milenares sendo encontrados em escavações. A mais recente “farsa histórica” é bem mirabolante: trata-se de uma pintura renascentista onde estariam representados dinossauros muito antes da descoberta dos primeiros fósseis.
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Segundo uma página de “história alternativa”, há cerca de 500 anos, os gigantes do passado estavam entre nós, como nos Flintstones. A prova? Uma pintura de um tal de “Peter-Bruce Gale” de 1562, feita 300 anos antes do ser humano descobrir qualquer coisa acerca dos dinossauros, ou seja, antes mesmo de termos cunhado esse termo para os bichos. Confira o post original abaixo:
Na pintura, são vistos humanos montando no que parecem ser braquiossauros, ou o dino pescoçudo de sua escolha, como se fossem cavalos. Não há provas ou evidências além disso. Mas se isso não for prova de que os dinossauros viveram entre nós, então o que seriam as criaturas da imagem?
O que eram os dinossauros renascentistas?
Para começar a desmentir a postagem, primeiro precisamos falar sobre a pintura em si. Não há um pintor com o nome Pete-Bruce Gale — o autor da obra é, na verdade, Pieter Bruegel, o Velho, um pintor flamenco que estava representando eventos bíblicos. O cenário em questão é o suicídio do rei Saulo após ser derrotado pelos filisteus no monte Gilboa.
A única informação correta é, basicamente, a data. O trabalho é de 1562, e a explicação para os animais bizarros está provavelmente no fato de que Pieter Bruegel nunca havia visto um camelo na vida. O animal está presente na descrição bíblica envolvendo Saulo, e o pintor deve ter tentado representá-los com base em relatos de viajantes ou outras obras pouco precisas.
Também podemos apontar que os soldados estão usando armaduras medievais europeias, armas ocidentais e viajando em um cenário muito mais europeu do que do oriente médio. Esse tipo de anacronismo não era raro em obras da época — Bruegel se inspirou em artistas que fizeram o mesmo, como Albrecht Altdorfer, tanto porque o contratante havia pedido que a obra fosse assim quanto por não se importar com a precisão histórica do fato representado.
Na época de Bruegel, a Europa se via em constante conflito contra os turcos otomanos, e o fato dos soldados filisteus de Saulo lembrarem europeus e os soldados israelitas lembrarem turcos pode ser um aceno a isso — uma representação anacrônica que diz algo sobre o mundo moderno, um aspecto cíclico da história. Outras obras bíblicas de Bruegel também têm essa característica.
Além disso, em um tempo no qual viagens eram difíceis e as possibilidades de registrar momentos e criaturas eram muito limitadas, relatos orais eram o que havia para tentar representar o mundo — Bruegel não era ignorante, e havia viajado para Roma e Sicília para estudar a arte da pintura, mas, como nunca foi para o Oriente Médio e provavelmente não estudou a fundo os costumes, roupas e animais do local, simplesmente não saberia representá-los. Por outro lado, ele pode nem ter se importado com isso.
Vale lembrar que os camelos não são os únicos a terem sofrido com a falta de conhecimento de artistas do passado: leões, elefantes, morcegos e muitos outros animais acabam sendo representados de maneiras cômicas e curiosas. Vamos deixar alguns exemplos nesta matéria e lembrar que, em uma ilusão de ótica fofa e vagamente relacionada à confusão da pintura, quatis parecem dinossauros quando você retrocede filmagens deles.
Fonte: IFLScience