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Entrevista | A quantas anda o Sailfish OS, sistema finlandês criado pela Jolla?

Por| 07 de Março de 2018 às 17h27

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No ano de 2011, dentro de um quartinho escuro lá na Finlândia, um grupo de ex-funcionários que trabalhavam na área de software da Nokia resolveu deixar a empresa de lado e fundar a sua própria. Sami Pienimäki, Jussi Hurmola, Marc Dillon, Stefano Mosconi e Antti Saarnio estavam insatisfeitos com a decisão da fabricante de aposentar o MeeGo, sistema operacional inspirado no Linux e que havia sido implementado no icônico Nokia N9.

Apesar do sucesso comercial do N9, a diretoria da Nokia decidiu, do nada, que aquele tal software não tinha futuro, deixando suas parceiras (a Intel e a Fundação Linux) na mão. Depois que ambas resolveram iniciar um novo projeto — o Tizen, em parceria com a Samsung —, o MeeGo foi transformado em projeto open source, gerenciado pela própria comunidade de fãs e apelidado como Mer.

O time supracitado de engenheiros tinha razão: o sistema operacional tinha potencial e a Nokia estava jogando ouro fora. O MeeGo estava à frente de sua época: com uma interface bonita e navegação baseada em gestos, ele era flexível o suficiente para ser facilmente adaptada para netbooks, computadores modestos, centrais de mídia veiculares, TVs inteligentes e tudo mais que, hoje em dia, conhecemos como “internet das coisas”.

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Convencidos a “salvar” o SO, os cinco finlandeses fundaram a Jolla (pronuncia-se “iola”), sendo financiados por um programa da Nokia que incentivava startups abertas por ex-funcionários. A equipe se apossou de todos os códigos abertos do MeeGo e começou a trabalhar em um front-end próprio. Em julho de 2012, após muita expectativa e mistério, o Sailfish OS era anunciado.

Navegando contra a corrente

Vamos combinar: a Jolla teve culhões. Em 2012, o duopólio global que conhecemos hoje já começava a se formar no mercado de dispositivos móveis. De um lado, o Android (em sua versão 4.1 Jelly Bean) apresentava um desempenho interessante e era a escolha certeira para a maioria das fabricantes de renome, incluindo Motorola, Samsung, Sony e LG. Já o iOS (na compilação 5.1) exibia um poder gráfico absurdo e uma fluidez sem igual. Não parecia existir espaço para um terceiro competidor.

Esses fatores não incomodaram o barquinho finlandês, que continuava a navegar firme e forte. Em 2013, eles anunciaram um smartphone próprio (temos que concordar, ele era bonitinho) com um sistema modular que lembra muito a linha Moto Snaps, permitindo que eventuais upgrades fossem feitos no aparelho ao simplesmente trocar sua parte traseira. Depois, em 2014, a companhia lançou uma campanha de financiamento coletivo para fabricar o Jolla Tablet — que, como seu nome sugere, era um tablet com o Sailfish OS.

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Tudo parecia ir bem, até que uma forte tempestade atingiu a embarcação em 2015. Por conta de alguns conflitos com a manufaturadora chinesa que fabricaria o Jolla Tablet, o gadget foi cancelado e os apoiadores foram reembolsados. Sem dinheiro para investir em produtos próprios, a Jolla anunciou que iria desmontar sua divisão de hardware para se focar apenas no desenvolvimento do SO. O Jolla Phone, que chegou a ser vendido de forma restrita para alguns países europeus, também sumiu do mapa.

Mas engana-se quem acredita que esse baque foi o suficiente para fazer o barco afundar. Diferente de outros projetos que nadaram, nadaram e morreram na praia (como o Firefox OS, o controverso sistema operacional web-based da Mozilla), o Sailfish OS continua em pé, apostando em uma estratégia bastante interessante e tentando coexistir — sem necessariamente competir — com a Maçã ou com a Gigante das Buscas.

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“O atual foco da Jolla está no licenciamento regional: a empresa licencia o Sailfish OS para ser utilizado como plataforma para desenvolver ecossistemas móveis locais e soluções corporativas”, afirma Sami Pienimaki, atual CEO da companhia, em entrevista exclusiva concedida ao Canaltech. “O mercado de sistemas operacionais móveis é um duopólio, e não há outras alternativas disponíveis além do Sailfish OS”, comenta, deixando claro que a marca não tem mais interesse em trabalhar com hardware próprio.

Ao ser questionado sobre os diferenciais do sistema finlandês, Sami destaca dois fatores críticos para os dias de hoje: segurança e privacidade. “O Sailfish OS leva isso muito a sério, e não coleta informações pessoais dos usuários como um negócio, o que significa que você é dono de seus próprios dados”, explica. Aliás, o simples fato de ser projetado na Finlândia (país com uma rígida legislação de cibersegurança) já torna o software bem mais confiável do que uma solução norte-americana.

Além de trabalhar com licenciamento, a Jolla também oferece uma compilação especial que pode ser adquirida por qualquer internauta por 49 euros. Batizada de Sailfish X, ela foi projetada para rodar exclusivamente no Xperia X, o topo de linha da Sony anunciado em 2016; contudo, à nossa equipe, o CEO também revelou que ela em breve ganhará compatibilidade com o novíssimo Xperia XA2. Por outro lado, ele não justificou a decisão de comercializar um sistema baseado em um projeto open source.

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As novidades para 2018

Participando da Mobile World Congress (MWC) 2018, feira de tecnologia móvel que rolou na Espanha ao longo da última semana, a Jolla apresentou oficialmente a terceira grande atualização do sistema operacional e promete novidades bem bacanas. O primeiro modelo a sair de fábrica com tal edição será o Gemini PDA, um dispositivo dotado de teclado físico e que homenageia os computadores de mão que fizeram sucesso na década de 90.

“Para o Sailfish OS 3, estamos oferecendo suporte completo a infraestruturas regionais (incluindo steady releases e atualizações de SO), serviços para estabelecer centros independentes de pesquisa e desenvolvimento, hospedagem local, treinamentos e um recurso flexível feito para suportar necessidades específicas", explica Sami.

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Aproveitando a onda dos feature phones com 4G (iniciada pelo Nokia 3310 e aprimorada com o novo 8110), o Sailfish OS 3 também poderá equipar celulares simples e baratos, levando a esse setor alguns aplicativos que costumamos ver apenas em smartphones.

“O que diferencia o Sailfish OS de seus competidores no setor de feature phones é sua capacidade de ser executado em configurações de hardware simplórias e ainda assim rodar aplicativos selecionados do Android. Além disso, o Sailfish OS é compatível com VoLTE, algo que está se tornando cada vez mais importante para essa nova era do segmento. Estamos discutindo com vários parceiros em diferentes lugares do mundo para levar isso adiante”, afirma o executivo.

E no Brasil, quando teremos?

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É literalmente possível contar nos dedos quantos smartphones com Sailfish OS estão disponíveis no mercado. A indiana Intex lançou o Aqua Fish; a russa INOI possui o R7, e sua compatriota Oysters lançou o SF; a finlandesa Turing Robotic apostou no sistema para seu Turing Phone. Existem ainda dois projetos inacabados, como o africano mi-Phone (que foi anunciado, mas nunca apresentado oficialmente) e o PuzzlePhone, da Circular Devices (que deveria ser um aparelho modular, mas foi abandonado).

Na América Latina, o único representante do sistema é o Accione, um celular intermediário que foi lançado pela boliviana Jalasoft em outubro do ano passado, mas ainda não está disponível para compra. Com um processador Snapdragon de quatro núcleos (modelo e clock não revelados), o modelo possui 2 GB de memória RAM e 16 GB de armazenamento interno, além de uma tela de 5 polegadas e câmera traseira de 8 MP (a frontal possui 5 MP). Essas especificações, para o Sailfish OS, são garantia de um ótimo desempenho.

Durante o evento de anúncio do Accione, Jorge López, presidente da Jalasoft, afirmou que a ideia é levar o aparelho para mais países do continente, incluindo Peru, Uruguai e Brasil. O Canaltech tentou entrar em contato com o executivo para saber mais sobre os planos de expansão da fabricante para o nosso território, mas não obtivemos retorno até o fechamento desta reportagem.

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O que o futuro reserva?

Será que agora, em pleno 2018, podemos dizer o que diríamos em 2011 e afirmar que o Sailfish OS tem futuro? Bom, nós arriscariamos dizer que sim. Sua flexibilidade e leveza o tornam um competidor atraente agora que o mercado global de dispositivos móveis começou a dar mais atenção para aparelhos baratos e simples, apropriados sobretudo para os países emergentes (incluindo a Índia e regiões africanas e latino-americanas). Sua capacidade de equipar feature phones também é bem-vinda.

Ademais, a Jolla conseguiu até mesmo desenvolver uma distribuição do software para ser executada em relógios inteligentes. A finlandesa ainda está procurando parceiros que estejam interessados em usar a compilação, mas só o fato de que existe uma build 100% funcional para smartwatches é a prova perfeita de que o Sailfish OS é moldável o bastante para se adaptar a qualquer plataforma. Com o advento da IoT e dos carros inteligentes, toda ajuda nesse campo é valiosíssima.

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No fim das contas, parece que a Nokia realmente jogou seu ouro fora em 2011, ao abandonar o MeeGo em prol do Windows Phone. O Sailfish OS dificilmente conseguirá desbancar o Android e o iOS na luta pelo posto do SO móvel mais popular, mas talvez ele nem precise de tal título — ele está se saindo bem como uma alternativa “underground” àqueles que querem fugir do convencional e procuram algo mais leve para o dia a dia.