Crítica Treta | Série comprova que a raiva deve ser sentida, mas com moderação
Por Natalie Rosa | Editado por Jones Oliveira | 13 de Abril de 2023 às 20h30
Quem gosta de uma boa produção caótica, geralmente misturando drama e humor ácido, já está se aventurando na loucura que é a série Treta, produção original da Netflix.
Estrelada por Steve Yeun e Ali Wong, a trama mostra uma rixa que começa a partir de uma briga no trânsito. O que poderia ser esquecido em poucos minutos se transforma em uma rivalidade bizarra entre os protagonistas, que tentam um destruir a vida do outro.
Atenção: esta crítica tem spoilers da série Treta!
Treta é uma daquelas séries que ficam cada vez mais pesadas, intensas e descontroladas a cada episódio. O conflito que aconteceu no trânsito entre Amy e Danny foi a única maneira que suas vidas se conectariam, pois são de classes socioeconômicas bem diferentes e não têm nada em comum, com exceção da raiva.
Saúde mental
Não há como assistir à Treta e não relacionar o que se passa na vida dos dois com a saúde mental precária. Ambos são infelizes na vida que têm, Danny principalmente pela falta de dinheiro, e Amy por dedicar a vida ao trabalho e não ter tempo para a família ou o marido.
Se não fosse por isso, talvez, o incidente no trânsito seria esquecido em questão de segundos. Porém, a série também trabalha com a questão de precisar de algum motivo para seguir em frente, detalhe crucial para que pessoas com depressão sintam prazer nas coisas da vida, mesmo que tóxicas.
Ao primeiro episódio, quando a obsessão que um cria pelo outro ganha forma, o final engata na música The Reason, da banda Hoobastank, como se finalmente eles tivessem encontrado uma razão para viver. A partir de então, a situação desanda para o cenário mais caótico possível, com a trilha sonora se encaixando perfeitamente nos acontecimentos de cada episódio.
Puro caos
Amy, que é casada com um homem "dono de casa" e herdeiro, tem uma filha pequena e zero paciência com a sogra. Danny, solteiro, trabalha como empreiteiro e precisa lidar com a reprovação dos pais e o irmão que não quer fazer nada da vida.
É nítido como a obsessão desenvolvida pelos seus mais novos rivais funcionam como uma forma de preencher um vazio existente em suas vidas, sentindo os benefícios que os hormônios do prazer provocam ao fazerem coisas absurdas. Quando tudo sai do controle, suas vidas pessoais e profissionais são afetadas, virando um completo caos, assim como as rotinas de quem está ao redor deles.
As coisas não só ficam malucas, mas perigosas, e é quando Treta desanda de vez, mas no melhor sentido da palavra. A série não nos deixa respirar um minuto sequer, nos fazendo rir com os diálogos e situações insanas, e nos deixa completamente desesperados com as escolhas feitas pelos protagonistas.
O cenário desesperador também tem como plano de fundo a desigualdade dos Estados Unidos, entre tantas realidades vividas pelos moradores dessa grande potência mundial. A dupla é de origem asiática, bastante predominante nos EUA, e como parte da minoria em um país tão preconceituoso os personagens também tem direito de sentirem raiva.
O roteiro, inclusive, combate o estereótipo de que japoneses, chineses e sul-coreanos, por exemplo, sempre se dão bem na vida, não tem do que reclamar e são dóceis. Nada como deixar a maior parte do roteiro nas mãos de quem pode falar com propriedade, no caso o próprio criador de Treta, Lee Sung Jin.
Sintonia
A energia caótica de Treta também é mérito dos excelentes Steven Yeun, mais conhecido por Minari e The Walking Dead, e Ali Wong, uma veterana da comédia. Os rivais da ficção contam com uma sintonia perfeita em suas atuações, cada um manifestando a raiva de diferentes formas que, ao final, se conectam.
A série mostra que a raiva precisa ser sentida, mas que a insistência nela pode ser altamente destrutiva.
Você já pode assistir aos 10 episódios de Treta na Netflix.