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Crítica | O Jovem Wallander traz detetive de volta à TV em prequel da Netflix

Por| 14 de Setembro de 2020 às 11h33

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Divulgação: Netflix
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Em 2008, a BBC One lançou uma série policial chamada Wallander, contando a história de um detetive sueco responsável por investigar terríveis assassinatos na região de Escânia, no sul da Suécia. A trama rendeu quatro temporadas e chegou ao fim em 2016.

A história de Wallander, no entanto, não ficou somente nisso. A Netflix resgatou o personagem principal para a criação de uma prequela, mostrando como foi o início da carreira do detetive. Em O Jovem Wallander, vemos brevemente a vida de Kurt como policial e a sua transição para um cargo mais cobiçado e que exige talento.

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Atenção: esta crítica contém spoilers de O Jovem Wallander

Em seis episódios de quase uma hora cada, O Jovem Wallander escolheu tratar de assuntos mais contemporâneos e que estão fortemente relacionados aos acontecimentos atuais enfrentados pela Europa: imigração, xenofobia e racismo. Para que isso fosse possível, a linha do tempo da vida do detetive foi alterada, com a trama se encaixando com a atualidade e não voltando no tempo. Caso contrário, a produção teria que acontecer entre as décadas de 1960 e 1970. E isso não faz alguma diferença — ao menos para quem não assistiu à série original.

Kurt é interpretado pelo ator Adam Pålsson, já conhecido no país por ter participado de várias séries locais. O intérprete se aproveita do perfil estereotipado de "bom moço" que carrega em sua genética para criar um policial tímido, empático e disposto a usar de seu poder para, de fato, ajudar as pessoas e evitar a violência da maior forma possível. Na vida real, a polícia da Suécia trabalha com esses valores, e historicamente protestos e manifestações têm um grande impacto nisso. Na série, vemos um protesto acontecendo e, mesmo sendo por uma luta xenofóbica contra a imigração, os oficiais tentam cumprir o seu trabalho de fazer com que tudo seja pacífico em meio à liberdade democrática de se manifestar.

O caso que leva Kurt a mudar de um simples policial a detetive acontece na própria região em que vive, que consiste em uma comunidade para pessoas de classe baixa e média. Lá, Wallander criou uma amizade com uma família composta por mãe e filho, com quem ele viveu por um tempo. A relação entre os três foi criada para mostrar que o rapaz é um jovem talentoso e, assim como muitos outros, possui um sonho e que só precisa de oportunidades para mudar de vida.

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Ibra (Jordan Adene) joga futebol e havia recebido um contrato em que poderia treinar e morar em uma nova região, trazendo mais oportunidades à família. Mas todos os planos foram abalados quando ele foi acusado de participar de um plano severo que resultou na morte de Hugo Lundgren, com quem trocava farpas. Em um certo dia, de madrugada, Hugo foi amarrado à grade do campo de futebol do bairro de Kurt com uma fita na boca, enquanto era humilhado por pessoas que o acusavam de xenofobia.

Kurt tenta resolver a situação e controlar os moradores, mas de repente um homem com um capuz preto retira a fita da boca do jovem e revela que existe uma granada ali dentro. Sem tempo para agir, a granada acaba explodindo e resultando em um grave atentado, com suspeita de se tratar de terrorismo imigrante, uma vez que o rosto de Hugo estava pintado com a bandeira da Suécia. Ibra acaba sendo o principal suspeito e é preso preventivamente, fazendo com que a missão do policial seja desfazer esse mal-entendido, por saber que o garoto jamais seria capaz de fazer essa atrocidade e que estava sendo vítima de racismo.

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Disposto a resolver o caso, Kurt é nomeado como detetive no lugar de seu melhor amigo, Reza (Yasen Atour), que se mostra compreensivo diante da situação. A partir dessa nomeação, a xenofobia começa a se mostrar como o principal tema da série, envolvendo conspirações relacionadas à família mais rica e poderosa da cidade, e que quando se trata de poder e dinheiro não há escrúpulos para suas ações e muito menos a compaixão com o próximo.

Com o decorrer da investigação, a série explora a vulnerabilidade de imigrantes que estão na Suécia apenas em busca de uma vida melhor e que o medo de voltar ao seu país natal é tão grande que o envolvimento com pessoas perigosas acaba sendo a única solução. E é o que aconteceu com Zemar (Elham Ehsas), a pessoa que retirou a fita da boca de Hugo. Ele foi apenas uma das vítimas de Karl-Axel Munck (Jacob Collins-Levy), primogênito do bilionário Leopold Munck (Andrew Bicknell), que alterou o seu testamento para que a sua herança não fosse ao primeiro filho, mas sim ao segundo, Gustav Munck (Alam Emrys).

O mais interessante dessa situação toda é que Leonard, personagem que baseado em estereótipos deveria ser o personagem mais cruel da história, sempre soube da crueldade de Karl-Axel, que carrega em si traços de psicopatia, e por isso não conseguia absorver a ideia de que ele ficasse com toda a sua fortuna. A ideia, então, foi transferir a herança para Gustav, que ao contrário do irmão é uma pessoa que se preocupa com as questões imigratórias e que preza pelo bem de todo cidadão da Suécia.

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Se não fosse pelo desejo de Kurt de resolver a situação para livrar Ibra da culpa, nada disso teria sido descoberto de forma tão rápida. Para o lado da família bilionária, nem tudo acaba mal. O culpado pelo atentado sofrido por Hugo veio de Karl-Axel, que acabou não pagando pelo seu crime, mostrando o quanto é difícil lutar contra bilionários poderosos. O criminoso aproveitou de seu poder para tentar criar uma revolta dos suecos contra os imigrantes, desenvolvendo situações que os acusariam de terrorismo, e consequentemente afetaria Gustav, quem ele também tentou matar.

Porém, Ibra consegue se livrar da prisão e tem a sua proposta como jogador de futebol aceita novamente, trazendo para esse lado da história um final feliz. Kurt sempre prezou pela ética moral do seu trabalho como detetive, e ao perceber que teria que abdicar de muitos de seus valores e colocar a sua vida em risco para isso, decide deixar de lado o emprego e tentar ter uma vida comum, final que é sugerido no fim do último episódio.

O Jovem Wallander traz um mistério cheio de pontas soltas que acaba sendo intrigante para o espectador, que já pela lógica entende que jovens negros e imigrantes são as vítimas da situação, mas nem todas as respostas são óbvias. Junto a Kurt, vamos acompanhando o desenrolar da investigação que, por mais que não seja repleto de reviravoltas, entretém ao mesmo tempo em que provoca debates sobre essas questões políticas.

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Além do roteiro que funciona bem em apenas seis episódios, a série conquista pelos cenários dramáticos e cinzas da Suécia, que trazem um incremento a mais no suspense. O Jovem Wallander é um prequel que vale a pena ser considerado para os fãs de mistério e investigação, apresentando uma história adaptada ao mundo real atual e aos debates necessários. Para quem não está muito acostumado com o gênero, a trama não traz um caso muito complexo para solucionar, sendo uma ótima opção de entretenimento rápido e sem ser raso, trazendo questões coniventes com a era em que vivemos.

O Jovem Wallander está disponível na Netflix em seis episódios.