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Tratar depressão é a forma eficaz de prevenir suicídios, apontam especialistas

Por| Editado por Luciana Zaramela | 17 de Junho de 2022 às 11h30

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Twenty20photos/Envato Elements
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O corpo de bombeiros do estado de São Paulo recebe de 5 a 7 chamadas de socorro relacionadas a tentativas de suicídio por dia. No ano passado, foram aproximadamente 2,5 mil atendimentos. Apesar de alto, este número é subnotificado. Parte significativa destes casos, envolvem pacientes com depressão.

“Estes números são ainda mais altos, porque não estamos considerando as ocorrências do SAMU [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] e da Política Militar. Desfechos como esses poderiam ser evitados em muitos casos, se as pessoas tivessem um olhar mais humanizado, reconhecendo a depressão como um transtorno mental, que precisa de atendimento urgente e especializado”, afirma o Major Diógenes Munhoz, que trabalha no Corpo de Bombeiros, em evento sobre o tema.

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Convidado pela Janssen — empresa farmacêutica da Johnson & Johnson —, o Canaltech participou, na terça-feira (14), do evento “Urgência da saúde mental: um outro olhar sobre a depressão”, onde pudemos acompanhar e conversar com especialistas que trabalham, na prática, a questão do suicídio e da depressão, como Munhoz.

O que fazer com um tentante de suicido?

Em 2005, O Major Diógenes resgatou um tentante de suicídio de uma torre de transmissão de celular, no bairro Vila Campanela, na zona Leste da cidade de São Paulo. Apesar do exaustivo trabalho e das seis horas de diálogo, o fato poderia passar como mais um no seu exercício de profissão, mas deixou marcas.

“Até então, eu era neurolinguisticamente programado para distrair e pegar pessoas [em situação de risco], pouco me importando quem eram e quais eram as suas dores", explica Diógenes. No entanto, o atendimento o levou a idealizar, estudar por anos e desenvolver a Técnica Humanizada de Abordagem a Tentativas de Suicídio, usada em 17 estados brasileiros.

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“Não posso ir para cima de uma ponte ou para dentro de uma sacada e, no momento mais desesperador de pessoa, eu ter como primeira e única opção dar um tiro de taser — a pistola de choque usada para imobilização — em uma pessoa ou atingir com a água de uma mangueira pressurizada. Vou agravar a situação. Acabo de resolver o meu problema, mas não o problema da pessoa. Minimamente, precisamos humanizar o atendimento", pontua.

Como agir de forma adequada?

Qualquer pessoa, seja no local de trabalho ou no ambiente familiar, pode se deparar com uma alguém que está tentando suicídio. Para ajudar este indivíduo, Diógenes compartilha três abordagens iniciais, que reduzem e simplificam o seu método. A seguir, confira quais são:

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  • Ligar para um sistema de emergência: “Quem atende tentativas de suicídio, em qualquer lugar do país, é o corpo de bombeiros”, explica o major. O telefone de contato é o 193;
  • Isolar esta pessoa ao máximo: “Isolar no sentido da exposição. Ela não precisa ser levada a condições de brincadeiras, de chacotas e de provocações", explica. O importante é tratar o problema com a seriedade que ele merece;
  • Iniciar o diálogo: “Não é um diálogo objetivando findar a tentativa de suicídio. É inciar um diálogo com perguntas simples, que levam como resposta o sim ou o não", afirma. Nessa conversa, pode-se buscar fatores de proteção e que alterem a percepção do indivíduo sobre a sua vida.

E para quem pensa que a questão é muito distante da sua realidade, é preciso saber que, todos os anos, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio. Inclusive, esta é a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Afinal, o que o suicídio tem a ver com depressão?

Pode parecer estranho a junção entre o suicídio e a depressão, mas não é. Publicado na revista científica Crisis, um estudo observou que "a maioria (98%) [dos tentantes de suicídio] tinha diagnóstico de pelo menos um transtorno mental". Entre estes problemas, está a depressão, como explica Humberto Corrêa, médico professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (Ufmg).

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De acordo com Corrêa, “60% das pessoas que cometem suicídio vivem um quadro de depressão". Inclusive, "sabemos que o comportamento suicida é mais prevalente em pessoas com depressão resistente que em depressão não resistente", complementa o professor de psiquiatria.

Entenda a depressão resistente ao tratamento

Segundo dados do estudo observacional TRAL (Treatment-Resistant Depression in America Latina), a depressão resistente ao tratamento (DRT) é um transtorno que impacta cerca de 40% dos pacientes brasileiros. O psiquiatra define o quadro da seguinte forma: “Aquele paciente que usou dois antidepressivos diferentes, durante um tempo adequado e com a dose adequada, e não respondeu [ou seja, não teve alívio dos sintomas]".

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Neste ponto, é preciso detalhar que resposta é diferente de remissão. "Resposta é quando você tem redução de 50% dos sintomas apresentados inicialmente. E remissão é quando você remediou, de fato, todos eles", acrescenta Cintia de Azevedo Marques Périco, professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC e integrante da Comissão de Emergenciais Psiquiátricas da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Faltam centros psiquiátricos de atendimento

Quando se pensa no atendimento de tentantes de suicídio — e de pessoas com outros transtornos mentais —, é preciso que exista uma abordagem especializada e qualificada. Por exemplo, quem sofre um acidente de moto, costuma ser atendido dentro da emergência ortopédica, onde estão disponíveis ortopedistas.

No entanto, o mesmo não é comum para pacientes psiquiátricos, já que, na maioria das vezes, vão para o atendimento geral. Dessa forma, nem o paciente e nem os familiares passam por acompanhamento com psiquiatras, enfermeiros e assistentes sociais. Estas consultas precisam ser agendadas posteriormente e, por inúmeros fatores, muitas vezes nunca acontecem.

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Périco é autora de um estudo que contabilizou o número de emergências psiquiátricas (EPs) no Brasil. “A princípio encontramos 83. Este trabalho começou pré-pandemia e concluímos no ano passado. No final da pesquisa, tínhamos 29 emergenciais psiquiátricas em um país como o nosso", conta a médica. Esse número, além de ser pequeno, é altamente concentrado.

Publicado na Revista da Associação Médica Brasileira, o estudo sobre os EPs brasileiros identificou dois principais problemas: estrutura insuficiente para atendimento à criança e ao adolescente (83%) e aumento da demanda de pacientes (72%). Em outras palavras, é um serviço que ainda deve ser ampliado pela demanda.

Tabu sobre tratamento

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Apesar de todas as complicações envolvendo a depressão, os pacientes demoram para chegar ao diagnóstico e ao possível tratamento. Segundo levantamento realizado pelo Instituto Ipsos a pedido da Janssen, feito em 11 estados brasileiros, o tempo médio para procurar ajuda foi de três anos e três meses. Esta demora se deve a três principais fatores:

  • Falta de consciência daquele estado se tratar de uma doença (18%);
  • Resistência e falta de aceitação (13%);
  • Medo do julgamento, da reação dos outros ou da vergonha (13%).

“No senso comum, existe uma banalização daquilo que se entende por ser psicológico, com uma falsa ideia que não precisa de tratamento", explica Périco. "Não tratar a depressão como uma doença grave e que pode resultar em uma emergência psiquiátrica pode trazer sérias consequências para os pacientes e para a própria sociedade”, completa a especialista.

Novas perspectivas de tratamento

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Apesar de todos os avanços no tratamento de pessoas com transtornos mentais, é preciso lembrar que esta é uma área relativamente nova para a ciência. Apenas em 1952, o primeiro remédio para uma doença mental foi apresentado. Trata-se da clorpromazina, prescrita para casos de esquizofrenia.

Hoje, os especialistas apontam que um grande desafio é o tratamento da depressão resistente e de pacientes risco eminente de suicídio — cientificamente, isso é chamado como comportamento ou ideação suicida agudo —, já que remédios psiquiátricos demoram para apresentar os primeiros benefícios.

Trazendo novas perspectivas, está o Spravato, da Janssen, aplicado como um spray nasal. “Além de ter um início de ação mais rápido do que outros medicamentos disponíveis, o Spravato tem o regime de dosagem menos frequente e a administração intranasal facilita a aplicação", explica o médico Humberto. Inclusive, o psiquiatra esteve envolvido nos ensaios clínicos da medicação, que, agora, começa a chegar ao Brasil.

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Fonte: Com informações: Opas, Rev. Assoc. Med. Bras.e Crisis