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Sem tratamento nem remédios, saúde de refugiados é desafio internacional

Por| Editado por Luciana Zaramela | 20 de Junho de 2022 às 07h30

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Halfpoint/Envato Elements
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No mundo, 27,1 milhões de pessoas vivem como refugiadas, segundo o último relatório Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para Refugiados (Acnur). Com as crises humanitárias enfrentada do Afeganistão — que registrou o seu ápice em 2021 — e da Ucrânia, a tendência é que o número suba nos próximos meses. O Dia Mundial do Refugiado (20 de junho) é um importante lembrete para o drama vivido por estas pessoas, na maioria das vezes sem acesso à saúde e a qualquer outro tipo de direito.

Para entender a situação de risco dos refugiados e questões que envolvem a sua segurança, como acesso aos serviços de saúde, o Canaltech entrevistou André Naddeo, diretor da ONG Planeta de TODOS, que atua na fronteira da Ucrânia. Além disso, conversou com o afegão Kazem Ahmadi, que já esteve na condição de refugiado enquanto fugia do Talibã.

Hospitais no limite com a Guerra da Ucrânia

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De acordo com dados coletados pelo Acnur, até o dia 7 de junho, pelo menos 4,8 milhões de pessoas foram registradas em toda a Europa, após deixarem a Ucrânia. Este número inclui aqueles indivíduos que cruzaram para os países vizinhos e depois seguiram adiante em sua busca por refúgio. Com o conflito distante do fim, a tendência é que a quantidade de refugiados ainda aumente. Outro desafio é manter vivos aqueles que permanecem em seu país de origem.

"Por mais que as fronteiras de dentro da União Europeia estejam abertas e os mantimentos e doações, em geral, tenham fácil entrada, o grande desafio é levar [os mantimentos] para os chamados frontes de guerra. O que acontece é a utilização dos trens de passageiros que levam refugiados até as fronteiras e, ao voltar para as zonas de conflito, carregam estes mantimentos nos vagões", explica André Naddeo, diretor da ONG Planeta de TODOS.

"A cada estação, a própria comunidade local, ainda que arriscando as próprias vidas, se encarrega de levar essas doações em carros próprios aos mais necessitados", acrescenta. Hoje, faltam diferentes insumos para a população, incluindo itens para a saúde.

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Demandas na área da saúde

Até o dia 2 de junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) contabilizava 269 ataques a instituições de saúde, como hospitais, verificados. Nestes atentados, foram mortas pelo menos 76 pessoas. Além dos ataques, o desafio é manter equipes médicas disponíveis para o atendimento e repor os medicamentos mais usados.

Para manter os atendimentos médicos, a OMS treina profissionais de saúde para a atuação no tratamento de pacientes que foram vítimas de fraturas, queimaduras ou exposição a produtos químicos. Agora, na área da medicação, a falta de produtos é constante.

Vítimas de abuso sexual

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"Na área de saúde, falta desde o mais básico, como material de sutura, por exemplo, até mesmo a pílula do dia seguinte. Como tática de guerra, há muitos relatos de estupros por parte dos russos, que querem aterrorizar os ucranianos. Existe uma procura grande para o cuidado preventivo, após o abuso sexual", aponta Naddeo.

"É uma situação limite de guerra, imagina, você como mulher sofrer um abuso e não ter condição de se medicar para evitar uma gravidez mais do que indesejada", explica o diretor. Esta mesma situação também é enfrentada por muitos que deixaram a Ucrânia e estão em busca de refúgio.

"A VS [violência sexual] é um problema prevalente que afeta refugiados de ambos os sexos, de todas as idades, ao longo da jornada migratória, particularmente os provenientes da África. Medidas de proteção são urgentemente necessárias", afirmam os autores de uma revisão sistemática — estudo que analisa outros artigos já publicados — sobre o tema. Entre os pesquisadores, estão membros da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ufrj), no Brasil, e da Universidade McGill, no Canadá.

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Traumas psicológicos

Tanto aqueles que saem quanto aqueles que permanecem em um país em guerra precisam lidar com os traumas psicológicos. “A guerra causou um aumento maciço de danos psicológicos e sofrimento. Em todo o país, profissionais de saúde relatam que o pedido mais comum, agora, é ajuda para lidar com insônia, ansiedade, luto e dor psicológica", explica a OMS, em comunicado. Inclusive, são estudadas formas para desenvolver um programa de saúde mental para os ucranianos.

Refugiados e a falta de acesso à saúde

Se a Guerra da Ucrânia despertou forte comoção por ocorrer no continente europeu, este não é o único conflito em curso no mundo. O mesmo relatório da Acnur aponta que, somente em 2021, 89,3 milhões de pessoas foram obrigadas a se deslocar de sua terra por causa de guerras, violência, perseguições e abusos de direitos humanos. Há alguns anos, o afegão Kazem Ahmadi, de 27 anos, passou por esta situação repetida milhões de vezes.

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Fugindo do Talibã

Nos primeiros anos de sua vida, o afegão Ahmadi teve uma boa vida ao lado de seus familiares. "Minha vida era bastante tranquila, brincava com os meus amigos, ajudava o meu avô a cultivar a sua terra. Plantávamos muita berinjela, pepino, pimentão e outros vegetais", conta. Os problemas começaram quando estava prestes a completar 12 anos.

Segundo o relato do refugiado, nesta idade, membros do Talibã vão até as casas de meninos e perguntam aos pais se eles têm permissão para treinar os filhos. "Todo mundo sabe o que eles querem, que você se torne um soldado deles. Meus pais não queriam isso para mim, obviamente, então começaram as ameaças. Às vezes, eles mandam cartas normais. Às vezes, eles a amarram [bilhetes] em pedras e atiram na sua janela. Sempre são cartas anônimas, ameaçando você e também seus entes queridos", detalha Ahmadi.

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"Com o tempo, essas ameaças se tornam reais e há muitos casos de assassinatos de parentes de jovens, que negaram esse recrutamento forçado. Como eles são muito conectados com o sistema em geral no Afeganistão, qualquer lugar aonde você vá dentro do país, você vai encontrar problemas. No final das contas, você não tem outra opção: ou se junta ao Talibã ou foge do país. Eu fugi", afirma ele, sobre o começo de sua jornada como refugiado.

Vale lembrar que, em agosto de 2021, o Talibã tomou a capital do país, a cidade de Cabul, e assumiu o controle de toda a região. Com isso, milhões de pessoas deixaram o país em imagens que comoveram o mundo, como as filas dos aeroportos. Neste período, Ahmadi já tinha deixado sua terra natal.

Desafios da jornada até a Grécia

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"Quando tinha mais ou menos 15 anos, eu fugi para o Irã, onde eu vivi por cerca de 6 anos. Como um afegão em território iraniano, somos ilegais e não temos qualquer tipo de direito. Nem sequer podemos pedir asilo. Também não conseguimos nenhum tipo de documento que te dê acesso legal às escolas públicas ou hospitais, por exemplo", afirma Ahmadi. Naquele momento, "era como se eu não existisse para os iranianos", explica.

Do Irã, Ahmadi foi para Turquia. "Quando você chega à fronteira turca, há um rio que você tem que passar com todos os seus pertences. A água chega a altura do peito e, enquanto tentava me salvar, acabei atirando no rio todos os meus pertences", comenta sobre este capítulo de sua história.

Em seguida, tentou migrar para a Itália — sim, o objetivo inicial de sua jornada não era a Grécia. "Nossa ideia era chegar à Itália, em Ancona. Mas nunca conseguimos", explica. Nesta viagem marítima mal-sucedida, passou 10 dias à deriva. "Não tínhamos comida, nem água. Nada", lembra sobre o episódio.

No fim, "acabamos chegando à ilha de Zakynthos [na Grécia]. Fomos recolhidos pelas autoridades gregas e passamos pelos devidos trâmites de chegada ilegal à Europa", completa. Nesse momento é que conheceu a ONG para Todos e voltou, gradualmente, a conquistar seus diretos como pessoa.

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Falta de acesso universal à saúde

"A coisa mais importante para nós, depois de passar por tantas desafios [como refugiado], é apoio psicológico. Precisamos tratar nossos traumas", aponta Ahmadi. "Tive apoio psicológico dos amigos que eu fiz, e das organizações, que conheci, para me cuidar. Fui construindo aos poucos a minha resiliência para me tornar forte. São altos e baixos", confessa.

Outra questão defendida pelo afegão é a falta de universalidade da saúde para os refugiados. "Acredito que o acesso aos hospitais deveria ser mais fácil e democrático, sem tanta burocracia para saber se você está legal ou não dentro de um determinado país", explica. Isso porque, em muitos países, pessoas ilegais e em solicitação de refúgio não podem ser atendidas.

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"São situações extremas que pessoas sem documentos, como no meu caso, têm que enfrentar simplesmente porque nossas vidas estão em perigo. Eu nunca quis deixar o meu país, simplesmente não tive outra escolha", completa Ahmadi sobre a sua trajetória até ser, novamente, reconhecido como cidadão. Atualmente, o afegão é intérprete e atua em prol da ONG Planeta de TODOS.

Observação: no Brasil, uma curiosidade é que o Sistema Único de Saúde (SUS) está disponível para todos. "O SUS é um sistema de saúde público que garante o acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país, incluindo pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio", informa a Acnur. Inclusive, podem ser imunizadas contra a covid-19 e outras doenças.

Fonte: Com informações: AcnurOMS, NIH e Agência Brasil