Remédio contra vício em maconha tem alta eficiência durante testes
Por Augusto Dala Costa | Editado por Luciana Zaramela | 21 de Junho de 2023 às 14h28
Há, atualmente, poucas opções de tratamento para quem tem problemas para controlar o uso de cannabis, popularmente conhecida como maconha — agências reguladoras de saúde de todo o mundo não possuem medicamentos aprovados, à sombra de discussões sobre a legalização da substância. Um novo remédio, no entanto, vem sendo estudado por uma empresa biofarmacêutica da França, e mostrando resultados promissores nos primeiros testes com humanos e animais.
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Durante a pesquisa, o medicamento conseguiu reduzir os efeitos prazerosos da cannabis, ajudando os consumidores a controlar a quantidade usada sem gerar sintomas de abstinência, mesmo nos voluntários humanos que relataram consumir muitas gramas diariamente.
Embora apenas o consumo via inalação tenha sido estudado (inclusive por vaporizadores), sem estudar versões comestíveis da droga, os participantes mostraram menos disposição de comprar e autoadministrar a substância, que ficava disponível no laboratório.
Exagero de maconha, vício e abstinência
Só nos Estados Unidos, há cerca de 14 milhões de pessoas com 12 anos ou mais diagnosticadas com distúrbios no uso de cannabis, segundo censo realizado em 2020. Consumir cannabis pontualmente não é problema, segundo o autor do estudo sobre o novo medicamento, o médico e neurobiólogo Pier Vincenzzo Piazza — é como beber uma taça de vinho com amigos de vez em quando. Algumas pessoas, no entanto, chegam a fumar de 5 a 10 cigarros de maconha por dia, o que gera diversos problemas.
E se livrar do vício não é fácil: efeitos negativos da abstinência de maconha podem gerar distúrbios na motivação e socialização, bem como deterioração cognitiva, especialmente em adolescentes. Para pessoas com 18 anos ou menos, o risco de desenvolver o distúrbio de consumo da maconha é maior (inclusive podendo causar problemas no desenvolvimento do cérebro), e, uma vez assentado, é difícil de ser tratado.
Novo medicamento contra vício em maconha
Os pesquisadores, então, focaram em tratar os caminhos cerebrais do receptor canabinoide 1 (CB1), encontrado em células nervosas e importante para a regulação do humor, apetite e sono. Ele é um dos dois sítios de ligação da substância psicoativa da cannabis, a delta-9-tetrahidrocanabinol (THC).
Quando consumido, o THC superestimula o CB1, ativando diversos caminhos intracelulares, causando o “barato” da droga. Remédios que bloqueiam o CB1 completamente impedem a ligação do THC, mas também deixam as moléculas endocanabinoides, isto é, produzidas pelo próprio organismo, de fora — elas são naturais e importantes para nós.
Isso gera sintomas de abstinência, gerando efeitos adversos como ansiedade, depressão, problemas de sono e mudanças de peso e até mesmo ideações suicidas. O novo composto, no entanto — o AEF0117 — é um inibidor de sinal, bloqueando apenas o caminho responsável pelos efeitos psicoativos da cannabis, deixando os endocanabinoides do corpo livres para funcionar.
Em outras palavras, os pacientes podem fumar a substância, mas não sentem o mesmo "barato", e os cientistas acreditam que isso desmotive o consumo exagerado, permitindo retomar o controle do uso.
Testes em cães, ratos e camundongos não mostraram efeitos adversos ou toxicidade pelo uso do AEF0117, e então humanos entraram na jogada. Em relatos, os pacientes disseram ter uma queda de 19% dos efeitos positivos da maconha com 0,06 miligramas do remédio (em comparação com quem recebeu um placebo), e 38% com 1 mg. Isso de fato fez com que os consumidores não quisessem mais gastar tanto com a maconha “vendida” no laboratório, e o melhor, sem sintomas de abstinência.
Foram estudados apenas 29 voluntários, mas testes com 300 pacientes em diversas clínicas estadunidenses já estão sendo feitos, com resultados esperados para 2024. O plano é lançar o medicamento no mercado entre 2027 e 2028, o que deve ajudar bastante usuários com problemas de excesso de uso.
Nos EUA, e em diversos outros países, o distúrbio costuma ser tratado com terapia cognitivo-comportamental ou de melhoria motivacional, o que não é tão acessível. Um medicamento como esse seria uma opção mais fácil de se administrar e mais eficiente, embora uma aliança dele com a terapia seja provavelmente a melhor opção. Segundo os cientistas, o remédio poderia ajudar tanto quem quer parar de usar a droga completamente como quem planeja apenas reduzir seu consumo.
Fonte: Nature Medicine, Scientific American