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Pesquisa brasileira desenvolve produção de fígados em laboratório

Por| 25 de Fevereiro de 2021 às 15h30

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Testalizeme/ Unsplash
Testalizeme/ Unsplash

Para transplantar um órgão, pacientes podem ter que aguardar um tempo, muitas vezes considerado fatal, na fila de espera, já que existe tanto o número baixo de doações quanto a dificuldade de encontrar um doador compatível. Pensando nessas questões, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu uma técnica inédita para a reconstrução e produção de fígados em laboratório.     

Por enquanto, a prova de conceito (PoC) da técnica para produção de órgãos foi realizada com um fígado de rato pela equipe do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL), do Instituto de Biociências (IB-USP). Em outras palavras, os pesquisadores já demonstraram a eficácia da técnica nos roedores. Além disso, o órgão do animal foi "editado" com células do fígado humano.  

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Futuro: produção de fígados humanos

Agora, o próximo desafio será adaptar essas estratégias para, no futuro, produzir fígados humanos aptos para o transplante. “A ideia é produzir fígados humanos em laboratório com o intuito de diminuir a espera por doadores compatíveis e os riscos de rejeição do órgão transplantado”, explica Luiz Carlos de Caires Júnior, pesquisador e primeiro autor do estudo.

O objetivo é que essa produção possa ser sob demanda, de acordo com as características do paciente que precisa ser transplantado e que existam algo como fazendas para a produção desses órgãos, se possível, de rápida entrega. Para chegarmos a esse futuro, antes, os pesquisadores brasileiros adotam e complementam técnicas de bioengenharia de tecidos desenvolvidas nos últimos anos, chamadas descelularização —  técnica para remover células de um órgão ou tecido, deixando apenas o "esqueleto" —  e recelularização — método para a introdução de novas células. 

Como desenvolver um fígado em laboratório?

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A técnica apresentada pelos pesquisadores da USP consiste em levar, por uma série de vezes, o órgão de um doador falecido — no caso específico, o fígado doado —  com soluções detergentes ou com enzimas. O objetivo dessa etapa de limpeza é retirar todas as células do tecido até restar apenas a matriz extracelular, ou seja, a estrutura e o formato original do órgão.

Depois, essa matriz extracelular será reconstruída com alguns tipos de células derivadas do paciente receptor. Assim, deve-se evitar o risco de reações imunológicas e diminuir o risco de rejeição em longo prazo do órgão transplantado. “É como se o receptor recebesse um fígado recauchutado, que não seria rejeitado porque foi reconstituído usando suas próprias células. Ele não precisaria nem tomar imunossupressores”, comenta Mayana Zatz, coordenadora do CEGH-CEL e coautora do estudo.

Segundo os pesquisadores, essas mesmas técnicas tornam possível a reconstrução de órgãos considerados limítrofes, ou seja, aquelas doações que estão no limite dos critérios de seleção para um transplante. “Muitos órgãos disponíveis para o transplante não são aproveitáveis porque são provenientes de pessoas que sofreram acidentes de trânsito. Por meio dessas técnicas é possível recuperar esses órgãos, dependendo de sua condição”, afirma o pesquisador. Entre esses órgãos, estão: o pulmão; o coração; e a pele.

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Update no "esqueleto" do órgão

Nesse processo de descelularização (limpeza), são removidos os principais componentes do órgão, como moléculas que direcionam as células do corpo para formar vasos, por exemplo. De forma geral, isso dificulta a recelularização (reconstrução) do tecido e diminui a capacidade de novas células aderirem ao "esqueleto" do órgão original. Em outras palavras, dificulta bastante a sua reutilização e, por isso, foi necessário pensar em novos procedimentos. 

Após "limparem" o fígado do roedor, os pesquisadores injetaram uma solução rica em moléculas, produzidas por células hepáticas cultivadas em laboratório. Com essas novas proteínas, as células do fígado aprendem que devem se proliferar e formar vasos sanguíneos, o que será fundamental para o seu bom funcionamento, como um fígado humano. “O enriquecimento da matriz extracelular [o órgão descelularizado] com essas moléculas permite que ela se torne muito mais parecida com a de um fígado saudável”, explica Caires.

Essas células foram produzidas a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS). Em outras palavras, os pesquisadores reprogramaram células adultas —  provenientes da pele ou de outro tecido de fácil acesso — para deixá-las em estágio de semelhante ao de células-tronco embrionárias. “O trabalho mostrou que é possível induzir a diferenciação de células-tronco humanas em linhagens de células que fazem parte de um fígado e usá-las para reconstruir o órgão de modo que seja funcional. É a primeira prova de conceito de que a técnica funciona”, comenta Zatz.

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Por fim, o órgão cresceu durante cinco semanas em uma incubadora que simula as condições do corpo humano. “As células hepáticas crescem e funcionam melhor por meio desse tratamento. Pretendemos, agora, construir um biorreator para fazer a descelularização de um fígado humano e avaliar a possibilidade de produzi-lo em laboratório e em escala”, completa Caires.

Outras pesquisas para fabricação de órgãos

Além dessa pesquisa, o Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco está envolvido em outros projetos para a fabricação ou reconstrução de órgãos para transplante. Em parceria com a farmacêutica EMS, um grupo de cientistas busca modificar órgãos de porcos, como o rim, coração e pele, para transplantá-los em humanos. Para isso, também investem em técnicas de descelularização e recelularização, além do uso de impressoras 3D.

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Os resultados do estudo da USP, apoiado pela FAPESP, foram publicados na revista científica Materials Science and Engineering: C e pode ser acessado aqui.

Fonte: Agência Fapesp