Como um peixe de aquário pode ajudar na luta contra a COVID-19?
Por Fidel Forato | 30 de Novembro de 2020 às 14h20
Pode parecer curioso, mas pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) investigam as possibilidades do zebrafish, também conhecido como peixe paulistinha, ajudar no estudo de vacinas contra a COVID-19. Por trás da iniciativa, a ideia é que o peixe seja uma cobaia para se verificar a segurança de imunizantes contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2). Inclusive, está no radar de testes com a vacina de Oxford.
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Segundo o preprint — estudo ainda não revisado — publicado na plataforma BioRxiv, a alternativa desta cobaia é viável, já que o peixe paulistinha pode produzir anticorpos após receber a dose de uma vacina. Para comprovar o palpite, os próprios pesquisadores desenvolveram um imunizante específico para a testagem, que continha a proteína espinhosa (ou espícula) da membrana do coronavírus.
Vale ressaltar que o uso da proteína para desencadear a imunidade é a mesma estratégia adotada pela maioria das vacinas em testes contra a COVID-19. Outra curiosidade do estudo é que o peixe apresentou reações semelhantes aos casos graves da doença em humanos, quando se avaliou a resposta imune contra o vírus.
Peixe paulistinha contra a COVID-19
A iniciativa é liderada pelo pesquisador Ives Charlie Silva, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e começou muito antes do aparecimento da COVID-19. Isso porque Silva trabalhava com o peixe paulistinha em estudos sobre a toxicidade de drogas anticâncer. “Aproveitamos nossa expertise com o zebrafish para tentar desenvolver algo para a população. Então, o laboratório mudou um pouco o foco para estudar a COVID-19”, comenta o pós-doutorando ao Jornal da USP.
Agora, o objetivo principal foi avaliar a segurança de testes com vacinas contra a COVID-19, a partir de análises do sistema imunológico do peixe. “O objetivo é fazer testes no zebrafish para tentar produzir uma vacina que não seja prejudicial para o ser humano e que não vá causar uma resposta indesejada”, explica o pesquisador. Em outras palavras, a ideia é adotar o peixe como modelo para a previsão de reações adversas de eventuais imunizantes.
De acordo com o pesquisador, dessa forma, é possível melhorar o desenvolvimento de vacinas para que cheguem, em um estágio mais seguro, até o ser humano — com algumas validações iniciais. No entanto, não é novidade que esses testes pré-clínicos aconteçam em animais. Nesse sentido, camundongos e primatas são bastante usados em pesquisas.
Só que o pesquisador ressalta a importância que a eventual adoção do paulistinha nos testes de vacinas representaria. “Por ter apenas 5 centímetros, o peixe paulistinha diminui os custos, além de apresentar respostas mais rápidas e mais próximas ao ser humano”, exemplifica.
Peixes vacinados contra o coronavírus
Após a vacinação dos peixes paulistinhas, os pesquisadores observaram que o animal desenvolveu imunidade humoral, ou seja, produziu anticorpos em um período que variou de sete até 14 dias. Além da produção de anticorpos — um importante indicador de imunidade —, foram observadas reações adversas, sendo que algumas foram bastante parecidas com sintomas apresentados por pessoas que tiveram casos graves da COVID-19.
“Observamos trombose, lesão renal, e até alguns animais morreram. Além disso, houve aumento das células inflamatórias e efeitos neurológicos”, detalha o pesquisador da USP. Para analisar os efeitos adversos, foram observados os órgãos do peixinho através de análises histológicas, ou seja, dos tecidos, em microscópio.
Agora, o grupo de cientistas testará a vacina de Oxford, desenvolvida em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, em modelos de peixe paulistinha a partir de uma parceria colaborativa com o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Para acessar o preprint, disponibilizado na plataforma BioRxiv, clique aqui.
Fonte: Jornal da USP