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Inovação suína: da doação de órgãos para humanos ao bacon de laboratório

Por| 12 de Dezembro de 2019 às 15h30

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Inovação suína: da doação de órgãos para humanos ao bacon de laboratório
Inovação suína: da doação de órgãos para humanos ao bacon de laboratório

Existem algumas questões que afetam, de maneira semelhante, o mundo todo — seja em países desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. É o caso do alto custo para a produção de carne, que impede muitas pessoas (não vegetarianas/veganas) de se alimentarem dessa importante fonte de proteína. E é também o caso da falta de órgãos disponíveis para transplantes. Isso porque, geralmente, um doador humano precisar vir a óbito e ter órgãos em boas condições para doá-los e salvar outras vidas.

Diante desses problemas, a ciência e as pesquisas no campo da biogenética têm avançado muito, permitindo que sejam desenvolvidas desde biofoundries — fábricas biológicas que podem produzir alimentos, como primeiro o bacon suíno cultivado — até a criação de porcos editados geneticamente com o método CRISPR para a doação de órgãos. 

Conheça os antecedentes

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Para entender o problema dos transplantes, só nos Estados Unidos, 7.300 pacientes morrem a cada ano por não conseguirem encontrar um doador correspondente de órgãos. Na tentativa de resolver essa questão, durante muitos anos os cirurgiões procuram uma outra fonte de órgãos e, a princípio, olharam para os macacos, por serem uma das espécies mais semelhantes ao homem. 

Inclusive, no ano de 1984, um bebê, conhecido por Baby Fae, recebeu o transplante de um coração primata, mas faleceu 20 dias depois, vítima de um ataque do seu próprio sistema imunológico ao órgão transplantado, que foi rejeitado. O caso comoveu a comunidade internacional, levantado uma série de questões éticas, inclusive questionando a escolha dos macacos como “doadores”.

Já na década de 1990, pesquisadores e empresas de biotecnologia mudaram seu foco e se voltaram para os porcos, como doadores universais. Uma das alegações, na época, era de que a espécie já estava presente na alimentação diária de milhões de pessoas, o que faria dessa escolha moralmente menos questionável. 

Na questão científica, os órgãos do porcos têm aproximadamente o tamanho certo, com anatomia semelhante à humana. Além disso, esses animais atingem a idade adulta em cerca de seis meses, muito mais rápido que os primatas. 

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No entanto, a escolha trazia um novo problema: os porcos abrigam vírus que podem levar indivíduos à morte. Ainda mais nos anos 90, quando a engenharia genética disponível era muito menos sofisticada. No início, os órgãos transplantados não foram bem-sucedidos em testes com macacos receptores.

Mais de duas décadas depois, em 2019, os avanços da engenharia genética possibilitaram novos caminhos para os xenotransplantes, como são conhecidos os transplantes de um órgão, tecidos ou células de um animal para outro, em espécies diferentes.

Desenvolvendo porcos para doação de órgãos

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Em uma fazenda na Baviera, pesquisadores alemães estão usando edição de genes, com o método CRISPR, para criação de porcos que devem fornecer, um dia, órgãos para transplantes. No espaço, que atualmente mais se parece com um grande laboratório perdido na zona rural, vivem cerca de 120 porcos adultos e 150 leitões com genes editados.

Os animais da fazenda, que é uma das poucas do gênero no mundo, são praticamente iguais aos porcos comuns, se não fossem pelo tamanho um pouco menor e por suas modificações genéticas, que tornam seus órgãos mais propensos a serem aceitos quando transplantados em humanos, principalmente seus corações.

Em 2018, os corações dos porcos do centro de pesquisas alemão foram transplantados para 14 babuínos. Dois dos macacos sobreviveram por seis meses — o maior tempo que um animal viveu com um coração de outra espécie, como relatado em artigo na revista Nature, em dezembro do ano passado.

No meio do estudo com os primatas, os cientistas notaram que os corações “colhidos” em porcos mais jovens, que em tese eram pequenos o suficiente para babuínos, continuaram a crescer, como se precisassem bombear sangue suficiente para manter vivos os 200 kg que, aproximadamente, um porco pesa. Esse crescimento excessivo do coração, como descrito no artigo, pressionou os outros órgãos e, em casos extremos, causaram a morte do animal transplantado.

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Para solucionar a questão, os pesquisadores alemães precisaram desativar o gene responsável pelo crescimento dos animais, com o método CRISPR, deixando esses porcos com menos da metade do peso de um porco comum, que equivale a cerca de 80 kg.

Em humanos, o primeiro ensaio clínico de xenotransplante deve ser realizado em bebês nascidos com malformações cardíacas congênitas — condição na maioria das vezes fatal. Nesses casos extremos, um coração de porco poderia servir, como era esperado no caso Baby Fae, até que encontrassem um coração humano compatível. Para isso, a equipe de Munique está em busca de financiamento para concluir seus testes, que é manter babuínos vivos por um ano inteiro com o coração transplantado de porcos. A partir de então, testarão as descobertas em humanos.

Mais pesquisas no mundo

Diferentes tipos de tecidos de porcos, geneticamente modificados, estão sendo testados, em paralelo, no mundo todo para transplantes em seres humanos. Na China, os pesquisadores transplantaram células pancreáticas - as responsáveis pela produção de insulina - de porcos editados em genes para pacientes com diabetes. Já uma equipe de pesquisadores sul-coreanos afirma estar pronta para transplantar córneas de porcos em humanos, mas aguardam ainda a aprovação do governo para o procedimento experimental. 

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Enquanto isso, em um hospital de Massachusetts, nos Estados Unidos, cientistas anunciaram, em outubro, que aproveitaram com sucesso a pele de porco, editada geneticamente, como cobertura temporária para a cicatrização de feridas em uma pessoa que sofreu queimaduras graves.

Mas quando se trata de órgãos de vida ou morte, como corações e fígados, os cirurgiões de transplante ainda precisam confiar em partes humanas. Um dia, esperam que porcos geneticamente modificados possam ajudar a salvar vidas de pacientes à beira da morte.

O bacon holandês de laboratório

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Se novos caminhos para a doação de órgãos deficitária estão sendo construídos com a biotecnologia, o mesmo acontece com a cadeia alimentar e, aparentemente, nenhum setor escapará desse rolo compressor tecnológico. Na mira dos pesquisadores, está o cultivo e o abate de animais inteiros para alimentação. Desenvolvendo biofoundries, a startup holandesa Meatable têm questionado essa tradição e desenvolvido pela primeira vez carne de porco nessas condições, no mundo. 

Diferente da carne de origem vegetal, essa aqui é feita a partir de células animais e é biologicamente igual à carne proveniente de um animal. Primeiro, é feita a colheita de células musculares de um animal e, em seguida, essas células são alimentadas com uma mistura de nutrientes e fatores de crescimento naturais para que se multipliquem, se diferenciem e depois cresçam para formar tecido muscular — da mesma forma que o músculo cresce dentro dos animais.

Segundo essas empresas, criar um animal inteiro para o abate e comercializar somente partes selecionadas é um grande desperdício, afinal a indústria da pecuária precisa alimentá-los por um período muito grande tempo e, idealmente, dar um pouco de espaço para ele se movimentar. Com a criação dos animais de corte, a atividade da pecuária é responsável por cerca de 18% de todas as emissões de gases de efeito estufa, além de ocupar 70% das terras aráveis ​​do mundo e usar 46 por cento das culturas para a alimentação animal. 

Apresentando soluções, a Meatable licenciou uma tecnologia própria com células-tronco, chamada de OPTi-OX. Nesse processo, a startup é capaz de produzir lotes inteiros de células consistentes, homogêneos e rápidos, sem antibióticos e com níveis de gordura e colesterol controlados — em outras palavras, uma bisteca suína ou uma deliciosa fatia de bacon, em questão de semanas. 

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Como uma necessidade infinitamente menor de espaço físico, a velocidade é a maior vantagem da holandesa, quando comparada com as outras 40 empresas no setor de carnes cultivadas. Além disso, a Meatable é a primeira e única empresa no mundo a desenvolver carne cultivada de suínos. No entanto, a tecnologia para a produção em larga escala ainda não existe. 

Mesmo que fosse possível, antes de entrar de vez no mercado global, essas empresas de carne cultivadas precisarão investir pesado em marketing. Só assim garantirão que os consumidores, ao menos, queiram conhecer seus produtos, que diferentemente dos órgãos transplantados, não são essenciais a vida humana.

Fonte: MIT Technology Review e SingularityHub