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Estresse pós-traumático ligado a COVID-19 preocupa especialistas

Por  • Editado por Jones Oliveira | 

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Anh Nguyen /Unsplash
Anh Nguyen /Unsplash

A pandemia COVID-19 teve efeitos negativos sobre o bem-estar mental de muita gente, com um declínio na saúde mental que já não é exatamente uma novidade aos especialistas da área. Aqui no Canaltech, chegamos até a fazer um especial de duas partes (parte 1; parte 2) sobre os impactos da pandemia nesse aspecto. No entanto, recentemente, um estudo descobriu que cerca de 18% das pessoas infectadas com o vírus passaram a ser diagnosticadas com um transtorno de estresse pós-traumático.

Publicado na revista científica Molecular Psychiatry, esse estudo indicou que o transtorno de estresse pós-traumático pode ser um grande problema de saúde mental na esteira de pandemias como esta, com a prevalência de 22,6%. Segundo os próprios autores, as descobertas indicam que o transtorno pós-traumático que virá com o encerrar da pandemia é uma preocupação significativa de saúde pública, e para lidar com tudo isso é necessário monitoramento apropriado, apoio social e acompanhamento de longo prazo.

Os pesquisadores realizaram uma metanálise sobre o desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático após casos de epidemias ou pandemias, como síndrome respiratória aguda grave (SARS), H1N1 (gripe suína), Poliomielite, Ebola, Zika, e é claro, a COVID-19. Eles analisaram a prevalência e os fatores de risco para esse transtorno pós-pandêmico.

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Para isso, detectaram o transtorno em profissionais de saúde, pacientes infectados e no público em geral. Seis meses após uma pandemia, a prevalência em profissionais de saúde era de 28,6% e, depois ,10%. No entanto, isso foi ainda maior nos trabalhadores da linha de frente, que tiveram uma prevalência de 30,8% em comparação com 8,2% para os demais trabalhadores.

O estudo também revelou grupos de risco para o transtorno de estresse pós-traumático após uma pandemia: indivíduos de baixa renda, jovens, mulheres, residentes em grandes cidades, usuários de tabaco e pessoas com menor grau de escolaridade. 

O que é estresse pós-traumático?

A equipe do Canaltech procurou especialistas da psiquiatria para entender como se dá esse transtorno na prática. Dr. Henrique Bottura, psiquiatra diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que o estresse pós traumático é um quadro que acomete pessoas que passaram por uma situação impactante, de risco à própria vida.

Basicamente, segundo o especialista, é um quadro em que, após esse evento, a pessoa passa a ter reações de revivência, que podem acontecer tanto durante a noite quanto durante o dia. "A pessoa passa a ter essas reações de sofrimento emocional em função das revivências do trauma. Os aspectos mais importantes do transtorno são essas revivências intrusivas, angustiantes e involuntárias do evento traumático".

Enquanto isso, o Dr. Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP, membro da Associação Americana de Psiquiatria (APA), esclarece que o transtorno de estresse pós-traumático pode vir à tona até três meses após o evento, mas também há situações mais atípicas, onde um ano após o evento o transtorno começa a se desenvolver.

Sintomas

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Dentre os principais sintomas que levam ao diagnóstico, Scocca destaca uma espécie de repetição da vivência como um todo, com coração disparado, medo, vontade de evitar sair de casa, muita ansiedade, taquicardia, transpiração excessiva, falta de ar. "Todos os sintomas ansiosos que os seres humanos possuem se devem a esse mecanismo de autodefesa que é o reflexo de luta e fuga. Ele, até certo ponto, nos protege, mas traz um efeito colateral consigo quando é estimulado num nível exacerbado, como acontece no transtorno do estresse pós-traumático, e é por isso que acabamos revivendo", explica o especialista.

Para o psiquiatra, essas coisas ficam registradas em nossa memória para nos proteger de eventos futuros. É um mecanismo biológico, só que não é bom. "Na medida que está nesse universo de sistemas orgânicos cerebrais, nas várias partes do cérebro onde ele é registrado, acaba causando isso. De vez em quando a gente lembra deles e experimenta a vivência do medo", observa.

O médico também ressalta que os pacientes com esse quadro evitam tudo aquilo que possa lembrar do evento, o que pode ser muito limitador para a vida. "Às vezes evitam pessoas envolvidas no evento traumático, atividades, lugares, situações. Então muita gente para de dirigir, ir à praia, por exemplo. As pessoas também podem evitar pensar a respeito do trauma, e isso é ruim, porque muitas vezes, para tratar o trauma, precisamos falar dele. Precisamos estimular a pessoa a dizer como se sente", acrescenta.

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Um outro sintoma importante ressaltado pelos especialistas é a mudança na reação da pessoa: alterações das respostas do dia-a-dia, considerando que os pacientes passam a ser mais irritáveis, ter respostas raivosas, carregadas de sentimentos negativos, comportamentos autodestrutivos, desconfianças, e por muitas vezes tendo os sintomas muito relacionados a depressão. Há, ainda, comprometimento cognitivo, como desconcentração e  insônia. Scocca ainda afirma que, para o caso ser classificado como um transtorno de estresse pós-traumático, essa série de sintomas deve se manter por mais de um mês.

Em contrapartida, o especialista levanta a possibilidade de um polo extremamente oposto: casos extremamente graves. "Realmente há pessoas que são vítimas de situações muito graves. Imagine, por exemplo, uma pessoa sujeita a um trauma sexual de longa duração, ou uma vítima de bullying", reflete, e menciona até mesmo a situação mais grave da psiquiatria, que é o suicídio. "Então realmente pode haver consequências muito mais sérias do estresse pós-traumático. Ele é extremamente perigoso".

Bottura compartilha de um ponto de vista semelhante: "O transtorno de estresse pós-traumático pode ser muito grave. A pessoa pode ficar bastante incapacitada. Então o maior prejuízo é o sofrimento emocional que leva à incapacitação e em alguns casos, até culminando no suicídio. Então é um quadro bem preocupante", afirma.

Tratamentos

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Os especialistas contam que o transtorno de estresse pós-traumático pode ser acompanhado por quadros depressivos, ansiosos. Ele em si é um quadro ansioso. Portanto, outras condições podem acontecer em comorbidade com ele. Com isso, surge a necessidade de tratar sintomaticamente, uma vez que esses sintomas estão atrapalhando a vida do paciente. "Na hora do diagnóstico é importante ver todas as doenças que podem ter acompanhado o estresse pós-traumático e tratar delas também, porque o transtorno em si exigirá um tratamento mais a longo prazo", diz Scocca.

O profissional ressalta que, quando os sintomas duram apenas um mês ou menos, o caso é tratado como um transtorno de adaptação, porque não se sabe se os sintomas vão limitar a longo prazo o paciente. "Às vezes ele passa espontaneamente, como num trabalho novo ou num falecimento de um animal de estimação. E claro que é proporcional ao que a pessoa sente. Num primeiro momento, podemos usar a medicação sintomática, então um ansiolítico [remédio para ansiedade] pode ser usado, muitas vezes um pequeno acesso psicoterapêutico pode ser suficiente para resolver esse período de até um mês, de adaptação", calcula o médico.

Segundo ele, entre adaptação e transtorno muito grave, há toda uma gama de manifestações, um espectro de sintomas e sinais possíveis que aquele paciente pode ter. Dito isso, dentre tratamentos, o principal é a terapia. "Temos uma excelente resposta com a terapia cognitiva comportamental, mas muitas vezes não é suficiente fazemos uma terapia prolongada, utilizando inclusive estratégias de exposição prolongada, numa tentativa de que a pessoa supere os medos, as evitações que ela então passou a desenvolver", explica o médico.

Mas quando a terapia não é suficiente, é necessária a associação de medicações. Scocca menciona que na psiquiatria costumam ser usados antidepressivos, antipsicóticos e outros medicamentos, mas que é preciso muito cuidado para que a pessoa não se torne dependente.

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Pandemia de COVID-19 e estresse pós-traumático 

No estudo que saiu na Molecular Psychiatry, a quarentena e o isolamento social por conta da pandemia foram considerados os principais fatores de risco para o transtorno de estresse pós-traumático e pós-pandêmico. Um alto risco de infecção e maior gravidade da doença também foram associados a um maior risco. Nos profissionais de saúde, turnos mais longos, baixa satisfação no trabalho e menos experiência foram fatores que aumentaram o risco do transtorno em questão.

Segundo os autores do estudo, a estratégia de saúde pública envolvendo resposta de saúde mental é necessária, especialmente após a pandemia, mesmo após o período de recuperação de longo prazo, e a detecção precoce deve ser implementada de forma abrangente e extensiva, especialmente para as populações vulneráveis.

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"A COVID-19 pode ser vivenciada como uma experiência traumática pelas pessoas. Na verdade, nem toda condição de saúde debilitante é considerada necessariamente um trauma, depende de como a situação decorre e evolui, mas é bem plausível que se cogite que a COVID-19 possa aumentar o número de quadros. Já atendi pessoas com vivências de muito medo", aponta Bottura.

"O transtorno do estresse-pós-traumático será um grande problema, e será alvo de muito mais estudo. Espero que haja investimento financeiro nessa área, seja pelas empresas, seja pelo governo. Tanto para o estudo e desenvolvimento da abordagem pós situações traumáticas coletivas. É uma situação mundial, então espero que seja possível ampliar o conhecimento e o fornecimento de tratamento", conclui Scocca.

Fonte: Com informações de  Molecular Psychiatry via IFL Science