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Estamos nos tornando mais neurodivergentes que neurotípicos?

Por| Editado por Luciana Zaramela | 02 de Fevereiro de 2023 às 09h00

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korneevamaha/envato
korneevamaha/envato

Estamos caminhando para uma humanidade mais neurodivergente que neurotípica? Essa é uma questão que tem conquistado espaço nos artigos acadêmicos e até mesmo na literatura, principalmente se considerarmos que, a cada dia, a população fica mais conscientizada acerca da importância de cuidar da saúde mental e prestar atenção aos sinais. Partindo justamente dessa premissa, um desses debates é se a nova geração depende de diagnósticos psiquiátricos para viver.

Primeiramente, vale explicar a definição do termo neurodivergente. Cada vez mais popular, essa palavra significa que uma pessoa teve alguns aspectos do seu desenvolvimento neurológico seguindo uma linha que difere do que é considerado padrão na sociedade. Dentre os diagnósticos, encaixam-se neurodivergências e transtornos psiquiátricos. Como alguns exemplos, estão o transtorno do espectro autista (TEA), transtorno bipolar, esquizofrenia, altas habilidades, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), superdotação, entre outros.

Para Ricardo Zalcberg Angulo (19), autor de O Fardo da Lucidez — romance que revela a trajetória de uma professora diagnosticada com esquizofrenia e classificada como inapta à convivência social, em paralelo com a de um psiquiatra que passa a olhar os pacientes além dos transtornos e doenças — a identificação com o diagnóstico psiquiátrico é parte constitutiva da identidade do jovem atual.

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O escritor reflete que, embora sua geração tenha mais acesso a tratamentos psiquiátricos e informações sobre o tema, não é levada a pensar acerca dos diagnósticos e da sentença que estes podem representar ao ser humano. Segundo Angulo, quando o indivíduo se identifica com o transtorno a ele atribuído, cria-se uma conformidade e não há superação de uma parte tida como indissociável.

Com isso em mente, o autor propõe que, para uma geração em que os transtornos psiquiátricos constituem suas identidades, debater o impacto das classificações se torna uma discussão de primeira importância.

“Não se utiliza mais da medicina a fim de, unicamente, compreender e descrever a realidade, mas justificá-la. Não é incomum se ouvir justificar uma conduta por um laudo psiquiátrico. Eu mesmo busquei me conhecer por essa ótica até enxergar o limite dessas descrições; e como o diagnóstico não esgotava a minha compreensão. O jovem pode acabar por se enquadrar em uma simplificação para se enxergar como um todo”, afirma o universitário.

Segundo o autor, isso pode ser prejudicial e limitante na medida que a humanidade tende a extrapolar esses laços, uma vez que a condição do indivíduo enquanto ser humano é demasiada abstrata e complexa para os diagnósticos. “Por mais positivo que seja o crescente acesso do jovem ao atendimento psicológico e psiquiátrico, não são levados a refletir sobre as possíveis limitações dessa forma de se enxergar o mundo e da sentença que estas podem condenar o ser humano”, opina.

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O escritor ainda completa que a medicina é uma ferramenta; e não se pode deixar a ferramenta dominar quem a criou. “Se estamos caminhando para uma humanidade mais neurodivergente do que neurotípica eu não tenho as competências para responder, mas vejo que o componente histórico de se utilizar certos padrões e características para entender o humano existe e provavelmente será influente na criação de novas ferramentas”, propõe.

Humanidade mais neurodivergente?

Dr. Henrique Bottura — psiquiatra, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do Hospital das Clínicas de São Paulo — afirma que, seguramente, hoje se chega muito mais ao psiquiatra do que se chegava no passado.

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O especialista menciona um livro chamado A Praga Invisível, que faz um estudo estatístico sobre a história da psiquiatria e os diagnósticos desde séculos passados até mais recentemente, em que se observa um aumento dos quadros psiquiátricos.

“Antes, era uma coisa muito rara, e foi se tornando mais frequente. No entanto, a gente está em um momento do mundo muito diferente, em que mudanças agudas aconteceram no sistema de vida da humanidade, e a gente percebe que quadros como ansiedade e depressão têm sido muito mais frequentes do que costumavam ser”, reflete o psiquiatra.

Segundo ele, é muito provável que haja um aumento na incidência/na prevalência desses quadros no mundo atual. Mas também é preciso levantar o olhar para a questão da queda do estigma. “Antigamente, existia muito estigma. Hoje as pessoas procuram ajuda mais rapidamente, existe muito mais informação disponível para que as pessoas identifiquem os quadros que têm”, disserta.

Bottura reitera que, normalmente, quando a pessoa recebe um diagnóstico, já vem de uma longa caminhada de um não entendimento do que está se passando: “A pessoa convive com a depressão e com a ansiedade há muito tempo e, quando tem um diagnóstico, é até um alívio, porque ela começou a encontrar um caminho para algo que não parecia ter solução.”

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Por fim, o psiquiatra recomenda que, dependendo do nível de gravidade, a pessoa vai precisar de um suporte familiar. “A família sempre tem que proteger e favorecer para que os tratamentos aconteçam”, pontua.