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Doutor Estranho | Magia e saberes de Kamar-Taj podem ser estudados pela ciência?

Por| Editado por Luciana Zaramela | 29 de Junho de 2022 às 17h30

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Marvel Studios
Marvel Studios

Após ganhar o novo capítulo Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, a saga do herói Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) está ainda mais conectada com magia, bruxaria e misticismo. Apesar da evolução do personagem, inicialmente, ele era um neurocirurgião renomado e convicto seguidor da ciência moderna. Mesmo distantes, aquilo que é chamado de ocultismo, pode se integrar ao universo científico, desde que seja devidamente comprovado, através de evidências. Hoje, esta não é regra.

Para entender o caminho que um saber ancestral — seja ele a magia de Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) ou os conhecimentos de Kamar-Taj — deve percorrer até ser entendido como ciência, o Canaltech conversou com o médico José Alencar, cardiologista, pesquisador e autor do Manual de Medicina Baseada em Evidências — que ensina médicos e leigos a interpretar evidências científicas.

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Bruxaria e misticismo em Doutor Estranho

[Alerta para alguns spoilers sobre o novo filme]

No Multiverso da Loucura, Wanda — também conhecida como a Feiticeira Escarlate — quer roubar os poderes da jovem America Chavez (Xochitl Gomez) e usa de sua magia para conjurar demônios e monstros. Definitivamente, este é um tópico que, muito provavelmente, jamais será comprovado por métodos científicos. Só que, em sua busca pela garota, Wanda utiliza sua poderosa mente para controlar e induzir a ação de guerreiros e também pratica possessão. Em tese, os dois últimos poderes poderiam ser testados.

Jornada do médico ao mago

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Voltando alguns filmes no Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês), o primeiro longa solo do Doutor Estranho também é permeado pelo ocultismo. O neurocirurgião tinha uma carreira de sucesso na área da médica e, em parceria com Christine Palmer (Rachel McAdams), desenvolveu um novo tipo de laminectomia — esta é uma cirurgia feita para aliviar a pressão da medula espinhal.

No entanto, tudo muda após um acidente de carro, onde múltiplos ligamentos são rompidos e danos severos aos nervos de suas mãos são identificados. Stephen tentou aquilo que a ciência tinha de mais moderno, incluindo procedimentos experimentais e sessões de fisioterapia, mas não obteve resultados.

Eis que conhece o relato de caso de um paciente — um único paciente e isto é quase insignificante para a ciência — que se recuperou completamente, após ter sofrido um acidente ainda mais grave e perder a capacidade de andar. A cura daquele acidentado só foi possível após uma viagem ao Nepal. Mais especificamente, à Kamar-Taj, onde magos ensinam que a elevação da mente e do espírito podem controlar o corpo, mesmo que ele esteja adoecido.

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Inclusive, antes de começar sua jornada pelo universo da magia e das artes místicas, Doutor Estranho recebe o seguinte conselho: "Esqueça tudo o que achava conhecer". A partir daí, o personagem começa a empregar estudos e práticas — sem qualquer tipo de comprovação científica — para tomar o controle de seu espírito e, com isso, se recuperar.

Como transformar um saber ancestral em ciência?

Sim, nós sabemos que o personagem, criado pelo desenhista Steve Ditko e pelo roteirista Stan Lee, é ficção. Apesar disso, seria possível, sim, desenhar um estudo clínico que buscasse comprovar a hipótese de que o espírito pode controlar o corpo e, com isso, pessoas com paralisia poderiam voltar a andar. A questão é que, muito provavelmente, os resultados devem apontar para a ineficácia da estratégia.

"A metodologia científica é capaz de avaliar resultados concretos. Então, se o resultado esperado pelo paciente ao procurar um tratamento for concreto e observável por outro ser humano, também pode ser observado pela ciência", explica escritor e médico José Alencar.

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No caso do Doutor Estranho, "o resultado que ele esperava da sua terapia era a cura do seu problema de movimento com as mãos, algo que seria facilmente observado por outro ser humano e, consequentemente, também facilmente observável pela ciência. Mesmo que o caminho para que se atinja esse resultado não seja conhecido, o resultado, se existir, estará lá, na minha frente e também na frente do pesquisador", acrescenta Alencar.

Desenhando um estudo clínico para testar as técnicas de Kamar-Taj

Para testar se o que é ensinado em Kamar-Taj pode curar pessoas com problemas de movimento, como o Doutor Estranho, Alencar desenha o que poderia ser um estudo científico. A base da pesquisa consiste em comprar os resultados dos voluntários que passaram pela terapia proposta e os daqueles que não passaram pela intervenção.

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Neste caso, os pesquisadores ainda precisariam implementar alguns outros conceitos, como randomização dos participantes, cegamento, alocação e placebo. Com isso, o valor científico das possíveis descobertas pode ser elevado. No entanto, a principal questão é que "o desfecho estudado precisa ser facilmente mensurável, objetivo e específico", ressalta o médico.

Para definir a cura e melhora dos movimentos das mãos, os cientistas poderão implementar o uso de um dinamômetro, o que permitiria medir a força dos indivíduos. Ou ainda poderia ser avaliada, em laboratório, a habilidade de realizar finos movimentos com as mãos pelos pacientes recrutados.

Outro tópico importante é que a terapia deve, obrigatoriamente, ser testada em grupos que passaram ou não pela intervenção. "Isso porque, com o passar do tempo, alguém pode naturalmente recuperar movimentos — mesmo que minimamente — e voltar a trabalhar. Seria um 'curado' natural", explica Alencar.

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Via de regra, qualquer doença tem um número estimado de pessoas que melhoram seus sintomas ou até se curam espontaneamente. "Sem comparação justa com outro grupo, não dá para saber se sua cura foi simplesmente pela história natural da doença. Isso vale desde sinusites até infartos agudos", acrescenta o médico.

Vale explicar que, em um estudo do tipo, não deve ser considerado como curado aquele indivíduo que se sente curado espiritualmente, mas não apresentou nenhuma melhora concreta. Em outras palavras, é um caminho bastante longo comprovar o método de Kamar-Taj e, até hoje, nenhuma dessas técnicas de elevação espiritual conseguiram comprovar sua eficácia.

Sem provas, esses saberes são charlatanismo

"A metodologia científica séria e rigorosa é a única maneira pela qual conseguiremos quantificar resultados concretos para, a partir daí, elaborar estratégias corretas de intervenção a qualquer problema", afirma Alencar.

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"Enquanto negarmos o rigor científico, a sociedade como um todo estará à mercê de charlatanismo — e suas falácias — e um passo mais longe do que todos nós queremos: um mundo realmente melhor e mais saudável", pontua sobre as fake news e tratamentos absurdos, que se aproveitam da ignorância científica da população.

Apesar da existência de possíveis estudos, "seguidores dessas práticas [como ocultismo e obscurantismo] costumam argumentar que a ciência 'ocidental' ou 'tradicional' não é capaz de explicar os fenômenos alternativos e que não há uma só verdade", conta o médico.

"Eu concordo, mas a ciência tradicional não precisa explicar o fenômeno, precisa apenas quantificar seu resultado concreto e isso, como falei, é algo corriqueiro", reforça sobre aquilo que falta a maioria dessas práticas, sem qualquer comprovação científica.