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Como o coronavírus pode invadir e afetar o cérebro humano?

Por  • Editado por Luciana Zaramela | 

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Raman Oza/Pixabay
Raman Oza/Pixabay

Passado um ano do início da pandemia da COVID-19, os cientistas ainda investigam os efeitos do coronavírus SARS-CoV-2 no organismo humano, principalmente no cérebro. Aparentemente, os efeitos da infecção no sistema nervoso podem afetar até mesmo os indivíduos que tiveram casos leves e, em situações mais graves, deixam sequelas.

“A COVID-19 foi, inicialmente, descrita como uma infecção viral do trato respiratório, mas rapidamente fomos aprendendo que o cérebro é um dos vários órgãos afetados. Mas alguns aspectos da doença ainda permanecem obscuros. O impacto no cérebro não está completamente entendido. É muito importante estimular a troca de conhecimento e de experiências entre pesquisadores de todo o mundo”, defendeu o diretor científico da FAPESP, Luiz Eugênio Mello, durante o seminário virtual What does COVID-19 have to do with the brain?.

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Como o coronavírus chega ao cérebro?

Conduzido pela Charité Medicine University Berlin, na Alemanha, um estudo observou que o coronavírus utiliza a mucosa olfatória como porta de entrada para o cérebro. “Isso se dá devido à proximidade anatômica entre as células da mucosa, os vasos sanguíneos e as células nervosas na área. Uma vez instalado na mucosa olfatória, o vírus parece usar conexões neuroanatômicas, como o nervo olfatório, para chegar até o cérebro”, explicou a pesquisadora Helena Radbruch.

Para entender esse esquema, a equipe da pesquisadora analisou amostras da mucosa olfatória e de outras quatro regiões do cérebro de 33 pacientes que tiveram a forma grave da COVID-19 e que faleceram em decorrência da doença. Em paralelo, outros 180 pacientes foram acompanhados meses após a recuperação de um quaro grave.

“A boa notícia, sobretudo para quem teve COVID-19, é que o vírus não permanece por muito tempo no cérebro. Verificamos que somente em alguns pacientes o SARS-CoV-2 atinge esse órgão e, três semanas após a fase aguda, ele já não está mais lá”, afirmou Radbruch. No entanto, em alguns destes casos, os pesquisadores encontraram danos no tecido nervoso causados por acidente vascular cerebral (AVC), ou seja, resultados de uma obstrução de vasos sanguíneos.

Mais portas de entrada no cérebro

No Brasil, pesquisadores do Instituto D’Or e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entenderam que, além da mucosa olfatória, existem outras formas do coronavírus atingir o cérebro. Uma delas ocorre conforme a doença vai progredindo para diferentes órgãos e a inflamação sistêmica a torna ainda mais grave, o que facilitaria a entrada do agente infeccioso no sistema nervoso.

“Infelizmente, identificamos em uma autópsia uma infecção viral grave no plexo coroide, uma estrutura do sistema nervoso central protegida pela barreira hematoencefálica [estrutura que barra ou dificulta a entrada de substâncias no cérebro, vindas do sangue]. Essa região do cérebro concentra grandes quantidades de ACE2, que é a proteína à qual o vírus se conecta para invadir o organismo, também encontrada em abundância nos pulmões”, comentou Marilia Zaluar Guimarães, pesquisadora da UFRJ e do Instituto D’Or.

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Com a descoberta de que o coronavírus é capaz de romper a barreira hematoencefálica e que poderia se infiltrar em regiões do cérebro, a equipe iniciou estudos em organoides — modelos simplificados de órgãos produzidos em laboratório, através da engenharia genética —, no caso, minicérebros.

“É um modelo simplificado do cérebro humano, mas com uma variedade celular que permite acompanhar o funcionamento da infecção causada pelo novo coronavírus", explicou Guimarães. No experimento, foi possível observar uma concentração de citocinas, ou seja, moléculas inflamatórias e que podem agravar o quadro da doença. Além disso, "conseguimos provar que, embora o SARS-CoV-2 provoque dano no cérebro, ele não consegue se replicar lá", afirmou.

No entanto, a pesquisadora comentou que, em estudos semelhantes, mas com quantidades maiores de vírus para infectar os minicérebros, observou-se replicação viral. Segundo a cientista, isso ajudaria a entender a variação de gravidade, sintomas e sequelas neurológicas deixados pela COVID-19.

Permanência do coronavírus no sistema nervoso

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No evento, também foi apresentado um estudo realizado por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP). Para entender a gravidade da chegada do coronavírus no sistema nervoso, a equipe acompanhou 81 indivíduos que testaram positivo para a COVID-19, mas não precisaram ser hospitalizados.

Passados 50 dias do diagnóstico da infecção, os voluntários continuavam a apresentar alterações na estrutura do córtex cerebral associadas a regiões do trato olfatório. Em consequência, 28% desenvolveram algum grau de ansiedade, 20% de depressão, 28% tiveram perda de memória e 34% relataram perda de funções cognitivas.

“Já se tinha conhecimento sobre sintomas neurológicos, como perda de olfato e paladar. Com os nossos estudos, conseguimos mostrar, pela primeira vez, que o vírus infecta e se replica nos astrócitos – as células mais numerosas do sistema nervoso central e essenciais para a manutenção dos neurônios”, comentou o professor do Instituto de Biologia da Unicamp, Marcelo Mori.

O evento, que reuniu cientistas do Brasil e da Alemanha, é parte da série FAPESP COVID-19 Research Webinars, organizada com apoio do Global Research Council (GRC). Para acessar o evento completo, clique aqui.

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Fonte: Agência Fapesp