Cachorros revolucionam tratamento contra câncer em humanos; entenda
Por Fidel Forato • Editado por Luciana Zaramela | •
A relação entre cachorros e humanos vai muito além da amizade e do companheirismo. Na ciência, os amigos de quatro patas têm liderado pesquisas contra o câncer, especialmente o osteossarcoma (câncer dos ossos), e devem revolucionar os tratamentos oncológicos para ambas as espécies nos próximos anos.
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Olhando os casos de câncer entre as espécies, são inúmeras as semelhanças. Por exemplo, o osteossarcoma em cachorros domésticos é geneticamente próximo ao encontrado em humanos. Com isso, cientistas norte-americanos estão replicando tratamentos testados em cães em humanos. Por enquanto, os resultados são promissores.
Entenda o que é um caso de osteossarcoma que afeta cachorros e humanos
Hoje, a maioria das pesquisas duplicadas entre cães e humanos envolvem o câncer ósseo. Em pessoas, o osteossarcoma é um quadro raro, conhecido por afetar crianças e adolescentes. Se o diagnóstico for feito quando o tumor já estiver em metástase (tardiamente), as chances de cura são significativamente baixas.
Apesar dos riscos, as pesquisas por novos tratamentos contra este tipo de câncer não avançam há aproximadamente 30 anos. O curioso é que este é um dos tipos de câncer mais antigos a afetar a humanidade, sendo identificado até em hominídeos há cerca de 1,7 milhão de anos.
Participação de cães e tutores nos estudos de combate ao câncer
Por outro lado, os casos de osteossarcoma em animais domésticos, como cachorros, são muito mais comuns. Em números, o nível de incidência é 10 vezes maior nos pets que em humanos. Isso aponta para uma oportunidade única de estudo contra o câncer, já que a maioria dos tutores é preocupada com a saúde dos seus animais e não poupa esforços para tratá-los.
“As famílias e os cães que participam são uma peça importante do quebra-cabeça no avanço destas pesquisas”, afirma Cheryl London, oncologista veterinária da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, para a revista Wired.
Além da instituição, outras 21 universidades norte-americanas e canadenses participam do Comparative Oncology Trials Consortium (COTC), uma iniciativa que busca conectar conhecimentos sobre o câncer canino ao tratamento humano.
Questões práticas dos estudos oncológicos com cachorros
A pesquisa oncológica iniciada com cachorros domésticos tem outras vantagens ainda. Por exemplo, o nível de exigência para um estudo científico com cães é menor que com humanos. Nesse ponto, a testagem de remédios off-label (fora da bula) é muito mais simples e barata.
Outra questão é que esses cachorros desenvolvem os cânceres naturalmente. Em laboratório, os cientistas precisam induzir a formação de tumores nos roedores, o modelo animal mais usado nesse tipo de pesquisa. Além disso, ambas as espécies, cachorros e humanos, compartilham o mesmo tipo de exposição ambiental, como níveis de poluição. Isso dificilmente é replicado em um experimento com camundongos.
Cães já ajudam humanos na luta contra o câncer?
Na revolução do tratamento do câncer, um dos casos mais emblemáticos é de uma pesquisa liderada por cientistas da Universidade Estadual do Colorado. Em 2019, o grupo começou a investigar o tratamento para casos de osteossarcoma em metástase — quando o câncer se espalha para outros órgãos, como os pulmões.
Após três anos de pesquisa, em 2022, os cientistas publicaram o estudo na revista científica Clinical Cancer Research. No artigo, os autores descrevem o bem-sucedido tratamento oncológico para cachorros. Este envolve o uso do remédio oncológico toceranib com outra fórmula usada por pacientes com pressão arterial elevada, a medicação losartana.
Segundo os autores, o coquetel reduziu ou estabilizou o crescimento dos tumores ósseos em 50% dos cães, com quase 30% deles apresentando regressão do câncer. A partir desses achados, pesquisadores de um hospital infantil começaram a testar o protocolo, com dosagens revistas, em crianças com câncer ósseo. Esta segunda pesquisa ainda está em andamento.
Em paralelo, outra pesquisa, liderada por cientistas da empresa George Clinical, investiga a eficácia em humanos de um outro tratamento já testado em cães. Neste caso, é avaliada uma vacina experimental contra o osteossarcoma, que carrega uma bactéria enfraquecida, a Listeria monocytogenes. Se o efeito for similar em cães e humanos, o composto deve estimular o sistema imunológico da pessoa a combater as células tumorais. A expectativa é que os primeiros resultados sejam divulgados ainda este ano.
Fonte: Universidade Estadual do Colorado, Clinical Cancer Research e Wired