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Brasil testa vacina contra HIV; saiba tudo sobre ela!

Por| Editado por Luciana Zaramela | 03 de Setembro de 2021 às 14h48

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Rthanuthattaphong/Envato Elements
Rthanuthattaphong/Envato Elements

Este ano marca os 40 anos da descoberta do primeiro paciente infectado pelo HIV no mundo e, desde então, muitas pesquisas científicas buscaram formas de controlar o vírus da AIDS e colocar um fim nesta pandemia — muito mais silenciosa do que a da COVID-19. Com os avanços da medicina, 37,6 milhões de pessoas convivem, hoje, com o vírus em todo o mundo, segundo dados do programa das Nações Unidas, a Unaids. Agora, uma nova iniciativa procura validar uma vacina segura e eficaz para a prevenção da doença, que já matou mais de 34,7 milhões de pessoas.

Para prevenir novas infecções do HIV, o estudo Mosaico busca demonstrar a eficácia de uma nova vacina contra a doença em testes de Fase 3 — a terceira e última etapa antes da aprovação para o uso em massa. Somente no ano de 2020, 1,5 milhões de pessoas foram infectados pelo vírus, sendo que esse número pode chegar até 2,1 milhões. Nesse cenário, novas estratégias de prevenção contra o vírus da AIDS ainda se fazem necessárias.

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No mundo, este estudo da vacina de 6 doses contra o HIV deve englobar cerca de 3,8 mil voluntários com algum grau de vulnerabilidade para o vírus. Participarão da pesquisa pelo menos 8 países, como Argentina, Itália, México, Peru, Polônia, Espanha, Estados Unidos e Brasil. No caso brasileiro, a Casa da Pesquisa, vinculada ao CRT - Centro de Referência e Treinamento de São Paulo DST/AIDS, é um dos centros incluídos.

Para entender quais são as perspectivas reais da vacina que busca prevenir novas infecções contra o HIV e como estão sendo feitos os testes do potencial imunizante, o Canaltech conversou com a infectologista Patrícia Rady Müller, uma das responsáveis pelo estudo no CRT.

Como funciona a vacina do HIV em testes no Brasil?

Para desencadear a resposta imunológica contra o HIV, a potencial vacina usa uma proteína encontrada na membrana do vírus, a GP140. "Essa é uma das proteínas que dá uma identidade para o vírus", explica Müller sobre a importância dessa estrutura. É a partir dela que o sistema imunológico deve aprender a identificar o vírus oficial e desencadear uma resposta, caso ele seja identificado no organismo.

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Sobre esta abordagem, a médica lembra que "existem diferentes dos tipos de HIV, que são HIV-1 e HIV-2. Neles, temos vários subtipos e esses subtipos se diferenciam pelas proteínas diferentes que têm em suas estruturas". Em comum, esses subtipos apresentam a proteína GP140, mas com algumas variações.

O que se sabe é que "essa proteína é uma peça fundamental para induzir nas pessoas a produção de anticorpos", mas como englobar as variações dessa proteína com tantas subpopulações do vírus do HIV? “O estudo se chama Mosaico, porque ele pega vários subtipos dessa proteína GP140 de vírus do HIV que temos conhecimento", conta a infectologista.

Nesse sentido, a potencial vacina contra o HIV tem um conjunto de proteínas GP140 já conhecidas — formando, literalmente, um mosaico. "Com isso, conseguímos induzir, na pessoa que recebeu a vacina, a produção de anticorpos contra várias subpopulações do vírus do HIV", explica.

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“Chegamos nessa ideia pelas falhas dos estudos anteriores [para vacinas contra o HIV]. Percebemos que por o vírus do HIV ter várias subpopulações, quando se fazia uma vacina, protegia contra alguns tipos do vírus, mas não contra outros", detalha a pesquisadora. Inclusive, este foi um dos motivos que levou as outras iniciativas por um imunizante falharem durante os testes clínicos.

Cavalo de Troia da proteína do HIV

Com a descoberta da proteína GP140, os pesquisadores já sabiam qual estrutura a vacina precisaria carregar para sensibilizar o organismo contra o agente infeccioso, mas ainda faltava uma forma para levar essa estrutura para dentro do organismo. Para isso, o imunizante usa como uma espécie de cavalo de Troia (para transporte) o adenovírus 26 (Ad26).

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O Ad26 "é um vírus que causa gripe comum nas pessoas e funciona como um facilitador para apresentar para o nosso corpo esse mosaico de proteínas GP140", comenta a pesquisadora. De qualquer forma, vale lembrar que esse vírus está inativo, ou seja, incapaz de causar a infecção. Além disso, ele foi editado geneticamente para carregar o mosaico de proteínas do vírus da AIDS.

Com essa tecnologia de imunização, quem receber a potencial vacina, não corre o risco de se infectar pelo HIV, já que o vírus não está presente na fórmula da vacina, apenas fragmentos de uma de suas proteínas. "A pessoa não vai receber o vírus do HIV. Essas proteínas são feitas em laboratório e são partículas do vírus, e não o vírus inteiro", ressalta a pesquisadora. Inclusive, vacinas contra a COVID-19 adotaram a mesma tecnologia.

Semelhanças com a vacina da COVID-19

Tanto a vacina contra a COVID-19 da Janssen (Johnson & Johnson) quanto a Sputnik V, do Instituto Gamaleya, adotam o Ad26 no processo de imunização contra o coronavírus SARS-CoV-2. A vacina Covishield (AstraZeneca/Oxford) também utiliza um vetor viral não replicante, mas, em seu caso, é usado o ChAdOx1 — um vírus capaz de causar resfriado em chimpanzés.

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Além da tecnologia usada em comum pelos imunizantes contra a COVID-19, a comparação entre as duas pandemias ajuda a explicar o porquê de uma vacina que se desenvolveu em tempo recorde para a ciência — cerca de 1,5 ano —, enquanto se espera há 40 anos por uma imunizante contra o HIV. “Quanto mais tempo demoramos para conseguir uma vacina numa pandemia, mais chances damos para o vírus começar a ter 'filhotes' com 'carinhas diferentes'", explica a infectologista.

Nesse sentido, a medicina precisa correr atrás de todo o tempo perdido, abraçando uma enorme variedade de subpopulações. Isso porque, nos primeiros anos, o HIV foi um vírus que não recebeu a devida atenção por ser considerado de um nicho exclusivo, mais especificamente da população LGBTI+. No caso da COVID-19, desde o princípio, entendeu-se tratar de uma ameça global.

Como estão os testes da vacina?

Neste momento, a ideia do estudo clínico é entender se a vacina contra o HIV tem uma boa eficácia, ou seja, se os pacientes que tiverem contato com o vírus da AIDS não irão contrair a infecção. Por isso, os voluntários incluídos no estudo precisam ter algum grau de risco de exposição ao vírus. No total, 879 brasileiros participarão da investigação, sendo que 50% do grupo receberá um placebo. Nem o imunizado e nem os médicos saberão quem participa de cada grupo.

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O perfil de participantes é de pessoas do sexo masculino ao nascimento e que, atualmente, devem fazer sexo com homens ou pessoas da comunidade trans. "É muito importante [a questão do público], porque o estudo contempla a população trans. É uma população que chega a ter quase 50 vezes mais risco de aquisição do HIV", explica a médica.

Além disso, o indivíduo não pode carregar o vírus previamente e nem ter relações monogâmicas. É preciso ter uma vida sexualmente ativa e ter entre 18 a 60 anos. Por fim, os participantes não devem usar o PrEP — combinação de medicamentos usados de forma continuada que protegem a pessoa da infecção pelo HIV —, durante os estudos.

No total, o estudo acompanhará os participantes selecionados por 2,5 anos, somando quase 30 meses de pesquisa. Nesse período, os voluntários receberão 6 doses do potencial imunizante, sendo 4 no momento de vacinação — em alguns períodos, 2 doses serão aplicadas. Vale observar que estes testes já começaram no país.

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Agora, "vamos construir a bula da vacina. Observar se as pessoas participantes estão produzindo anticorpos e se não contrairão o HIV", completa a pesquisadora sobre os próximos anos do estudo. Em breve, é possível que uma nova estratégia de prevenção contra o vírus da AIDS seja adotada em todo o mundo, caso sua eficácia e segurança sejam comprovadas.