Artigo sugere que psicopatia pode não ser um transtorno mental
Por Augusto Dala Costa | Editado por Luciana Zaramela | 19 de Março de 2022 às 10h00
Uma equipe de pesquisadores canadenses publicou, no ano passado, um estudo na revista Evolutionary Psychology explorando a relação entre psicopatia e distúrbios psíquicos: segundo eles, faltariam certas características definidoras de um transtorno à patologia, definindo-a então como uma função que opera da forma que é pretendida pelo nosso cérebro.
Por mais de cinquenta anos, os traços de personalidade antissocial ligados à psicopatia — como falta de empatia e remorso e agressão — vem sendo associadas a transtornos mentais. Na biologia, no entanto, a linha entre características úteis e traços de doença pode ser difícil de se definir.
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A conclusão dos cientistas é baseada em uma análise de pesquisas com medidas validadas de psicopatia, juntamente com detalhes da mão dominante das pessoas — uma correlação que demonstra o uso de ciência ultrapassada, do início da psicologia criminal.
A ligação entre ser canhoto e personalidades consideradas sinistras era, historicamente, clara: modelos primordiais de doença mental e sociabilidade levavam em conta a mão dominante como sinal conveniente da degeneração do paciente. Apesar da ciência já desconsiderar esse fator na indicação de doenças, a ligação entre a mão preferida e características psicológicas e fisiológicas ainda é comum em estudos científicos.
Influência do ambiente
No meio da questão, está a problemática da "natureza versus criação". Enquanto a genética parece ter algum papel na definição da mão dominante, influências culturais também podem determinar o quanto uma pessoa vai priorizar o uso de uma das mãos — por exemplo, para se encaixar melhor em uma comunidade onde a maioria é destra. Como os cientistas notaram a falta de evidências ligando o canhotismo a sujeitos psicopatas, pode-se concluir que o desenvolvimento deles não é necessariamente afetado pelo ambiente de forma significativa.
Isso abre possibilidade para que os genes da psicopatia, quaisquer que sejam eles, possam estar na verdade agindo de acordo com a seleção natural, provendo uma "estratégia alternativa de história de vida" a quem os herda, nas palavras dos cientistas responsáveis. Apesar de parecer contra-intuitivo imaginar que pessoas antissociais seriam beneficiadas pela evolução, a natureza dá espaço para "encostados" em sociedades cooperativas como a nossa. Características de psicopatia podem ser vantajosas em um mundo onde há uma acirrada disputa por recursos.
Problemas do estudo
A pesquisa, na verdade, abarca 16 estudos para chegar à sua conclusão, o que envolve dados de apenas 2.000 indivíduos analisados. Estatisticamente, é pouco — embora seja difícil controlar variáveis em estudos como esse, pois há uma miríade de condições que podem influenciar a condição estudada e confundir os pesquisadores.
Mas a questão filosófica acerca do que define doença ou apenas uma diferença funcional no comportamento humano, tocada por artigos como esse, é válida. Definições de doença e saúde vêm mudando ao longo do tempo.
Vale lembrar que os resultados do estudo não querem dizer que a psicopatia vá deixar de ser considerada uma patologia: o transtorno de personalidade antissocial (também conhecido como sociopatia, ou APD), por exemplo, foi revisado várias vezes, ajustando os critérios de observação, mas se mantendo como uma condição clínica presente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, guia oficial da Sociedade Americana de Psiquiatria.
Se a psicopatia continuará sendo considerada um transtorno no futuro, dependerá de mais estudos como esse, mas ela continuará, não obstante, a influenciar comportamentos que perturbam e eliminam o bem-estar de muita gente.
Fonte: Evolutionary Psychology, PNAS