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Aedes do Bem: como funcionam os mosquitos da dengue editados geneticamente?

Por  • Editado por Luciana Zaramela | 

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 shammiknr/Pixabay
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Para controlar casos da dengue, a empresa Oxitec desenvolveu uma tecnologia em que edita geneticamente os mosquitos Aedes aegypti e os libera no meio-ambiente, o que garante a redução local da espécie. Fundada em 2002 pela agência de inovação da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a iniciativa está presente há anos no Brasil e, agora, chega também ao consumidor final.

Atualmente, a Oxitec trabalha com a segunda geração de mosquitos editados geneticamente contra a dengue, o Aedes do Bem. Nesse modelo, podem usar a tecnologia prefeituras e empresas que querem manter áreas seguras, mas também pessoas que buscam proteger o entorno de suas resistências.

Buscando atender a esses consumidores de pequena escala, a Oxitec desenvolveu a Caixa do Bem. Este é um serviço de assinatura para a compra de larvas do mosquito — que crescem e se desenvolvem com uma pequena quantidade de água —, de forma programada. Na assinatura promocional do kit por seis meses, a pessoa paga R$ 139,00 por mês.

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Para entender como funciona a tecnologia da Oxitec para o controle do principal vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypti, o Canaltech acompanhou um dos eventos da empresa britânica e conversou com porta-vozes da iniciativa. Além da dengue, a estratégia combate zika, chikungunya ou febre-amarela, já que todas as doenças são transmitidas pelo mesmo vetor.

Adiantamos que a tecnologia recebeu a aprovação de biossegurança, em 2020, da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e, por isso, pode ser considerada como segura para o meio-ambiente.

Como funciona o mosquito editado geneticamente?

De acordo com a empresa, os mosquitos carregam um gene autolimitado e este impede a sobrevivência da prole feminina. Aqui, vale lembrar que apenas as fêmeas picam e, consequentemente, transmitem as doenças, como a dengue ou o zika. O sangue dos humanos ajuda a amadurecer os ovos e é parte do processo reprodutivo.

Voltando à estratégia da Oxitec, a empresa libera exclusivamente mosquitos machos, através do seus kits, e estes é que irão se acasalar com as fêmeas selvagens. Nesse processo, as criaturas editadas geneticamente promovem a redução da população-alvo, já que a prole feminina desses acasalamentos não consegue chegar à fase adulta. Isso reduz a quantidade de fêmeas para a próxima geração.

De forma geral, os machos serão capazes de transmitir o gene autolimitante a metade de seus descendentes — os outros machos — e eles ainda deverão se reproduzir. Nesse processo, este gene ainda pode persistir, mas tende a diminuir ao longo das gerações.

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Marcador Fluorescente

Quem for observar os mosquitos geneticamente editados da Oxitec e os selvagens, não encontrará diferenças a olho nu. No entanto, os insetos criados em laboratório carregam também um gene marcador. Este é responsável por produzir uma proteína fluorescente, chamada DsRed2

"Esse marcador vem de uma alga fluorescente e ele é bastante usado em biologia molecular e em engenharia genética, de maneira geral", conta Natalia Ferreira, doutora em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretora-geral da Oxitec no Brasil.

Essa proteína é produzida em todas as fases do inseto — como larvas, pupas e adultos — e brilha na cor vermelho-alaranjada sob uma luz específica. "Só conseguimos observar na lupa ou no telescópio, com um filtro específico", detalha Ferreira. Dessa forma, a condição não tem nenhum efeito fenotípico e nem altera o comportamento do animal.

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"Usamos isso [o marcador] bastante no desenvolvimento da tecnologia e na geração de dados para aprovação. Hoje, se ainda capturarmos esses insetos e levarmos para o laboratório, conseguimos ver se a gente soltou [aquele inseto], se é 'filho' do que a gente soltou ou se é selvagem", afirma Ferreira.

Semelhante ao gene autolimitante, o marcador de luminescência é herdado por todos os descendentes do macho editado geneticamente. Por exemplo, ao examinar as larvas presentes em um ambiente, será mais fácil e prático estimar quantas são descendentes dos mosquitos da dengue autolimitantes e quantas são selvagens. Em outras palavras, é uma ferramenta de rastreio.

Experiências em Indaiatuba e Piracicaba

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No Brasil, a Oxitec tem firmado parcerias, principalmente com municípios, para testar a eficácia dos Aedes do Bem. Desde 2018, a empresa tem um acordo com a prefeitura de Indaiatuba, no interior do estado de São Paulo.

Entre os anos de 2018 e 2019, o uso da segunda geração de mosquitos editados geneticamente alcançou uma supressão de até 96% da população de Aedes aegypti selvagem nas áreas tratadas de Indaiatuba. Inclusive, uma nova parceria foi acordada com a prefeitura até o ano de 2023.

Em Piracicaba, outra cidade de São Paulo, foi testada a primeira linhagem dos mosquitos ainda em 2015. A tecnologia original foi aperfeiçoada e, hoje, são usados apenas mosquitos da segunda geração.

No mundo, a empresa estimar ter liberado quase 1 bilhão de mosquitos geneticamente modificados para conter a proliferação dos vetores da dengue, zika, chikungunya e febre-amarela.

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Aedes pode entrar em extinção?

Com a supressão das populações selvagens do mosquito com a tecnologia, é natural se perguntar se ela poderia levar o Aedes aegypti — inseto nativo da África e invasivo na maior parte das regiões de seu alcance atual — até a extinção. No entanto, a resposta é não.

De acordo com Ferreira, a extinção "não seria um problema, porque ele é invasor". Dessa forma, não há nenhum predador brasileiro, por exemplo, que se alimente exclusivamente desses mosquitos. Na ausência, esse outro animal não estaria sem alimento. Na verdade, a questão é que "não é a nossa intenção a extinção", explica.

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"A grande diferença da tecnologia da Oxitec [para eventuais concorrentes] é que, no momento, em que você para de liberar [os mosquitos], não há resíduo no ambiente. Por algumas gerações, ainda será possível ver descendentes machos, mas cerca de 13 semanas após parar a liberação, você não verá mais nenhum Aedes do Bem no ambiente", detalha Ferreira.

Em um cenário hipotético de extinção, "nós precisaríamos fazer liberações por muito tempo" dos mosquitos geneticamente editados, segundo Ferreira. No entanto, "na nossa modelagem, é muito difícil chegar à extinção, principalmente por conta do mundo globalizado", completa. Afinal, novos exemplares poderiam chegar de algum outro local do mundo.

Outras alternativas para o controle da dengue

Vale lembrar que o uso dos mosquitos editados geneticamente é parte de uma estratégia maior para impedir o aumento de casos de dengue. Isso significa que as populações humanas ainda devem manter hábitos de controle contra a praga, como evitar o acúmulo de água parada — em pneus ou jardins, por exemplo.

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Afinal, "qualquer lugar com água e calor é suficiente para o ciclo do mosquito", explica a médica Rosana Ritchmann, doutora em medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha, e membro do Instituto de infectologia Emílio Ribas.

No campo das vacinas contra a dengue, ainda faltam alternativas que funcionem contra os quatro tipos da doença e possam ser aplicadas em todos os pacientes, sem restrições. Atualmente, o Instituto Butantan testa uma fórmula tetravalente contra a dengue. Além disso, é necessário desenvolver imunizantes contra chikungunya e zika.

Nesse cenário, uma boa estratégia é investir no controle dos mosquitos, como propõe a Oxitec. No entanto, "outras formas de prevenção são necessárias, principalmente, porque conhecemos o Aedes aegypti há algum tempo e sabemos o quanto é difícil lidar com esse vetor", completa Ritchmann.