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Por que o entretenimento precisa de um Homem-Aranha para cada geração

Por| 26 de Dezembro de 2021 às 11h00

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Montagem/Canaltech (Sony Pictures)
Montagem/Canaltech (Sony Pictures)

Atenção! O texto abaixo conta com spoilers pesados de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa!

A essa altura muita gente já deve ter visto a mais recente aventura do Homem-Aranha de Tom Holland nos cinemas. E, claro, todos os fãs devem concordar que um dos momentos mais emocionantes da projeção foi a reunião de três gerações do Amigo da Vizinhança nas telonas, com a participação de Tobey Maguire e Andrew Garfield.

O encontro de três atores de diferentes gerações interpretando o mesmo super-herói nunca havia acontecido no cinema. E esse fato inédito me levou a escrever novamente sobre algo que penso há anos: em como o Homem-Aranha precisa de um representante para cada geração. É como o rock na música: todos sabemos que existem os clássicos, os atemporais; mas sempre há canções que revitalizam os elementos básicos e os atualizam de acordo com as agruras e desejos de cada nova casta de jovens — ainda mais nos dias de hoje, quando tudo muda muito rápido.

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Veja comigo como isso já vem acontecendo há algum tempo com o Homem-Aranha — e por que é tão necessário para continuarmos mantendo a indústria do entretenimento alinhada com sua audiência.

A decadência do herói e o “ressurgimento” do Homem-Aranha

O final da década de 1980 e todo os anos 1990 foram um desastre para a indústria dos heróis. As fórmulas inocentes da Era de Ouro dos Quadrinhos haviam sido esquecidas, a ficção científica da Era de Prata dos Quadrinhos precisava ser revitalizada, e o lado mais cru, violento e feio dos personagens é que dominava a preferência dos leitores.

A audiência estava envelhecendo, sem renovação, e as histórias não acompanhavam a idade dos leitores; também não facilitavam muito a vida para os novatos, porque era difícil acompanhar a cronologia da Marvel Comics e da DC Comics. As editoras começaram a apelar, inventando várias mortes e outros eventos “chocantes”, seduzindo o leitor com arte de poucas palavras.

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As splash-pages se multiplicavam em cenas de violência e sugestões sexuais — foi nesse período que personagens como Mulher-Maravilha e Sue Richards apareciam muito mais para mostrar pernas e decotes do que efetivamente participar da narrativa. Foi nesse cenário que a Marvel Comics abriu processo de falência e o grupo Marvel precisou vender diversas propriedades intelectuais.

E, veja só, uma delas tocava justamente nos direitos de adaptação do Homem-Aranha para as telonas. Embora os quadrinhos de super-heróis estivessem em decadência e muitas tentativas live-action tenham dado errado, as animações começavam a acertar a mão durante os anos 1990 — as do Homem-Aranha e dos X-Men foram um sucesso.

Então, no final dos anos 1990, o que Michael Chabon falou em uma certa San Diego Comic Con passou a ser ainda mais importante para a indústria do entretenimento. O escritor, vencedor de um Pullitzer pelo excelente livro As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay (baseado na vida e na obra de um personagem que se confunde com o autor Jim Steranko, clássico roteirista e ilustrador do Nick Fury) e que viria a ser o roteirista de Homem-Aranha 2, interrompeu uma discussão sobre a razão de o público estar envelhecendo sem renovação e realizou um manifesto. Dos cinco itens que ele pregou, o mais importante foi:

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Temos que parar de contar histórias que achamos que os jovens de hoje vão gostar. Temos que contar histórias que gostávamos na idade deles.

Um Homem-Aranha para cada geração

Assim, meio sem combinar nada formalmente, mas absorvendo várias opiniões, a indústria do entretenimento aos poucos começou a fazer isso. E o Homem-Aranha é o melhor exemplo disso. Mas antes de falar exatamente sobre isso, tenho que responder a pergunta: “Por que o Homem-Aranha?”

Bem, ele não é um bilionário que acorda de tarde e se veste de morcego para bater em pobre. Ele não é um lindo alienígena caipira com queixo quadrado. Ele mora em uma cidade real e apanha no colégio, é pobre, mora com a tia. É quase bipolar: melancólico, quieto e contido na forma de estudante; alegre, falante e piadista quando se pendurando por aí pelas ruas.

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Nem todo mundo pode ser Bruce Wayne ou Clark Kent, Batman ou Superman. Mas todo mundo em algum momento da adolescência teve um pouco de Peter Parker e do Homem-Aranha — veja bem, também adoro o Homem-Morcego e o Homem de Aço, mas, convenhamos, eles inicialmente são um pouco mais distantes da realidade dos leitores, especialmente os mais jovens. Ou seja, ele é o herói que as pessoas melhor e primeiro se identificam. É por isso que o Amigo da Vizinhança é o mais popular de todos em todo o mundo.

Então, no começo dos anos 2000, a Sony, que tinha comprado os direitos vitalícios do personagem, passou a observar o que vinha dando certo na animação para entender melhor como aquele Peter Parker dos anos 1960 poderia se encaixar nos dias atuais. As HQs do Homem-Aranha sempre envolviam o protagonista com ciência. Então, isso também teria que estar presente na franquia que estava sendo desenvolvida, não somente na trama, mas também na própria personalidade de Parker.

E o que havia de mais quente no campo da ciência na época? Clonagem e alteração de DNA. Assim, a trama de Homem-Aranha, de Sam Raimi, em vez de uma aranha radioativa, traz uma aranha “geneticamente modificada” que pica o Peter Parker de Tobey Maguire, reescrevendo seu DNA. Assim, temos o Escalador de Paredes na versão anos 2000.

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Homem-Aranha fora de sintonia

Embora a trilogia de Sam Raimi tenha feito sucesso, especialmente em Homem-Aranha 2, as adaptações de quadrinhos eram um projeto em construção. E o maior erro da Sony, na época, foi o de querer encaixar os filmes de heróis em gêneros pré-estabelecidos, ao invés de colocá-lo em um ambiente dinâmico de constante atualização.

Mesmo com a chegada do Marvel Studios, com Homem de Ferro e O Incrível Hulk, no final dos anos 2000, a Sony resistia a certas mudanças; mas ao mesmo tempo apostava naquilo que acreditava ser o melhor para o Homem-Aranha: ele tem que tentar se comunicar com a sua geração, pois o público precisa se enxergar em Peter Parker.

Na virada para os anos 2010, a audiência mudou bastante. Aquela garotada que via De Volta para o Futuro, vinte anos atrás, já não se contentava com explicações que se resumem a um “capacitor de fluxo” em um objeto colorido em forma de “Y”. Os filmes de Batman, da trilogia de Christopher Nolan, mostraram como o público se interessa por algo que seja mais verossímil.

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“Se uma aranha me picar de verdade, posso me tornar o Homem-Aranha?” Essa pergunta é recorrente em toda a trajetória do Homem-Aranha e, embora talvez não seja exatamente essa a razão, houve uma mudança fundamental no Peter Parker de Tobey Maguire para o de Andrew Garfield: sua origem já não era apenas um acidente científico.

A interpretação de Garfield fez a diferença e ganhou o público, mas o que a Sony fez na época decretou seu fracasso com o projeto de uma nova trilogia nos anos 2010: a trama colocou a aranha geneticamente na vida de Parker de uma forma que foi quase uma coincidência cósmica. Ou seja, “nem todo mundo que for picado pela aranha pode se tornar o Homem-Aranha”.

Transformar a história mirabolante dos pais espiões e uma combinação improvável de fatores em algo que poderia levar somente o Peter Parker de Garfield no Escalador de Paredes tirou o maior charme do Homem-Aranha, que é o fato dele ser o “cara comum”, eu e você. Além disso, embora essa versão tivesse o lado herói mais sarrista e fanfarrão, no melhor estilo clássico, Garfield na versão estudante era muito descolado e popular para ser o "cara comum". E é aí que entra o Homem-Aranha de Tom Holland.

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Aranhaverso de volta para casa

Entre os anos 1960 e 1980, Peter Parker passou bastante tempo nos ambientes colegial e universitário. E tanto na trilogia com Tobey Maguire quanto nos filmes de Andrew Garfield, Peter passou voando por essa fase. E, veja bem, é uma fase importante do personagem, é quando ele constroi seu caráter e se prepara para as tragédias da vida adulta com as agruras adolescentes.

Kevin Feige, que tinha participado como assistente de produção nos primeiros filmes do Homem-Aranha de Sam Raimi, sabia disso. Uma das lições aprendidas com os fracassos é que não se pode subestimar a audiência, muito menos tentar encaixar os filmes de heróis em gêneros pré-estabelecidos.

O novo Homem-Aranha tinha que sair da prateleira de “drama/ação” e criar seu próprio gênero. É isso o que o Marvel Studios fez, misturar vários gêneros para ter o seu próprio — exatamente o que acontece nos quadrinhos. O novo Homem-Aranha de Tom Holland precisava ser um dramédia colegial como os filmes de John Hughes e mostrar aventura com um personagem que veremos crescer no cinema, do mesmo jeito que Harry Potter fez.

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E foi isso que aconteceu: na nova trilogia, nem mesmo a origem dos poderes teve importância. “Temos que parar de contar histórias que achamos que os jovens de hoje vão gostar. Temos que contar histórias que gostávamos na idade deles”, certo? Não dá para saber exatamente o que cada geração gosta, mas todas gostam de Peter Parker e sua jornada como herói puro, incorruptível e resiliente.

A animação Homem-Aranha: No Aranhaverso também ajudou a disseminar a ideia de que “todos somos Homem-Aranha”. Todos podem ser um herói se forem como Peter Parker. É esse o segredo do sucesso da nova trilogia do Homem-Aranha e do filme mais recente: veja bem, temos três gerações de Peter Parker na mesma história!

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Que isso sirva de lição para Hollywood, que precisa continuar se moldando de acordo com cada geração, sem deixar para trás o que faz de personagens como o Homem-Aranha serem clássicos, atemporais.