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Dia do Quadrinho Nacional: uma carta de amor às HQs brasileiras

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Laerte
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Desde que Angelo Agostini publicou, no dia 30 de janeiro de 1869, uma curta história chamada de As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte, nada mais foi a mesma coisa na cultura brasileira. A narrativa surpreendeu a sociedade da época porque trouxe críticas sociais de uma forma simples e divertida. As sequências de imagens e o texto literário formavam, pela primeira vez no Brasil, uma linguagem que sugere movimentos, empresta aromas e nos permite ouvir belas canções com os olhos. É por isso que comemoramos o Dia do Quadrinho Nacional nesse dia.

Bem, voltando a Nhô Quim, aquela história era um passo adiante na união das palavras e ilustrações — algo que vinha acontecendo no mundo todo no final do século XIX. Em 1837, já tínhamos as primeiras charges registradas em solo tupiniquim, no periódico carioca Jornal do Commercio.

Em 1864, um jovem e talentoso desenhista italiano desembarcava em São Paulo para criar o primeiro jornal ilustrado da capital paulistana. Ângelo Agostini, sempre provocador, já mostrava a que vinha, atacando o clero e as elites escravocratas locais. Alguns anos depois, ao chegar no Rio de Janeiro com certa fama de “agitador”, encontrou então uma forma de amenizar o tom e ainda assim criticar a sociedade.

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As tramas envolviam um caipira que se muda para a Cidade Maravilhosa e fica chocado com uma civilização urbanizada e elitizada, que não consegue mais lidar com a simplicidade do homem do campo. Essa forma mais branda de propor reflexão agradou todas as classes, principalmente porque as histórias tinham muito humor e faziam com que pobres e ricos se unissem para rirem um pouco de si mesmos.

É por isso que Ângelo Agostini tem um troféu com seu próprio nome por aqui e no dia 30 de janeiro comemoramos o Dia do Quadrinho Nacional. Aliás, sabem quem estabeleceu esta data? É sobre isso que falamos abaixo.

Os quadrinhos brasileiros modernos

Depois de passar o início do século se desenvolvendo com variações em sua forma, em revistas como O Tico Tico e O Gibi, em 1942 surgia um personagem que se tornou um ícone nacional: o Amigo da Onça, aquele sujeito garboso e malandrão que dava as caras nas páginas de O Cruzeiro. Depois dos anos 1950, tivemos um boom de publicações que já se espelhavam em sucessos de outros países.

Nessa época a Editora Brasil-América Latina (conhecida como EBAL) introduziu super-heróis com os "formatões" e, já nos anos 1960, a Editora Abril começou a lançar seus famosos “formatinhos” com personagens da Disney e, posteriormente, super-heróis, que, no Brasil, ganharam fama por colecionar várias histórias em muitas páginas de impressão razoável e preços baixos. Os “catecismos” de Carlos Zéfiro também faziam a festa dos adolescentes.

O período da contracultura norte-americana, que passou a reverberar nos quadrinhos nacionais entre meados de 1970 e 1980, trouxe uma geração muito talentosa de artistas, como Laerte, Luiz Gê, os irmãos Caruso, Claudio Seto, Júlio Shimamoto, Flávio Colin, Mozart Couto, Watson Portela, Maurício de Sousa, Gustavo Machado, Ziraldo, entre outros que moldaram as bases da Nona Arte tupiniquim.

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Pois então, em 1984, uma turminha liderada por João Gualberto Costa, o popular Gual da capital paulistana, tinha membros como Jal, Jayme Leão, Fortuna, Henfil, entre outros, e se chamava Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo — justamente o grupo que estabeleceu o dia 30 de janeiro como o Dia do Quadrinho Nacional.

Autores brasileiros estão até na Netflix

Os brasileiros vêm se multiplicando nos mercados de quadrinhos de outros países com mais intensidade desde os anos 1990. Atualmente, vemos os gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon aparecendo em vários projetos nos Estados Unidos, com séries como Casanova e Umbrella Academy, que, vejam só, virou série na Netflix.

Rafael Albuquerque é um dos artistas mais requisitados entre os gringos e já fez muito sucesso com Vampiro Americano, enquanto Rafael Grampá vem apresentando um trabalho cada vez mais consistente, como pudemos ver em The Dark Knight Returns: The Golden Child, ao lado da lenda viva Frank Miller, pai da clássica graphic novel Cavaleiro das Trevas.

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Todos esses artistas têm em comum terem passado pelo processo de transição que tivemos entre os autores da “Velha Guarda” para nomes que se destacaram no final dos anos 1980 e início dos 1990. Vimos Laerte, Angeli e Glauco passarem o bastão para Adão Iturrusgarai, Caco Galhardo, Allan Sieber e Lourenço Mutarelli, que por sua vez influenciaram artistas que começaram a trabalhar para fora com super-heróis, a exemplo de Mike Deodato, Joe Bennet e Ivan Reis.

E eis que aqui estamos, chegando a uma nova geração impulsionada pela arte digital, pela velocidade da web, pela transição em várias mídias de comunicação e pela desenvoltura em um cenário independente bem mais representativo do que o mercado comercial.

A força dos independentes

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A Internet teve papel fundamental para que o Brasil passasse a produzir mais quadrinhos. Diferente de outras épocas, em que uma publicação impressa da Turma da Mônica, da Herói ou do Homem-Aranha vendiam centenas de milhares de revistas, o cenário mainstream atual é muito desfavorável para a publicação em larga escala ou com editoras.

Se por um lado o consumo digital naturalmente causa uma queda na venda de livros e gibis, por outro a web consegue reunir mais autores, que podem se organizar e divulgar seus trabalhos mais facilmente. Essa comunicação foi fundamental para chegarmos à forte cena independente dos dias de hoje.

A geração mineira experimental, liderada por Gazy Andraus e Edgar Franco, fez escola, assim como os gaúchos da trupe de Fábio Zimbres, e hoje temos publicações de todos os tipos, com qualidade muito mais profissional que os fanzines noventistas.

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José Aguiar, DW Ribatski, André Ducci, Clayton Junior, Aline Zouvi, irmãos Caffagi, Felipe Castilho e Fred Rubim, André Diniz, Danilo Beyruth, Rafa Coutinho, Melissa Garabeli, Guilherme Caldas, Gabriel Picolo, entre vários outros artistas merecem sua busca no Google para você conhecê-los melhor, pois eles produzem com frequência e têm trabalhos sólidos já há alguns anos — aliás, este que vos fala publica desde os anos 1990 e meu último lançamento, ao lado do Juan Burgos, chama-se Tequila Shots; já foi lançado em Portugal, onde ganhou o prêmio de Melhor Publicação Independente de 2020 e em breve chega ao Brasil.

Feiras e convenções

Mas onde consigo encontrar esse povo todo e seus trabalhos? Bem, como disse acima, tem que ter um pouco de força de vontade, porque os custos para distribuição no nosso país quase que inviabilizam a presença dessas obras nas bancas de esquina. Você precisa ir até os redutos, como as Gibitecas e lojas especializadas e, principalmente, visitar convenções.

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As convenções e outros eventos nerd, sejam de lançamentos coletivos ou individuais, fazem muita diferença, pois aproximam o público de seus artistas e reúnem o fino de nossa cultura underground em um só local. O Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte e a Bienal de Quadrinhos de Curitiba são ótimas oportunidades para conhecer mais.

As feiras independentes, que unem diversos tipos de produtos, especialmente os “prints”, você pode encontrar em vários grupos do Facebook e atrações gigantescas, como a Comic Con Experience, são um ótimo passeio, que também podem se tornar experiências gráficas interessantes.

Onde encontrar online?

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Às vezes pode ser muito difícil encontrar quadrinhos gratuitos, ainda mais nacionais. Mas, graças à tecnologia, é possível encotrar algumas boas opções. Uma delas é a Social Comics (https://www.socialcomics.com.br/), também conhecida como a “Netflix dos quadrinhos” no Brasil, uma plataforma que oferece versões para desktop, no próprio navegador, e também para apps de iOS e Android. Seu uso é simples, basta criar uma conta grátis e sair lendo várias opções gratuitas; ou assinar algum dos planos, que saem por, no máximo, R$ 15 mensais, e dão acesso a diversas publicações, desde autores independentes nacionais até lançamentos de editoras gringas famosas.

Outra boa pedida é o Lady's Comics, site disponível apenas na versão para navegador com foco no mercado independente, no fomento, na divulgação e na distribuição de HQs confeccionados por mulheres — mas o conteúdo é indicado para todos os públicos. Além de novidades sobre o mercado e as autoras na forma de blog, o site também oferece várias HQs para a leitura online, de graça e em português. Acesse pelo endereço http://ladyscomics.com.br/.

O próprio marketplace da gigante varejista Amazon (https://www.amazon.com.br/s?k=gibis+gratuitos) possui uma seção com quadrinhos gratuitos, tanto em português quanto em inglês, de personagens famosos da Marvel Comics e DC Comics a outros também populares fora da seara dos super-heróis, a exemplo de Asterix.

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A biblioteca virtual do município de Quintana, no interior de São Paulo (https://sites.google.com/educacao.quintana.sp.gov.br/biblioteca-virtual/hist%C3%B3rias-em-quadrinhos), também é uma boa pedida, com várias opções gratuitas digitais e em português de livros e histórias em quadrinhos, para a leitura no próprio navegador.