Crise Final, “o dia que o mal venceu” no mais complexo evento da DC Comics
Por Claudio Yuge |
Desde que a DC Comics realizou a Crise nas Infinitas Terras como seu primeiro reboot para “organizar a casa” em meados dos anos 1980, a editora passou a fazer isso recorrentemente nas décadas posteriores. Além de capitalizar sobre os eventos, era uma forma de revisar o status quo de seu Multiverso e de seus principais personagens, estabelecendo também as linhas de narrativa dos anos seguintes.
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Em 2008, a Crise Final, escrita pelo sempre intrigante Grant Morrison, não foi tão controversa quanto a “crise anterior”, Crise de Identidade, lançada seis anos antes. Mas foi bastante complexa e cheia de significados “esotéricos”. Basicamente, a trama envolveu os Novos Deuses, com Darkseid e outros de seus pares renascendo na Terra, após vencer os heróis e desencadear a devastadora Equação Anti-Vida. O evento foi anunciado como “o dia em que o mal venceu”, mas foi muito mais que isso: foi uma verdadeira reflexão (ou meditação?) sobre a natureza dos super-heróis e a narrativa de quadrinhos em geral.
Mas o que levou à Crise Final, o que aconteceu e quais foram suas consequências? Explico logo abaixo e, claro, embora a história tenha sido lançada em 2008, tem muita gente que não leu e vale aquele aviso sobre spoilers.
DC Comics vivia uma fase mais “metafísica”
Antes de entrar na Crise Final em si, é preciso explicar o contexto em que a DC Comics se encontrava no período. Como todo mundo sabe, o Multiverso da editora está em constante revisão, já que é difícil manter um universo compartilhado com a cronologia em dia e tantos personagens sendo atualizados durante mais de 60 anos (na época). Então, a companhia escolheu Grant Morrison para revisar e estabelecer algumas regras básicas e padrões de seu Multiverso e 52 Terras paralelas.
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Como no final de Crise de Identidade houve uma sensação de um “Multiverso menor”, até por conta do próprio estilo mais intimista e sem grandes ameaças cósmicas da trama, a ideia era expandir novamente a noção que os leitores tinham do Multiverso — mas de uma forma menos caótica do que no passado.
Em Contagem Regressiva para a Crise Final, série limitada lançada a partir de maio de 2007 que deveria pavimentar todo o caminho para o evento, mostrou a morte dos Novos Deuses. Contudo, nos títulos iniciais conectados ao evento Morrison desprezou alguns elementos dessas edições e aproximou sua narrativa à intrincada maxissérie Os Sete Soldados da Vitória. Embora isso fosse muito interessante, já era, por si só, algo difícil para os novos leitores acompanharem — até mesmo os veteranos penaram bastante para compreender todas essas conexões.
Então, antes mesmo da Crise Final acontecer, vimos o Senhor Milagre e Darkseid renascendo na Terra nos corpos de novos hospedeiros. Na edição especial DC Universe #0, um antigo vilão da Liga da Justiça, Libra, ressurge para formar uma nova Sociedade de Super-Vilões e mata o Caçador de Marte, como “aviso” à comunidade de super-heróis, enquanto trabalhava secretamente para Darkseid.
A Crise Final
A série principal começou com Darkseid e Orion mortos em uma guerra entre Nova Genesis e Apokolips, com Darkseid renascendo no corpo de Dan Turpin, detetive de polícia de Metrópolis. A morte de Uxas causou um efeito cascata na própria realidade, com a Terra servindo como o ponto focal para uma singularidade que determinou o destino de todo o Multiverso DC.
Enquanto a bala que matou Darkseid viajava no tempo, o Flash Barry Allen da Idade da Prata ressuscitou. E, o renascido vilão aproveitou seu novo corpo para converter muitos dos heróis da DC como seus súditos, com a ajuda da Equação Anti-Vida. Falando agora dessa forma, parece mais fácil compreender, mas a narrativa usada por Morrison foi apresentada cheia de mistérios e múltiplos significados.
Resumidamente, Darkseid mantém a Liga da Justiça ocupada ao forjar o assassinato de Orion pelas mãos do Lanterna Verde Hal Jordan. Lois Lane quase morre e obriga o Superman a ficar do lado dela, enquanto a Mulher-Maravilha é dominada pela Equação Anti-Vida e se torna uma das Fúrias de Darkseid. Enquanto isso, Batman descobre o que realmente matou Orion, mas é aprisionado pelo vilão. Curiosamente, Morrison mostra qual é a Equação Anti-Vida: desespero + solidão + alienação + medo - autoestima = zombaria/condenação/equívoco.
No final, ficamos sabendo que a real intenção de Darkseid era de criar um exército de Batmen, mas o experimento não dá certo porque os clones não suportam o estresse que é ser o Homem-Morcego. Batman, então, revela que guardou o projétil radioativo que matou Orion, ferindo mortalmente Darkseid. Depois de retornar do futuro e lutar com o Superboy Prime, Superman vê o Homem-Morcego ser aparentemente desintegrado pelos Raios Ômega de Darkseid.
Nas páginas conclusivas, Superman fica possesso ao ver Batman morto e só não mata Darkseid porque o vilão sabia que, ao dominar o corpo de um humano, seu inimigo pouparia sua vida. Antes que Darkseid pudesse terminar seu plano de assassinar o Superman, os Flash aparecem com o Corredor Sombrio, que é a encarnação da Morte, e levam a ameaça embora. Superman, então, recria uma máquina que viu no futuro da Legião dos Super-Heróis, que funciona como uma Caixa Materna; e consegue interromper os planos do vilão. Assim nasce o Quinto Mundo e uma nova leva de Novos Deuses.
Na melhor tradição dos grandes eventos do passado da Marvel e da DC, o crossover principal trouxe várias histórias derivadas em revistas de linha. Não era exatamente necessário ler todos os spin-offs, mas a trama, que já era complexa, ficou ainda mais difícil de acompanhar quando alguns subplots foram diluídos nas revistas do Flash, da Legião dos Super-Heróis e do Espectro, por exemplo.
Então, embora a Crise Final tivesse um desenrolar e conclusão interessantes, tocava em pontos sombrios e enigmáticos de todo o cânone DC. Isso tornou o crossover bastante denso e complexo — e aposto que, até hoje, tem muita gente coçando a cabeça para entender exatamente o que aconteceu em diversas partes da trama.
O que aconteceu depois da Crise Final?
Uma das maiores consequências da Crise Final foi o retorno definitivo do Flash Barry Allen, em uma minissérie nos moldes que havia trazido Hal Jordan de volta com o principal Lanterna Verde. Além disso, ficamos sabendo que Batman não tinha morrido; e sim estava deslocado no tempo. Assim, Dick Grayson assumiu o manto de Homem-Morcego, enquanto Damian Wayne, filho de Bruce Wayne com Talia al Ghul, tornou-se o novo Robin.
O projeto de Crise Final ajudou também a Morrison estabelecer as 52 Terras do Multiverso DC, com um guia específico de quais personagens cada uma abriga e quais são as regras básicas desses universos conectados. Além disso, muitos dos elementos sobre a Muralha da Fonte e dos Novos Deuses viriam a ser melhores explorados futuramente.
A história reverberou também em Ponto de Ignição, em que Barry Allen praticamente reescreveu o Multiverso DC de tal forma que desencadeou em um reboot, conhecido por Novos 52. E, agora, no grande evento de 2020, Dark Nights: Death Metal, temos visto conexões com a trama escrita por Morrison em 2008. Como dá para notar, embora seja até hoje a mais complexa das “crises”, Crise Final foi muito importante para a editora e deve continuar rendendo frutos nos anos que virão.