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Como começar a ler quadrinhos?

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Fiquei tentado em dar a resposta para a pergunta do título da matéria, mas percebi que o spoiler, embora trouxesse anticlímax com um verniz intrigante, também estragaria a conclusão espirituosa. Então, o que posso dizer é: começar a ler quadrinhos não pode ser ensinado, não está em disciplinas de escolas e universidade, muito menos em guias de mochileiros.

Mas, depois de tanto ler, recomendar gibis e observar o comportamento dos leitores, dá para apontar alguns caminhos para facilitar a viagem — e talvez até mesmo carimbar o passaporte rumo a galáxias, sonhos, emoções, projetos, expressões e tudo mais sair do coração e desafiar o que cabe no universo (ou multiversos).

Vamos lá então, são coisas simples, que apontam equívocos e apresentam soluções. A maior complicação aqui é algo que pode ser fácil: só depende de você. Guarde essas palavras — embora pareçam ter vindo de algum livro falido de autoajuda, resume o que é mais importante para começar a ler quadrinhos.

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Os equívocos de quem vai começar a ler quadrinhos

Bom, antes de mais nada, é preciso listar algumas das coisas que frustram os novatos quando vão começar a ler quadrinhos. Essa lista saiu de sites especializados, de experiência própria, e, claro, do que as pessoas já me falaram ou notei.

“Você TEM que ler isso, aquele outro é obrigatório”

Existe algo mais chato do que alguém querendo se fazer de “culto” ou “inteligente”, dizendo a você o que você tem que fazer da sua vida? No caso, ficar dizendo “tem que ler isso”, “tem que ler aquilo”, que soa muito mais com alguém exibindo uma pretensa sabedoria ou querendo viver a sua vida do que realmente querendo te ajudar.

Há uma grande diferença entre você perguntar a alguém que entende de quadrinhos o que é recomendável para ler, com base no que a pessoa conhece sobre você. Especialistas que se prezem devem observar o que o iniciante já gosta, e perguntar o que ele se interessa — deixa para lá os fanboys que têm certeza do que está passando pela sua cabeça ou que acham que essa é uma tarefa para eles entrarem em sua egotrip diária.

Com a internet, é possível pesquisar à vontade, assistir a vídeos, entre outras coisas. Depois de um tempo, há a chance de o conhecimento que você absorveu te colocar no lugar desses caras que menosprezam as vozes de cada geração e dizem para os outros o que devem ler ou não — evite dar muito ouvido aos babacas; e não se transforme em mais um deles.

“Comece sempre pelo número um”

Tanto a Marvel Comics quanto a DC já notaram no passado que é natural os leitores buscarem a edição número um de cada título para compreenderem melhor. Essas editoras vivem zerando a numeração em cada início de uma nova fase, embora as publicações já tenham ultrapassado centenas de capítulos.

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Veja o caso da Turma da Mônica e dos X-Men no passado, e você vai notar que, mesmo que não entenda algumas coisas inicialmente, esse títulos sempre conduziam as histórias por meio dos personagens. Então, ainda que não entenda exatamente o que acontece na revista, os nomes de cada herói e vilão tornam o passo seguinte mais amigável.

“Se você não leu os clássicos dos anos 1960 ou 1970, então nem leu nada”

Os mais jovens não devem ler só coisas novas. E também não têm que colocar clássicos lá do passado obrigatoriamente na lista de leitura. A narrativa dos quadrinhos de cada década, assim como acontece com a música e o cinema, é bastante específica, o que pode gerar certa dificuldade e até estranhamento para determinadas gerações.

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Por exemplo: eu nunca gostei de Cidadão Kane, de Orson Welles, porque acho a narrativa muito devagar, além do fato de exigir um contexto muito distante do que eu já vivia para enxergar algo tão espetacular. Ou nem todo mundo que gosta de dramédias adolescentes já assistiu aos filmes do John Hughes, como Clube dos Cinco; mas muitas das pessoas que assistem a Superbad — É Hoje, buscam naturalmente esses longas oitentistas, sem nenhum xarope dizendo o que você tem que ver ou não.

Veja só como o exemplo de Michael Chabon se encaixa com a solução que os produtores de Star Wars encontraram para gerar mais interesse nos jovens que não conseguiam ou simplesmente não queriam ver Star Wars: A Nova Esperança: o primeiro filme da saga, ou o quarto da Saga Skywalker, tem efeitos especiais bem mais simplórios, assim como várias cenas de luta bem fraquinhas, e até um ritmo mais lento.

“Não temos que contar histórias que achamos que os jovens de hoje vão gostar, temos que contar histórias que gostávamos de ler quando tínhamos a idade deles”, disse Chabon. Então, Rogue One: Uma História Star Wars reposicionou Darth Vader como um vilão sombrio e poderoso, desenvolveu uma narrativa que vai mudando do tom obscuro até a luz da esperança, e, principalmente, mostrou um final que não a conclusão: “Mas onde diabos foi parar aqueles planos da Estrela da Morte que a menina roubou?” — a resposta, como sabemos, está em Star Wars: A Nova Esperança, um filme que o jovem pode procurar por conta própria para saber o desenrolar desse subplot.

“HQs são difíceis de encontrar”

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Pode dar zero para quem fala isso, porque daí é muita preguiça. Tem quadrinho em tudo quanto é lugar: em jornais impressos e digitais, em bancas, em lojas especializadas, em livrarias, na internet inteira, na biblioteca da sua escola ou da prefeitura, enfim, só dá essa desculpa quem realmente não quer fazer o mínimo esforço para ler gibis.

E outra: embora a Nona Arte só funcione mesmo na sua plenitude quando está impressa em algum volume, é possível ler em telefones celulares e tablets, em computadores, e até mesmo na TV. Tudo bem que algumas edições e temas específicos sejam mais difíceis de encontrar, por razões que vão desde a falta de distribuição até a raridade do item. Mas isso não é desculpa para desistir de procurar os que estão mais acessíveis.

“É difícil de entender os personagens e as histórias”

Se você acha que as histórias de super-heróis são apenas sobre seus poderes, não poderia estar mais errado. As tramas, heróis e vilões, tanto da Marvel quanto da DC, seguem o que Stan Lee já dizia sobre “todo quadrinho ser o primeiro de alguém”. Os profissionais que trabalham nessa área sabem que é preciso sempre criar tramas que possam ser um ponto de entrada para qualquer um.

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Tudo bem que há realmente vários casos que os escritores simplesmente ignoraram as palavras de Lee. Uma vez um cara me perguntou se, para acompanhar a fase do Grant Morrison em Batman, que comemorava 800 edições, seria necessário ler todas as centenas de outras revistas da numeração. “Sim, tem.”

De qualquer forma, sempre que você não entender alguma trama ou personagem, basta abrir o mundo mágico da internet e pesquisa, desde sites como Wikipedia até vídeos de especialistas e entusiastas.

Os passos mais simples para começar a ler quadrinhos

Bem, depois de apontar algumas das razões que frustram os iniciantes, aqui embaixo estão alguns simples passos que podem ajudar os novatos a encontrarem as tramas e personagens que vão morar em seus corações.

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Valorize sua memória afetiva, e aproveite para criar novas

Qual é a primeira coisa que você se lembra na sua vida? A imagem mais antiga que lembro, recuperei quando tinha uns 12 anos. Abri uma caixa de sapato cheia de gibis, entre eles estava um gibi dos X-Men com a capa toda rabiscada de giz de cera. Fiquei olhando aquilo com atenção e, lá do fundo da memória, veio a imagem de eu mesmo pintando aquilo quando era criança.

Tente pensar nas coisas que você gostou ao longo da vida, seja uma música, uma peça de teatro, um filme, uma série, uma experiência de vida. Junte essas coisas, ou eleja alguma delas que você consiga enxergar em alguma HQ. Não tema com a impossibilidade de os quadrinhos não oferecerem algo parecido com a memória afetiva que você tem: na maioria das vezes o que carregamos com carinho na mente vêm de emoções básicas e de contextos cíclicos.

Quais temas e tipos de narrativa mais te agradam?

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Assim como no cinema, no teatro e na televisão, os quadrinhos têm temas para todos os gostos, contados em narrativas que vão desde as mais simples, como em um gibi da Turma da Mônica; até o intrincado mosaico criado na jornada gótica cheia de referências de Neil Gaiman, ou no quebra-cabeça sequencial de Chris Ware.

Nesse ponto, é preciso que você entenda peculiaridades básicas dos quadrinhos: os gibis têm essa capacidade de juntar temas e gêneros como nenhuma outra linguagem, misturando, por exemplo, comédia, drama, aventura e ficção científica em uma mesma edição de 24 páginas, sem que isso soe tão estranho.

Nos quadrinhos, Hal Jordan sai do clima de romance e rivalidade da Força Aérea em um aeroporto de Coast City e vai conversar com alienígenas no centro do universo, em Oa, em poucos painéis. Se você assistir ao filme do Lanterna Verde, vai ver que isso fica muito estranho no cinema. Por outro lado, os filmes da Marvel Studios saíram da obrigação de encaixar seus filmes em algum gênero específico para criar uma fórmula própria, que é bem semelhante a esse mix de temas que os gibis proporcionam.

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Em termos de narrativa, os quadrinhos feitos em formato de tira de jornal, que seguiam, basicamente, o mesmo tipo de sequência de um rolo de filme de cinema do começo do século, são mais fáceis de acompanhar.

Assim, é muito melhor começar justamente com os volumes que colecionam as histórias que eram publicadas em jornais. Mafalda, Calvin e Haroldo, a turminha do Snoopy e Charlie Brown, Garfield, e os quadrinhos de Laerte, Angeli, Caco Galhardo, entre outros, são mais fáceis para se acostumar à estrutura dos quadrinhos.

Veja bem, ainda temos analfabetos no Brasil, e ninguém ensina a ler a linguagem dos quadrinhos. Então, você precisa entender como funciona o tempo e o espaço na arte sequencial para, então, compreender melhor como o espaço em branco entre os quadros funciona como um constante exercício de criatividade e interatividade mental — é ali que sua mente cria movimentos, ações, sons, cheiros, atmosferas, entre outras coisas que não aparecem no texto e nos desenhos.

Quando estiver melhor habituado com isso, siga em frente, não tenha medo de buscar coisas que você inicialmente não entende, afinal, a jornada de aprendizado e descoberta é eterna na Nona Arte.

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Quadrinhos não são apenas para crianças

Você possivelmente aprendeu a ler com alguma cartilha, algo amigável com textos e ilustrações. Mas você continua lendo Caminho Suave depois de adulto? Ou fica preso somente em histórias criadas especificamente para o público infantil? Pois é, tem HQs que servem para todas as idades, e outras que exigem mais maturidade.

Em muitos casos, há até edições que “mudam” de acordo com o momento em que você vive, como é o caso de Sandman. A obra-prima de Neil Gaiman tem um volume muito diferente um do outro, e você possivelmente não vai gostar dessa mudança de tom quando passar de um arco para o outro. Contudo, esse desafio é proposital, pois o autor sempre quis que o leitor se sentisse um pouco perdido, em uma jornada em que nenhuma resposta é fácil — até fiz um guia de com ler toda a história do Mestre dos Sonhos.

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A conclusão da trajetória de Morpheus termina dois volumes antes do final da publicação, em um arco bastante extenso, que reúne todas as peças e elementos aparentemente jogados ao vento por Gaiman. Tudo é tão desgastante, divertido, dramático, aterrorizante e misterioso quanto satisfatório e emocionante — assim como as melhores coisas da vida.

Permita-se comprar revistas aleatórias e deixe de perseguir respostas imediatas

Se você quiser realmente se perder um pouco para se encontrar depois, basta ir na banca mais próxima e comprar o primeiro gibi que você encontrar. Lembra o que eu disse no primeiro parágrafo, sobre a(s) resposta(s) para a pergunta no título desta matéria?

Pois bem: não há soluções certas ou melhores para dizer como começar a ler quadrinhos, até porque, os questionamentos são inerentes ao grande charme da Nona Arte. As respostas não são tão importantes quando você está com um gibi nas mãos.

A jornada aqui gira em torno da busca por perguntas relevantes, como a que tenho para você agora: não seria mais fácil se todo mundo que já tem vários gibis em casa desse um para quem quer começar a ler quadrinhos?