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Conheça o manifesto de Michael Chabon que destrói HQs ruins

Por| 01 de Julho de 2023 às 21h10

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Dark Horse
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No começo dos anos 2000, a indústria dos quadrinhos vivia um momento de incerteza e preocupação. A chegada de vários dispositivos tecnológicos, o desespero de uma possível canibalização digital dos meios impressos e a falta de renovação de leitores assustava as editoras e causava calafrios nos executivos que temiam a falência. Eis que, em um cenário com gibis com tramas que enterravam o que realmente importava, Michael Chabon surgiu para resgatar a riqueza de espírito e o que separa uma HQ de verdade de um apanhado de letras e desenhos vomitados em páginas desprezíveis.

Os anos 1990 foram terríveis para a Marvel Comics e a DC Comics, e a chegada de vários produtos tecnológicos destinados para o mesmo público-alvo, como telefones celulares, iPods, games mais bem elaborados, conteúdo de internet, entre outros, representava uma ameaça para os quadrinhos de super-heróis, que vendiam cada vez menos. E a maior preocupação das editoras era ver os leitores veteranos abandonando os gibis e a audiência mais jovem sequer se interessando por HQs.

Eis que em 2004, Michael Chabon também se irritou com os diversos ensaios, reflexões e painéis discutindo o que as pessoas deveriam fazer ou como as HQs deveriam ser. Ele aproveitou sua participação no Eisner Awards, o “Oscar dos quadrinhos”, para calar os pretensiosos intelectualóides e arrancar aplausos com um manifesto que trouxe de volta os verdadeiros valores da arte sequencial.

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Ok, mas quem é Michael Chabon?

Michael Chabon, mestre em escrita criativa pela Universidade da Califórnia, escreveu vários livros de sucesso, entre os quais sua obra-prima é As Incríveis Aventuras de Kavalier e Clay. Esta publicação, baseada na curiosa carreira de ilusionista e escapista do desenhista Jim Steranko, artista que desafiou os limites da imaginação em sua fase setentista à frente da revista de Nick Fury e da S.H.I.E.L.D., conquistou Prêmio Pulitzer de 2001.

Chabon também foi roteirista de quadrinhos, com as aventuras do Escapista, derivado de seu livro; e escreveu roteiros para o cinema, a exemplo do texto de Homem-Aranha 2, de Sam Raimi. Posteriormente, também trabalhou no New York Times e sempre foi engajado com as causas judaicas.

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O que é o manifesto de Michael Chabon?

O texto inspirador de Chabon, sobre as reais razões pelas quais os leitores mais velhos desistiram de ler quadrinhos e os mais jovens sequer se interessavam, demoliu a culpa que as editoras atribuíram à competição de consumo com as novas tecnologias. A verdade é que, no começo dos anos 2000, tanto a Marvel quanto a DC já vinham desrespeitando seus fãs e oferecendo HQs nojentas durante mais de uma década.

A partir de agora, aumente a música que mais te inspira, leia o manifesto na íntegra, e nunca se esqueça dessas palavras de Michael Chabon, que repudia quem subestima os jovens leitores e resgata até hoje a riqueza de espírito, o poder da imaginação e a verdadeira razão pela qual as boas histórias movem a humanidade desde a primeira vez que um monte de homens das cavernas se juntou em torno de uma fogueira para compartilhar sonhos que não cabiam dentro deles.

“Muitos editores dirão a você que há muita competição pelo dinheiro pueril hoje em dia, e que os quadrinhos inevitavelmente perderão para videogames, filmes carregados de efeitos especiais, Internet etc. Sinto muito, embora haja certa verdade nessa afirmação, eu simplesmente não a aceito.

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Acho que é uma desculpa insatisfatória. E acho que é típico de nossa estranha ingenuidade pensarmos o quão sofisticados somos perante nossos pais e avós, com esse senso de superioridade retrospectiva que tendemos a exibir em relação a eles e o desaparecimento de seus mundos, como se nunca tivesse existido toneladas de outras coisas legais para uma criança gastar seu tempo e dinheiro além de histórias em quadrinhos.

Nos primórdios dos quadrinhos, de fato, ao contrário de agora, havia todo tipo de coisa para fazer, que, além de divertir, não exigia a supervisão de um adulto e era absolutamente gratuita. E não há competição com o que é de graça.

Então, como podemos fazer ótimas histórias em quadrinhos para crianças? Acho que tenho uma sugestão concreta a esse respeito, que abordarei em um minuto. Primeiro, tenho alguns princípios gerais. Extraí esses princípios de parte de minhas memórias dos gibis que adorava quando era jovem. E acho que valem também para as melhores e mais bem-sucedidas obras de literatura infantil.

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1. Não vamos contar histórias que achamos que as “crianças de hoje” possam gostar. Esse é um caminho para um inevitável fracasso, e possivelmente para a perda da sanidade. Devemos contar histórias que teríamos gostado quando crianças. Finais com reviravoltas, a utilidade inesperada do conhecimento improvável, nobreza e bravura onde menos se espera, e o surgimento repentino de um lampejo de bondade em uma natureza perversa — esse foi o tipo de história contada pelos escritores e artistas dos quadrinhos que eu apreciava. Os dois primeiros, de um modo geral, você costumava encontrar com mais frequência na DC; os outros dois na Marvel.

2. Vamos contar histórias que, ao longo do tempo, constróem uma mitologia intrincada, envolvente; mas também acessível e compreensível em qualquer ponto de entrada. A complexidade, o acréscimo de conhecimento no decorrer dos anos deve ser tanto inventivo quanto familiar, fundamentado em velhas mitologias e medos, mas totalmente reinterpretado, reimaginado. Vai exigir, vai doer, ser dominado pela maestria da mitologia criativa de uma criança.

A acessibilidade virá do nosso compromisso de contar uma história completa, ou parcialmente, em cada edição. Esse tipo de camadas de conhecimento intrincado e integridade narrativa foi uma marca registrada dos grandes livros da família do Superman. Acho que é uma característica compartilhada também pelos livros de Potter, Lemony Snicket e muitos outros.

3. Vamos cultivar uma incansável prontidão como contadores de histórias no papel de reproduzir as mesmas narrativas com interminável enriquecimento. Qualquer um que pense que as crianças ficam entediadas ouvindo a mesma coisa repetidamente nunca dedicou tempo contando histórias para jovens.

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A chave, como na música barroca, é a repetição com variação. Mais uma vez, os livros do Superman editados por Mort Weisinger, escritos por incansáveis contadores de histórias como Edmond Hamilton e Otto Binder, foram exemplares a esse respeito. A proliferação de tema e variação beira, às vezes, um esplêndido e puro devaneio.

4. Vamos ‘explodir suas mentes’. Tudo o que Hollywood parece ensinar somente com sequências de ação, coisas eclodindo, emocionantes paisagens planetárias e uma estrondosa e bárbara velocidade, não causam erupção mental. Embora sejam coisas benéficas, uma mente realmente 'explode' quando algo que você sempre temeu, mas sabia ser impossível, acaba sendo verdade; ou quando mundo se revela muito mais vasto, maravilhoso ou malévolo do que você jamais sonhou; ou quando você obtém a prova de que tudo está conectado a tudo mais; que tudo o que você sabe está errado, que você é o centro do universo e uma pequena partícula flutuando em sua camada inferior.

Ok, agora chegamos à minha única sugestão concreta. Se parece um pouco óbvio, ou já foi tentado, perdoe-me. Mas não posso deixar de notar que, no mundo da literatura infantil, há um esmagador e avassalador predomínio de tramas sobre crianças. O mesmo vale para os filmes infantis: os personagens centrais são quase sempre uma criança, um casal ou um grupo de crianças.

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As histórias em quadrinhos, porém, mesmo aquelas teoricamente voltadas para o público infantil, são quase sempre sobre adultos, ou adolescentes. Isso não lhe parece estranho? Talvez alguém devesse tentar lançar uma HQ verdadeiramente emocionante, honestamente observada e lembrada, ricamente imaginada, envolvente e ainda narrativamente direta para crianças, sobre crianças.

Isso resume o tipo de narrativa que quero apoiar. Vamos explodir suas mentes…” — Michael Chabon.