Batman RIP: a história mais bizarra e lisérgica do Cavaleiro das Trevas
Por Claudio Yuge |
Quem conhece o escritor britânico Grant Morrison, sabe que suas tramas costumam sair do lugar-comum, sejam por conta do estilo da narrativa, de perspectivas incomuns em estudos de personagens, de propostas que vão além das próprias limitações da linguagem dos quadrinhos ou devido à própria pegada diferentona nos enredos. E um de seus arcos na revista mensal do Homem-Morcego teve quase tudo isso: Batman RIP é, até hoje, uma das mais macabras fases do Cavaleiro das Trevas.
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Só para contextualizar, Morrison assumiu o título mensal Batman em 2006, quando também foi designado pela direção da DC Comics para reformular o Multiverso com as 52 Terras da editora na época. E o cantinho do Cavaleiro das Trevas foi todo revisado pelo autor, que é meticuloso e costuma fazer uma enorme pesquisa ao assumir personagens famosos.
O resultado foi uma fase com histórias provocativas, que brincavam com o passado e o próprio conceito do Batman. Sua série de suspense psicológico evocou os principais momentos de toda a trajetória de Bruce Wayne, incluindo algumas passagens obscuras e coadjuvantes esquecidos, que acabaram ganhando força em uma narrativa bastante densa e complexa.
Batman RIP acontece depois que o filho de Bruce Wayne, Damian Wayne, assume como Robin; e pouco antes da saga Crise Final, em que Bruce é dado como morto. Em Crise Final, vemos Bruce se sacrificando na luta contra Darkseid, enquanto em Batman RIP vemos tudo o que cerca o herói, incluindo sua própria mente, sendo destruído — ambas as tramas faziam parte de um reboot do Cavaleiro das Trevas, já que a linha editorial do Homem-Morcego estava prestes a iniciar um novo capítulo na DC Comics.
O arco foi lançado em seis partes, com desenhos de Tony Daniel, entre as edições 676 e 681 de Batman. Veja abaixo um resumo de uma das mais enigmáticas e insanas histórias do Homem-Morcego.
O caminho para Batman RIP
Em 2006, após a saga Crise Infinita, um Batman impostor atirou na cabeça do Coringa, que, mesmo ferido mortalmente, sobreviveu ao incidente. Contudo, sua sanidade ficou ainda mais abalada, levando o Palhaço do Crime a se tornar ainda mais violento. Enquanto isso, Bruce Wayne tinha que lidar com a descoberta de que Damian, seu filho com Talia al Ghul, havia sido treinado pela Liga dos Assassinos para se tornar um guerreiro tão formidável quanto o pai, mesmo ainda muito jovem.
Vale destacar aqui que Damian somente havia sido citado anteriormente na edição especial Batman — O Filho do Demônio, em uma trama lançada em 1987 e que, até então, era considerada de uma realidade alternativa. Assim, com a introdução do menino no título mensal de Batman em 2006, Morrison trouxe o personagem para a continuidade oficial da DC Comics.
Durante as edições dessa época, Morrison trouxe de volta vários elementos e personagens que fizeram parte de décadas de publicação da revista mensal Batman. Muitos deles se reuniram na Corporação Batman, uma espécie de superequipe com versões “localizadas” do Homem-Morcego de diferentes partes do mundo.
Pois bem, esse grupo cafona é atacado por outra equipe sombria de supervilões chamada de Luva Negra, sob o comando de um tal de Doutor Simon Hurt. O médico, que teria conduzido um experimento com Batman no início de sua carreira no combate ao crime, mais tarde afirma ser Thomas Wayne, seu próprio pai — o que não era verdade.
E as coisas ficam ainda mais esquisitas, acompanhe.
O que aconteceu em Batman RIP?
A Luva Negra ataca toda a BatFamília, incluindo a nova namorada de Bruce Wayne, Jezebel Jet, que é sequestrada. Damian Wayne quase morre, Asa Noturna é lobotomizado e, em meio a tudo isso, os vilões invadem a BatCaverna e injetam poderosos alucinógenos em Bruce, que só não morre de insanidade pelas ruas de Gotham City porque o herói usa uma “persona backup”, chamada de Batman Zur-En-Arrh. Essa versão de sua personalidade foi preparada pelo próprio Homem-Morcego para o caso de um dia ele se desligasse de sua mente — calma que fica mais bizarro.
Vale destacar que a presença de Zur-En-Arrh é uma brincadeira de Morrison com a própria mitologia do Batman, pois esse personagem apareceu em Batman #113, de 1958. Ele era um alienígena do planeta Zur-En-Arrh que, ao observar o herói da Terra por meio de um potente telescópio, virou seu fã e decidiu imitar o Homem-Morcego, combatendo o crime com uma versão brega do uniforme do Cavaleiro das Trevas — tudo isso com o Batman Mirim (ou Bat-Mite) “conversando” com Wayne em suas viagens lisérgicas.
Pois bem, o Batman de Zur-En-Arrh é uma versão muito mais doida e violenta do Homem-Morcego, que, aos trancos e barrancos, consegue sobreviver e chegar até o Coringa e Jezebel Jet. Bruce é traído por Jezebel, que recita a misteriosa frase Zur-En-Arrh e faz com que o herói desmaie. Ficamos sabendo, então, que essas palavras são gatilhos mentais inseridos há anos pelo Dr. Hurt, justamente para que Bruce ficasse incapacitado ao ouvi-las. Em seguida, o Coringa entrega Batman à Luva Negra.
Dr. Hurt revela que há anos conhece a família Wayne e nutre um ódio pessoal profundo por Bruce. Ele chega a sugerir que, na verdade, Alfred seria o pai de Bruce, pois o casal Wayne, de tanto se afundar em festinhas hedonistas com álcool e drogas, teria perdido o controle e a noção de quem seria a pessoa com quem Martha se relacionou para conceber Bruce — como dá para notar, essa é realmente uma das histórias mais bizarras e macabras do Batman.
Para completar o Dr. Hurt enterra Bruce vivo, com o objetivo de deixá-lo à beira da morte, o suficiente para que seu cérebro parasse de receber oxigênio e ele vivesse eternamente como um vegetal. Eis que a Corporação Batman aparece, assim como a BatFamília, e Batman consegue escapar. No final, Bruce some com o Dr. Hurt na queda de um helicóptero.
O que aconteceu depois de Batman RIP
Assim que Batman desaparece, Asa Noturna reclama para si o traje do Batman e se torna o novo Cavaleiro das Trevas de Gotham City, ao lado do Robin Damian Wayne — o que rendeu uma dinâmica bastante diferente e interessante à tradicional dupla, já que Dick Grayson nunca se dava muito bem com o temperamental Menino Prodígio da vez.
Posteriormente, foi revelado que Bruce sobreviveu ao acidente de helicóptero, contudo, os eventos da saga Crise Final o deixaram tão ocupado que não houve tempo para a BatFamília saber disso — na verdade, vamos colocar esse desencontro na conta de problemas editoriais da agenda de lançamentos da DC.
Em Crise Final, Bruce acaba sendo levado ao passado, após se atingido pelos Raios Ômega de Darkseid. Em sua ausência, a DC aproveita para mostrar, mais uma vez, como o Batman faz falta em Gotham City e na Liga da Justiça. Claro que ele voltou algum tempo depois.
E, assim, a DC também aproveitou para atualizar o personagem, bem como seus coadjuvantes e vilões, antes da chegada da saga Ponto de Ignição e dos Novos 52, que mudaram a editora durante algumas temporadas durante o início dos anos 2010. E, bem, até hoje tem gente que não entendeu direito ou tem calafrios de lembrar de Batman RIP.