Motorista de aplicativo pode cobrar a mais pelo ar-condicionado?
Por Felipe Demartini • Editado por Douglas Ciriaco |
As ondas de calor extremo em todo o Brasil levaram a um fenômeno curioso no transporte de aplicativos, com motoristas cobrando a mais pelo uso do ar-condicionado. As taxas extras aparecem principalmente nas modalidades mais baratas de corridas, como UberX e 99Pop, com pagamento em dinheiro ou via Pix, fora dos próprios apps.
Os valores variam; alguns relatos nas redes sociais indicam que motoristas pedem de R$ 4 a R$ 10 pelo uso do ar-condicionado em corridas de qualquer duração, enquanto outros preferem cobrar a partir de R$ 0,50 por quilômetro rodado, com taxa mínima. Enquanto isso, se acumulam nas redes reclamações sobre a taxa extra, que normalmente é informada em um aviso dentro dos próprios carros.
Alguns motoristas alegam não serem obrigados a ligar o resfriamento em corridas de categorias mais baratas por indicação dos próprios aplicativos. Outros deixam claro que o ar-condicionado somente será ativado nas opções mais caras, em que essa opção é mostrada aos passageiros antes mesmo da conexão a um motorista parceiro.
Isso quando os motoristas simplesmente se negam a ligar o ar, mesmo a pedido dos passageiros. Seja qual for a alternativa, o resultado é desconforto e eventuais desentendimentos durante as corridas, em uma situação desagradável pela qual nenhum dos envolvidos deseja passar.
Regras sobre ar-condicionado não são diretas
As plataformas de transporte não têm regras diretas em relação ao uso ou não do ar-condicionado durante as corridas. Entretanto, opções como Uber Black ou Comfort, por exemplo, permitem selecionar algumas preferências como bagagem, conversa e a temperatura do veículo antes mesmo de um motorista ser acionado. Entretanto, o mesmo não vale para o 99Plus, que não exibe opções do tipo no momento da chamada.
99
Em contato com o Canaltech, a 99 indicou que o uso ou não do ar-condicionado deve ser combinado entre motorista e passageiro durante a viagem. A empresa não comentou sobre eventuais sanções a motoristas que realizarem a cobrança por fora, confira a Íntegra:
A 99 informa que a utilização ou não do ar-condicionado deve ser combinada entre motorista parceiro e passageiro para que a viagem ocorra de forma confortável para ambos.
A empresa reforça, ainda, que o bom senso, respeito, empatia e gentileza são fundamentais para que a experiência do passageiro e do motorista parceiro seja a melhor possível. Após a viagem, tanto os condutores quanto passageiros são incentivados a avaliar suas corridas, podendo registrar eventuais ocorrências. Mais orientações estão disponíveis no Guia da Comunidade 99.
inDrive
A inDrive tem posicionamento semelhante e sugere o diálogo. A empresa afirmou que a missão dos motoristas é levar os passageiros de forma segura e confortável, o que inclui questões práticas durante a corrida, e lembrou que valores também são definidos entre eles. Leia o posicionamento da empresa:
Os motoristas da plataforma não são colaboradores da empresa, mas sim parceiros de negócios. O parceiro no caso é um prestador de serviços que, por meio da plataforma (que é responsável somente por conectar demanda e oferta) oferece serviços de carona. No sistema da inDrive, nem mesmo o preço da viagem é definido pela plataforma, pois ele ocorre exclusivamente entre motorista e passageiro. Portanto, os termos da viagem também dizem respeito a ambos.
Pelas regras de uso do aplicativo, fica explícito aos motoristas que a maior missão é levar passageiros do ponto A ao ponto B de forma segura e confortável. Assim, ele (motorista) deve se atentar a algumas demandas que dizem respeito a esta confortabilidade a ser oferecida. Mas, ainda assim, sugerimos que questões práticas durante a corrida sejam alinhadas entre as partes previamente, para benefício de ambos. O papel da empresa neste momento é mediar e educar os dois lados para que, sempre, possam aproveitar ao máximo suas viagens.
Uber
Em retorno à reportagem, a Uber disse que não realizar orientações sobre o uso ou não do ar-condicionado em qualquer modalidade. Segundo a empresa, o item é requisito para o cadastro de automóveis no serviço em todas as categorias, mas "não existe obrigatoriedade nem proibição" de seu uso durante as viagens.
A empresa reforçou que cobranças adicionais, realizadas fora da plataforma, não devem ser aceitas pelos usuários e representam violação das regras do app, que podem levar à desativação da conta do motorista. A recomendação é que a temperatura do veículo, assim como a música, sejam combinadas mutuamente.
Confira a íntegra da nota enviada ao CT:
A Uber esclarece serem inverídicas mensagens que afirmam ser orientação da empresa a proibição do uso de ar-condicionado em viagens, em qualquer modalidade. Cobranças adicionais realizadas fora da plataforma da Uber não devem ser aceitas por usuários, pois representam violação às regras de segurança do Código da Comunidade Uber e podem levar à desativação da conta do motorista parceiro envolvido.
O ar-condicionado faz parte dos requisitos para o cadastro de automóveis na plataforma da Uber, em todas as modalidades de viagens (UberX, Comfort, Black etc.). Entretanto, não existe obrigatoriedade nem proibição, por parte da Uber, de seu uso durante as viagens, independentemente da modalidade. A temperatura do veículo, assim como outros aspectos como rádio/música, fazem parte das preferências de viagem que podem ser combinadas mutuamente entre o motorista parceiro e o usuário para uma viagem confortável para todos.
Informações complementares:
Tanto o parceiro quanto o usuário podem cancelar uma viagem e reportar ao suporte caso não se sintam confortáveis com alguma situação, e também contamos com o sistema de avaliação mútua em que a experiência em cada viagem pode ser avaliada por ambas as partes, com o objetivo de tornar as viagens cada vez melhores para toda a comunidade.
É importante reforçar que o Código da Comunidade Uber estabelece que o motorista parceiro deve realizar manutenção para garantir as condições de funcionamento de todos os itens do veículo, incluindo aqueles exigidos pela legislação.
Durante o período da pandemia de Covid-19, especificamente, a Uber implementou uma política de segurança, baseada nas orientações da Organização Mundial da Saúde, que recomendava desligar o ar-condicionado e abrir as janelas do carro para melhor ventilação durante as viagens. Essa política foi posteriormente revisada conforme a atualização das diretrizes pelas autoridades de cada local, e encerrada definitivamente quando a OMS declarou o fim da emergência de saúde pública.
Baixo valor de corridas motiva cobrança extra
A principal preocupação dos motoristas, que levou à cobrança de taxas extras, é o gasto adicional de combustível, especialmente nos dias mais quentes ou com múltiplos passageiros no carro. Acima disso, estaria a baixa remuneração, principalmente em corridas mais curtas realizadas em grandes cidades através das categorias mais baratas dos aplicativos.
“Com o passar dos anos, os apps começaram a arrochar os pagamentos. A transferência de dinheiro para o motorista é menor e leva a economias como essa”, explica o vereador de São Paulo (SP) Marlon Luz (MDB), que também é criador de conteúdo especializado no transporte por aplicativo. Diante disso, ele considera justa a cobrança adicional pelo uso do ar-condicionado.
Nem sempre foi assim, entretanto. Luz lembra que, em 2015, quando começou como motorista, o uso do ar-condicionado nem mesmo era uma questão. O item permanecia ligado em todas as corridas, pois, segundo ele, os valores pagos pelas plataformas compensavam o uso do resfriamento.
“Hoje, o problema é tão grande que alguns motoristas começam a ter que deixar de lado até a manutenção do carro”, complementa o vereador. “A situação é de preços muito baixos [para corridas], margens de lucro altas para os apps, motoristas recebendo pouco e passageiros sem segurança e conforto.”
Luz também reforça que as regras dos aplicativos não obrigam o uso do ar-condicionado, ainda que o item seja requisito para cadastro nas plataformas. Sendo assim, aponta ele, nenhum motorista deve ser banido da plataforma por deixar de ligar o resfriamento durante as corridas.
Ar-condicionado e o gasto de combustível
Durante o uso, entre dois e três cavalos de potência são “cedidos” para o ar-condicionado, o que significa que o veículo precisará de mais potência para alcançar a velocidade desejada pelo motorista. O gasto de combustível, em si, depende do compressor e também do motor do carro, mas de maneira geral, dá sim para afirmar que o resfriamento resulta em maior consumo.
Dias mais quentes exigem mais energia para baixar a temperatura, enquanto veículos menores e menos potentes — justamente aqueles mais comuns nas categorias mais baratas dos apps — gastam mais. Em alguns casos, o aumento no consumo de combustível pode chegar a até 10%.
Por outro lado, existem situações em que o uso do ar-condicionado pode até economizar combustível. Em rodovias, um carro com os vidros abertos tem maior arrasto aerodinâmico e, por isso, precisa de mais potência para ganhar velocidade. A manutenção periódica do sistema, com limpeza e troca de filtros, também ajuda na economia.