Milhões de anos de mudanças naturais estão acontecendo em alguns séculos
Por Wyllian Torres • Editado por Patricia Gnipper |
Os estudos sobre o clima antigo da Terra podem ampliar nossa compreensão sobre atuais mudanças climáticas. Mais do que isto, este conhecimento permite refinar e calibrar os atuais modelos e, assim, realizar melhores previsões, bem como avaliar o impacto das atividades humanas. Um exemplo disso é o 6º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, que revelou como a humanidade comprimiu milhões de anos de mudanças naturais em apenas alguns séculos.
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Publicado em agosto deste ano, o Sexto Relatório de Avaliação (AR6) apresentou uma extensa revisão de mais de 14 mil pesquisas climáticas realizadas ao longo dos últimos anos. A partir de medições climáticas passadas, os cientistas conseguiram aprimorar suas atuais projeções — fundamentais para nos prepararmos para o que está por vir.
Tais mudanças no passado da Terra estão registradas em afloramentos rochosos, sedimentos do fundo de oceanos e lagos, nas camadas de gelo polar, bem como em registros mais “recentes”, como os anéis de árvores e corais. Com base nisso, o IPCC descobriu que a temperatura global é a mais alta em qualquer momento dos últimos 120.000 anos — 1,1 °C acima da média anterior à Revolução Industrial.
A última vez em que a Terra esteve tão aquecida como hoje foi cerca de 125.000 anos atrás. No entanto, ao contrário do atual cenário, o calor daquela época não foi impulsionado pela emissão de CO2, mas por mudanças na órbita do planeta e em seu eixo de rotação. O relatório também aponta para a taxa de aquecimento atual, considerada a mais rápida nos últimos 2.000 anos — talvez, até mais do que isso.
Pequenas bolhas de gás armazenadas nas camadas de gelo da Antártida fornecem evidências de concentrações de CO2 atmosféricos até 800.000 anos atrás. Outra maneira de estimar este nível é a partir de microfósseis encontrados nos sedimentos do fundo do mar. Todos estes dados revelaram que a atual concentração de CO2, estimada em 415 partes por milhão, é a maior dos últimos 2 milhões de anos — antes da industrialização, era de 280 ppm.
O estudo afirma que a atual taxa de gases de efeito estufa, como o metano e óxido nitroso, é a maior dos últimos 800.000 anos, e a área de gelo do mar Ártico no final do verão é a menor do que em qualquer momento nos últimos 1.000 anos. Já o recuo das geleiras está em níveis sem precedentes em pelo menos 2.000 anos, enquanto o nível do mar sobe cada vez mais rapidamente do que nos últimos 3.000 anos. Ainda, há a questão da acidez dos oceanos, que nunca estiveram tão ácidos nos últimos 2 milhões de anos.
Registros passados para previsões apuradas
Esta é a primeira vez que um relatório do IPCC baseia suas revisões em estudos do passado climático da Terra. Até então, as projeções eram obtidas apenas pela média dos resultados de todos os modelos climáticos. Para o novo documento, as projeções de temperatura, precipitação e nível do mar foram baseadas nas mudanças climáticas passadas conhecidas.
Para isto, os pesquisadores utilizam a “sensibilidade climática” de cada um dos modelos, que basicamente mede o quanto o clima aquece conforme o CO2 atmosférico dobra. O valor mais apurado desta sensibilidade vem de registros passados, quando as mudanças da temperatura global eram impulsionadas por alterações naturais de CO2, como as erupções vulcânicas.
Portanto, a combinação de estimativas de CO2 e temperaturas antigas fornecem um valor mais “correto” sobre esta sensibilidade climática, a qual é fundamental para refinar as atuais projeções. De todo modo, é inquestionável que as mudanças recentes no sistema terrestre não têm precedentes em milhões ou em pelo menos vários milhares de anos, reforçando o impacto humano negativo sobre a Terra.
O atual desafio é não apenas limitar as emissões de gases de efeito estufa, mas zerá-las. Só assim teremos alguma chance de evitar um cenário catastrófico. Espera-se que as lideranças mundiais reunidas na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasglow, entendam a gravidade destas informações e enfrentem as mudanças climáticas de frente.
Fonte: ScienceAlert, The Conversation