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Como ficam as mensalidades escolares durante a pandemia da Covid-19?

Por| 13 de Maio de 2020 às 20h00

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Com coautoria de Douglas Menezes*

A Covid-19 trouxe imensos desafios às mais diversas áreas, especialmente às relações de consumo, haja vista que as medidas do Governo para o enfrentamento da pandemia resultaram no impedimento da execução total ou parcial dos contratos, o que fatalmente vem afetando todos os envolvidos na relação consumerista.

Na educação os impactos não são diferentes, pois, dentre as medidas tomadas para o combate da pandemia, o isolamento social resultou no fechamento de escolas, faculdades e cursos em geral, deixando estudantes de todo o país sem saber quais são seus direitos e obrigações perante os estabelecimentos de ensino, afinal, trata-se de um cenário grave, sem qualquer precedente.

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Todavia, embora o Direito não tenha respostas para todas as perguntas que diariamente surgem em decorrência desse cenário atípico, por certo que possui função relevante na busca da pacificação social e do equilíbrio de interesses.

O que dizem os órgãos de proteção aos interesses dos consumidores

A orientação dos órgãos de proteção do consumidor, de maneira geral, é que as mensalidades nas escolas particulares continuem a ser pagas regularmente durante a pandemia, inclusive sem solicitações de reembolso, descontos ou cancelamentos dos pagamentos ao longo da quarentena.

O propósito desta orientação é assegurar o cumprimento dos contratos e proteger os fornecedores (estabelecimentos de ensino), evitando-se seu fechamento e, sobretudo, preservando os empregos e os salários dos funcionários destas instituições.

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O que diz o Procon de São Paulo

O número crescente de demandas e reclamações de pais e alunos que não conseguiram negociar com as escolas fizeram com que o Procon-SP adotasse uma postura mais agressiva por meio de nota técnica, no dia 7 deste mês, estabelecendo diretrizes mais rígidas em proteção aos consumidores para negociação com as instituições de ensino. Após a publicação da nota técnica, as instituições de ensino firmaram um acordo com o Procon-SP intermediado pelo sindicato da categoria (SIEEESP – Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de SP), com seguinte teor:

1) As instituições de ensino, a partir de abril de 2020, devem suspender imediatamente as cobranças de qualquer valor complementar ao da mensalidade escolar, tais como alimentação, atividades extracurriculares, passeios, academia, serviço de transporte oferecido pela instituição de ensino, entre outros. Caso esses valores já tenham sido pagos no referido período, devem ser descontados na mensalidade subsequente.

 2) A instituição de ensino deve disponibilizar ao menos um canal de atendimento ao consumidor para tratar das questões financeiras e comunicar a existência desse canal a todos os seus consumidores, através de qualquer meio tecnológico possível. 

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3) Os consumidores têm direito à celeridade no atendimento de suas demandas, bem como à análise de sua situação contratual de inadimplência, devendo a instituição negociar alternativas para o pagamento, como, por exemplo, maior número de parcelas ou desconto no valor das mensalidades. Nas negociações individuais é requisito essencial a boa-fé e transparência. 

4) O consumidor somente poderá recusar o ensino à distância na hipótese de não possuir infraestrutura, como tablet, computador ou celular com acesso à Internet, devendo, nesse caso a instituição apresentar como alternativa, o respectivo plano de reposição de aulas para o aluno.

 5) A instituição de ensino não pode se recusar a atender, nem postergar por mais de uma semana a partir da solicitação do atendimento, nem exigir documentos como condição para a negociação visando à concessão de desconto ou parcelamento. A exigência de qualquer documento como condição equivale à recusa em negociar. É condição dessa negociação o encontro de uma solução em comum acordo para evitar o inadimplemento ou endividamento dos pais ou alunos solicitantes do auxílio. 

6) A recusa no atendimento, seja pela sua postergação além do prazo de uma semana previsto no item anterior, seja pela exigência de documentação como condição para a negociação, seja pela negativa expressa, caracteriza prática abusiva, nos termos do art. 39, caput e inciso V, do Código de Defesa do Consumidor. Durante a negociação as partes poderão exigir somente os documentos estritamente necessários que comprovem a falta de condição de pagamento, vedada a exigência de documentos cobertos pelo sigilo fiscal e bancário e devendo ser levada em conta a verossimilhança da alegação do consumidor, nos termos do art. 6, VIII, do CDC. 

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7) Na hipótese de não haver acordo, o Procon/SP assumirá a mediação, bem como poderá instaurar procedimento administrativo para apurar prática abusiva prevista no CDC, art. 39, V, sem prejuízo da apuração pelo Sindicato respectivo. 

8) As instituições de ensino comprometem-se a cadastrar e/ou manter o seu cadastro atualizado na Diretoria de Atendimento e Orientação do Procon-SP, o que pode ser feito através do e-mail: cadastro.fornecedor@procon.sp.go.

O não atendimento dessas diretrizes implicará na abertura de processo administrativo contra a instituição particular de ensino infantil, fundamental ou médio, no qual o Procon/SP poderá ser exigir planilha de custos da instituição, e, ao final, aplicada multa administrativa.

O que dizem os consumidores e os fornecedores quanto ao valor das mensalidades

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Para os consumidores, a resposta é clara! Deve haver descontos diante da suspensão das atividades presenciais nas escolas, haja vista que os serviços não estão sendo prestados na modalidade contratada (presencial), bem como, por conta da redução dos custos com suspensões de contratos, diminuição do consumo de energia, água, alimentos, suprimentos, cortes de fornecedores, dentre outros fatores.

Em contrapartida, os fornecedores alegam que o valor da mensalidade deve ser mantido, tendo como argumento o alto investimento em tecnologia para fornecer as aulas à distância. Ademais, os custos com infraestrutura são fixos, a economia proveniente da redução de energia, água e certos insumos é irrisória. Sem se falar na tentativa de manter o quadro de colaboradores.

O que prevê nosso ordenamento jurídico?

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Para que consigamos abordar a relação de consumo educacional, inicialmente temos que nos atentar em qual fase de ensino o estudante se encontra. Se cursando o Ensino Fundamental ou Médio, ou ainda a Educação Infantil, compreendida entre 0 e 5 anos, a qual muito difere do Ensino Fundamental e do Ensino Médio já que para as crianças do infantil, pela lei, não há previsão para a modalidade de Educação a Distância (EAD).

Desse modo, para a educação básica de nível infantil, em creche e pré-escola, a solução é mais complicada, especialmente para os fornecedores, pois, não sendo possível prestar o serviço na forma remota (EAD), eis que a educação presencial é indispensável para essa faixa etária, é cabível a suspensão (até o fim da quarentena) ou até mesmo a rescisão  do contrato de prestação de serviço, haja vista que tal medida inviabiliza a execução integral do serviço contratado.

Com isso, os fornecedores da educação infantil devem procurar a negociação e o diálogo com os pais visando a manutenção dos contratos, como também oferecer reposição presencial e desconto.

Com relação ao ensino fundamental e médio, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê a possibilidade de ensino a distância. Assim, as instituições de ensino podem se adaptar e fornecer pelo mundo virtual o chamado EAD, não havendo que se falar em suspensão do contrato.

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A impossibilidade de suspensão do contrato não significa dizer que valores contratados devem ser mantidos, sendo necessário analisar se o serviço ofertado teve diminuição da quantidade e qualidade contratadas.

Constatada a diminuição da quantidade ou da qualidade, há motivos suficientes para a revisão da mensalidade, de modo a readequá-la ao fornecimento apresentado, em razão de fatos posteriores ao momento do contrato terem-no tornado oneroso (art. 6, V, do Código de Defesa do Consumidor).

O argumento dos fornecedores de manter as mensalidades sem desconto por terem investido em tecnologia nada mais é do que escolha do próprio fornecedor para não ter seu contrato rescindido, vez que a contratação termina pelo inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuidade do que fora pactuado por motivo de força maior (art. 607, do Código Civil).

Ainda, cumpre informar que o consumidor não pode ser penalizado com multa prevista em contrato no caso de optar pela rescisão do contrato por não ter dado causa à impossibilidade de prestação dos serviços (art. 248, do Código Civil),  bem como não é obrigado a aceitar as imposições sem ter a oportunidade prévia de tomar conhecimento de seu conteúdo (art. 46, do Código de Defesa do Consumidor).

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Vale salientar que há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que buscam trazer uma solução única e específica diante da pandemia para regular as relações que envolvem a educação, mas que ainda não foram aprovados e convertidos em lei. Críticos a essa medida dizem que a fixação de um percentual único de desconto não é capaz de trazer o equilíbrio social almejado, tampouco proporcionar soluções adequadas para as mais diferentes instituições. Para eles, o resultado disso pode gerar mais problemas do que soluções.

Paralelamente, em São Paulo, o Governo adotará medidas para o retorno das escolas paralisadas a partir do mês de julho, de forma gradual e escalonada. Nesse contexto, algumas escolas particulares já estão optando por antecipar as férias nos meses de maio e junho.

Conclusão

O momento delicado que estamos enfrentando requer mais do que nunca que as relações de consumo sejam negociadas e pautadas nos pilares da boa-fé, da transparência e do bom senso, pois, ambos os lados estão sendo afetados diante desta situação inimaginável a que fomos submetidos.

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*Douglas Ferreira Menezes é advogado formado pela Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU) e atualmente trabalha no escritório Douglas Ribas Advogados Associados.