Review Trek to Yomi | Uma linda e repetitiva jornada até a escuridão
Por Felipe Demartini • Editado por Bruna Penilhas |
Trek to Yomi é um game de contrastes, com todos os perdões possíveis para a analogia ruim. É que não dá para não pensar desta maneira de um título que, à primeira vista, parece tão inspirado — e realmente é, principalmente no ponto de vista visual — e, ao mesmo tempo, acaba caindo em uma repetitividade simplória que ofusca a própria estrutura e tudo aquilo que a desenvolvedora Flying Wild Hog deseja apresentar de novo.
O ensejo da jornada de um samurai aos cantos mais escuros dos mitos japoneses, entrando em contato com as próprias fraquezas e vulnerabilidades, começa de um jeito esquisito. Enquanto a criança empunha a espada e vence combates contra os mesmos bandidos que, dali a alguns momentos, realizaram o clichê da morte do sábio mestre, nasce uma sensação esquisita de que tudo está sendo contado de uma forma meio torta.
O mesmo vale para o ato seguinte, com o protagonista Hiroki abandonando de forma displicente sua vila e descobrindo, da pior forma possível, algo que o jogador deve ter ficado pensando durante toda a jornada até a revelação. São quebras drásticas na imersão que acabam manchando uma história que demora para engrenar de verdade, ainda que traga aquele frescor que a Devolver Digital tanto gosta, assim como nós, os jogadores.
O contraste entre os clichês do começo desta história aparece rapidamente, já que a trama que vimos tantas vezes se desenrola em uma mistura belíssima de ângulos cinematográficos, elementos de teatro de sombras e a rica obra de Akira Kurosawa (Os Sete Samurais). Trek to Yomi não faz a menor questão de esconder ser uma homenagem ao diretor — pelo contrário, abraça essa tradição com muito carinho.
É um tipo de abordagem que destoa até mesmo do próprio gênero no qual o game se encaixa. Ainda que seja focado nos combates de espada, suas raízes estão no beat’em up, o que torna curiosa a ideia de que, em alguns momentos, protagonistas e inimigos aparecem de longe, até pequenos, diante de uma paisagem, templo ou praça de um vilarejo. É uma composição que ecoa ao crème de la crème do cinema e faz pensar em como seria se Kurosawa dirigisse um game diretamente.
Caminho até o submundo
A jornada de Hiroki é tortuosa e violenta; o segundo aspecto, pelas barbáries que encontra pelo caminho, e o primeiro, pela demora do game em efetivamente engrenar. Enquanto caminha em direção ao submundo, o Yomi do título e parte do folclore japonês, o jogador passa por combates quase sempre iguais, que envolvem a mesma rotina e uma ou outra variação.
A maior parte dos confrontos do título, com exceção dos chefes de fase e alguns inimigos de armadura ou que surgem mais adiante, podem ser resolvidos com uma sequência de defesa, dois ataques e repetição. Poucos oponentes têm padrões diferentes de ataque, e na maioria das vezes, eles envolvem uma finta antes do primeiro golpe ou uma sequência rápida de dois, que rapidamente podem ser entendidas pelo usuário e deixam de ser um desafio real muito rapidamente.
Existem alguns elementos que mudam um pouco as coisas, como diferentes rotas que escondem colecionáveis ou caminhos que podem dar uma vantagem especial contra grupos de oponentes. Não seguir por eles, porém, não causa tanta perda, já que eles normalmente atacam de forma individual ou em duplas, bastando que o usuário mantenha a calma e use os comandos simples de forma coordenada para vencer sem muita dificuldade.
A situação até muda na medida em que o protagonista vai avançando, mas como dito, a morosidade da jornada acaba sendo o maior inimigo de Hiroki. Enquanto o mundo vai se tornando mais sombrio e as criaturas vão aparecendo, o interesse também cresce, mas existem grandes possibilidades de o jogador perder o interesse antes de chegar no que realmente importa.
Trek to Yomi é belíssimo e se encaixa muito bem no portfólio de títulos inovadores que a Devolver Digital gosta de colocar no mercado. Visualmente, é como poucos, e artisticamente, uma joia rara que merece atenção, principalmente dos amantes de histórias de samurai, folclore e cultura japonesa.
Entretanto, fora disso, não tem como deixar de lado a impressão de que tudo o que está sendo apresentado já foi visto antes de forma melhor apresentada e, principalmente, mais instigante. Ao contrário de um filme, que os cineastas sempre preferem que sejam vistos de uma só vez, talvez a melhor forma de experienciar Trek to Yomi seja aos poucos e em pequenas doses, com a calma que os cenários transmitem e contra o senso de urgência que a trama tenta impor.
Trek to Yomi chega neste dia 5 de maio ao PC, Xbox One, Xbox Series X, Xbox Series S, PlayStation 4 e PlayStation 5. No Canaltech, o game foi analisado na versão PS5, em cópia digital gentilmente cedida pela Devolver Digital.