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O que é crunch? Entenda significado da prática nociva do mercado de games

Por| Editado por Bruna Penilhas | 08 de Julho de 2022 às 09h30

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Hello Lightbulb/Unsplash
Hello Lightbulb/Unsplash

Rotinas de trabalho excessivas, horas extras não remuneradas e jornadas que chegam a 80 horas semanais. Por muitos anos, funcionários da indústria dos videogames conviveram com práticas abusivas dentro dos estúdios. O ambiente tóxico do mercado já foi tão normalizado que ganhou o status de “cultura” e cunhou um termo na imprensa especializada internacional: crunch.

Crunch é o termo utilizado para nomear as jornadas de trabalho que exorbitam direitos de um funcionário da indústria dos videogames. Na tradução literal do dicionário, um dos significados de crunch é “triturar”. Como expressão para o mercado dos games, o termo é empregado para definir diferentes práticas abusivas que tentam exprimir o máximo possível de um trabalhador.

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Práticas estas que incluem o trabalho por longos períodos ou a realização de horas extras forçadas, muitas vezes sem pagamento correspondente. O conceito de crunch atravessa todas essas situações e é usado, de modo generalista, para qualquer serviço que dure mais que o planejado. O período da prática pode variar entre semanas, meses ou anos, dependendo da necessidade.

A título de comparação, uma rotina em crunch que alcança as 80 horas em uma semana, se aproxima do dobro do que trabalha um funcionário de carteira assinada no Brasil. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) do nosso país prevê carga horária média de 8 horas diárias, de segunda a sexta, e 44 horas semanais. Funcionários em crunch chegam a trabalhar 13 horas por dia, de segunda a sábado.

Como surgiu a cultura do crunch?

O desenvolvimento de jogos é um mercado de risco. Os investimentos são altos para a produção de linhas cada vez mais complexas de programação e um retorno que não é garantido. Para equilibrar as contas, estúdios passaram a pressionar desenvolvedores a entregarem os melhores resultados na menor quantidade de tempo possível.

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Artigos consultados pelo Canaltech descrevem que a cultura do crunch se fortaleceu na indústria dos videogames no final dos anos 80. A prática começou a ser normalizada no período final de desenvolvimento dos jogos, que foi chamada de “crunch time” (ou hora do crunch em tradução livre).

Para terminar o desenvolvimento e lançar um título mais próximo da perfeição, estúdios instauraram rotinas de trabalho excessivas na reta final da atividade. Com o tempo, a prática se normalizou e alastrou-se para todas as etapas de produção, tornando-se parte da cultura do mercado.

Veteranos da indústria aprenderam a normalizar o crunch como um desafio, como parte do trabalho. Chefes de estúdios que fizeram crunch no começo da carreira, repassavam as jornadas abusivas para funcionários mais novos como uma espécie de trote. Dentro da mentalidade dessa cultura, um desenvolvedor precisava demonstrar que era forte, dedicado e apaixonado o suficiente para estar no desenvolvimento de jogos.

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Em um artigo da VentureBeat, um líder de uma empresa de videogames argumentou que fazer ótimos jogos requer “dar [aos jogos] tudo o que você tem”. “Não esteja na indústria de jogos se você não pode amar todas as 80 horas por semana – você está aceitando um emprego de alguém que realmente valoriza isso”, falou.

Chefe da divisão de publicação de jogos de Xbox, Matt Booty descreveu o ato de aceitar o crunch como uma “medalha de honra” para a indústria das últimas décadas. “Fazia parte da cultura da indústria. Eu literalmente dormi debaixo da minha mesa no início da minha carreira. E olhamos para isso como um distintivo de honra”, disse o executivo em reunião que discutiu o atual cenário de trabalho na Bethesda.

De acordo com um estudo sobre saúde mental da Take This, manchetes sobre o crunch ganharam força em 2018, com publicações semanais criando visibilidade para a cultura. Uma das maiores polêmicas da época envolveu os bastidores de Red Dead Redemption 2, da Rockstar Games. O fundador da Rockstar, Dan Houser, confessou que a equipe do jogo chegou a trabalhar 100 horas por semana durante a reta final do desenvolvimento.

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Histórias semelhantes envolveram o desenvolvimento de Fallout 4, Fortnite, The Last of Us e até o mais recente Cyberpunk 2077. Relatos e trechos dos acontecimentos da indústria que envolvem o tema foram descritos pelo jornalista Jason Scheirer, no livro Sangue, Suor e Pixels.

Quais estúdios praticam crunch?

Diferente do que muitos pensam, o crunch não ocorre somente em grandes estúdios de videogame. A prática começou a ser denunciada com mais peso na imprensa a partir dos gigantes da indústria e das franquias de milhões por volta de 2018, mas a verdade é que a prática está presente em desenvolvedoras de diferentes tamanhos.

Mesmo em estúdios independentes, com recursos limitados, funcionários novatos são forçados a trabalhar horas a fio nos projetos experimentais. A rotina abusiva fez parte do desenvolvimento de títulos como "Braid", "Fez" e "Super Meat Boy", conforme mostra o documentário Indie Game: The Movie.

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A cultura provocou um êxodo no mercado de desenvolvimento, obrigando estúdios a mudarem o comportamento. Estudos dizem que apenas um terço dos desenvolvedores permanecem no setor por 10 anos e que mais de 50% dos produtores de jogos relatam que passaram por jornadas que ultrapassam as 40 horas semanais durante um longo período de tempo. Menos de 18% dos que passaram pelo trabalho excessivo, declaram que receberam pelas horas extras.

Em 2016, o Take This publicou o primeiro estudo apontando que longos períodos de trabalho prejudicavam a saúde mental e a produtividade. O documento consultado pela reportagem assinala que o crunch é responsável por desenvolver estresse crônico em trabalhadores, com efeitos negativos ao longo de toda a vida.

O crunch foi associado ao risco de desenvolvimento de doenças cardíacas, deficiências do sistema imunológico e até o desenvolvimento de doenças mentais como depressão e ansiedade. Em diversos relatos publicados ao longo dos últimos anos, funcionários de estúdios afirmaram que ficaram hospitalizados por conta da dura rotina de trabalho. E, claro, além de prejudicar a saúde, o crunch também pode ser nocivo para a vida pessoal dos devs, que já relataram problemas com amigos e familiares por estarem o tempo todo no trabalho.

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Com informações de: Auroch Digital, Take This