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Análise | Shadow of the Tomb Raider encerra série de reboot com erros e acertos

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Square Enix
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Coragem e responsabilidade. Foram essas duas características que a Crystal Dynamics teve de incorporar para tocar o projeto de reboot de Tomb Raider em 2006, quando começou a trabalhar no jogo lançado sete anos depois. A missão, claro, não era fácil, afinal de contas Lara Croft é um dos maiores ícones da indústria dos videogames e ficou presa num gênero que ela própria criou em 1996 sem receber praticamente nenhuma dose de novidade até 2013.

Incumbida de uma tarefa árdua, porém extremamente gratificante, como se revelou posteriormente, a desenvolvedora entregou uma história de origem e gameplay reformulado que encheram os olhos de fãs antigos e conquistou uma leva de novos. A partir dali, vimos uma Lara inocente, chocada e atormentada por ter tido de matar pela primeira vez, evoluir e ganhar confiança em Rise of the Tomb Raider e, agora, se transformar numa máquina sanguinolenta de matar movida a vingança em Shadow of the Tomb Raider.

Mas este novo jogo vai além disso, mudando o foco da ação para a narrativa e dando mais profundidade à personagem para encerrar sua história de origem.

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Menos tiro, menos porrada e menos bomba

Ocupada com o jogo dos Vingadores, a Crystal Dynamics teve de desapegar e repassar sua cria para as mãos de outro estúdio. A responsabilidade de tocar o projeto, então, caiu no colo da canadense Eidos Montreal, que optou por seguir um caminho ligeiramente diferente para se diferenciar de um dos principais concorrentes da saga: Uncharted. A intenção, claro, é das melhores e mostra que há espaço para evoluir em uma outra direção.

Embora o jogo não mencione isso, é possível perceber que começamos Shadow of the Tomb Raider pouco tempo depois dos acontecimentos de Rise. Aqui, Lara continua sua luta para derrubar a Trindade, ao mesmo tempo que segue pistas e explora tumbas em busca de artefatos históricos e uma civilização perdida. A diferença é que agora a organização secular sabe exatamente com quem está lidando e está convencida que a decisão de poupar a vida dela no game anterior foi um erro. Por isso, soldados fortemente armados e equipados perseguem os passos da arqueóloga e a ordem é uma só: matá-la.

Tanta força, brutalidade e violência empregadas na caça à personagem, entretanto, não necessariamente se traduzem em mais conflitos armados, corre-corre, gente morta e sequências de explosão e pirotecnia — características que acabaram se tornando marca registrada dos reboots. Ao invés disso, a Eidos Montreal seguiu por outro rumo, priorizando a trama para conferir mais profundidade aos personagens.

Se nos últimos dois jogos vimos Lara se tornar cada vez mais destemida e, até certa medida, inconsequente, agora ela parece sentir o peso do fardo, da responsabilidade de seus atos. Em pelo menos três momentos distintos a personagem se deixa inundar pela melancolia, queixando-se de que suas decisões só pioram as coisas e que sente falta da infância que nunca viveu ao lado dos pais. São momentos que rendem uma das missões mais marcantes de toda a franquia e que levam à reflexão sobre quem é Lara Croft, o que ela está fazendo e onde tudo isso vai acabar.

Muitas vezes, Jonah, o amigo e fiel escudeiro, intervém e diz que nem tudo é sobre ela e que é preciso parar de se martirizar, aceitar aquilo que temos, mesmo que não seja tudo o que queremos, e seguir adiante. Infelizmente, esse conselho é acatado mais do que depressa, e a personagem reativa o modo tresloucado e coloca aquilo que deseja acima do bem-estar daqueles que estão sofrendo as consequências de um cataclismo que ela desencadeou. Em questão de segundos, todo o drama e clima pesado se esvaem e o roteiro, que várias vezes ensaia um grande ponto de virada na personalidade de Lara, se transforma numa história de vingança tão leviana quanto sua protagonista.

Por sorte, essa inconsistência acaba não estragando outros personagens. Jonah é o exemplo mais claro de que, nesse aspecto, as coisas poderiam ter sido mais bem desenvolvidas. O personagem tem uma evolução sólida na trama e pouco a pouco vamos conhecendo mais de seu passado, quais são seus anseios e o que ele quer e consegue para seu futuro.

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Essa mudança de foco também afeta o ritmo da narrativa de Shadow of the Tomb Raider — algo um tanto perigoso e que pode desagradar quem espera por um jogo de ação desenfreada. Claro, os elementos marcantes da série continuam ali — há uma vasta gama de armamentos, itens para coletar e melhorias a fazer a partir da árvore de aprimoramentos das armas e de habilidades da personagem —, mas a progressão ocorre num ritmo mais arrastado do que fomos habituados.

O primeiro ato é alucinante e tem uma das sequências mais bem feitas e sufocantes de toda a série. Toda a desgraça culmina no primeiro grande momento de reflexão de Lara e dá início ao segundo ato. Este, por sua vez, se concentra na exploração, diálogos e cenas de contemplação — a ação, portanto, é limitada e praticamente não há combates. Quem se propõe a realizar todas as side quests, pode ter a sensação de que há pouquíssimo progresso, com a aventura se arrastando e passando por vários "agora vai... e não foi". A morosidade é quebrada sem cerimônia pelo terceiro ato, que pisa no acelerador e imprime uma intensidade alucinante. É nele que se concentram praticamente todos os combates e onde você finalmente poderá usar algumas das novas táticas mortíferas de Lara — que detalho mais adiante.

Primor gráfico, sonoplastia impecável

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Se a Eidos Montreal desliza na tentativa de enriquecer o background de Lara Croft e flerta com o perigo apostando num ritmo diferente, o mesmo não pode ser dito da aventura que é proposta por Shadow of the Tomb Raider. Desta vez, nossa heroína viaja para muito longe de casa, desembarcando primeiro na ilha de Cozumel, no México.

Ali, somos apresentados à cultura, às crenças e ao jeito mexicano de viver — que normalmente não têm lá tanto espaço nos videogames. Enquanto perseguimos uma pista que leva a um artefato milenar da civilização Maia, podemos ver todo o capricho e trabalho dedicados na reprodução dos festivais e cemitérios do país, num ambiente festivo, repleto de cores, luzes e sons que lembram bastante Viva – A Vida é uma Festa.

Dali, partimos em viagem rumo ao Peru, mas tudo dá errado e o avião se desmonta inteiro, caindo no meio da Floresta Amazônica do país. A partir desse momento, temos de sobreviver ao local e aos animais selvagens que ali habitam, num ambiente opressor que usa muitíssimo bem os efeitos sonoros para fazer o jogador se sentir verdadeiramente ameaçado dentro da mata fechada. Por vezes, a Eidos Montreal opta por suprimir a trilha sonora para favorecer o som ambiente, aumentando ainda mais a imersão e desespero de quem joga.

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Graficamente, também não há do que reclamar. Os cenários estão muito bem trabalhados e a iluminação, sobretudo nas tumbas e criptas, é de fazer cair o queixo. Fauna e flora estão muito bem reproduzidas, com árvores frondosas tapando a passagem do sol e antas, moreias, piranhas e jaguares servindo de cartão de visita da biodiversidade (e perigos) da região. As tomadas panorâmicas são riquíssimas e é possível até mesmo ver uma revoada de gaivotas cortando o horizonte lá longe com bastante nitidez. Mas o ponto alto são mesmo as cutscenes, e a Eidos usa e abusa delas para dar progressão e enriquecer a história.

Estranhamente, esse primor e cuidado nem sempre são aplicados aos personagens durante o gameplay. A própria Lara Croft, por exemplo, estrela e alvo constante dos olhares dos jogadores, por vezes aparece com cara de tapioca e sem expressão alguma em momentos decisivos, de tensão e perigo.

Outro tropeço, fruto de má implementação, ocorre da tentativa da desenvolvedora de reproduzir os diálogos dos nativos em língua local. A ideia e intenção são boas e claras: conferir mais realismo e imersão à jogatina. Contudo, a execução deixa muito a desejar, com Lara se comunicando em inglês e os personagens em espanhol como se houvesse um chip que faz tradução em tempo real implantado na cabeça de cada um. Para o jogador, há a opção de desativar essa funcionalidade, mas fica o desejo de que a personagem pelo menos tentasse arranhar um espanholzinho, afinal de contas ela aprende vários dialetos antigos, já extintos, ao longo da jornada.

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Seguindo a cartilha

Basicamente, Shadow of the Tomb Raider segue a cartilha de tudo aquilo que deu certo nos demais. A mudança no fogo do jogo, que tem menos combates e sequências de ação do que algumas pessoas podem querer, acaba abrindo mais espaço para a exploração de tumbas e criptas. Aqui, chama a atenção o level design inteligente e desafiador na medida certa. Nada é verdadeiramente difícil a ponto de fazer você querer arrancar os cabelos. A dificuldade flutua entre fácil e moderado e exige, algumas vezes, mais raciocínio lógico e observação para alcançar os artefatos e recompensas. Nesse aspecto, há duas mudanças: agora é possível fazer rapel e balançar pendurado na corda para alcançar lugares antes inacessíveis; e fazer escaladas negativas, quase que de cabeça pra baixo, no melhor estilo Homem-Aranha.

Fora isso, praticamente todas as mecânicas de jogabilidade dos títulos anteriores foram mantidas. O sistema de combate é essencialmente o mesmo e, a bem da verdade, é pouco utilizado no título. Como falamos, agora os inimigos estão fortemente armados e prontos para arrancar as tripas da personagem. Por isso, de repente gritar "estou aqui, venham me pegar" não é lá a melhor das estratégias. É preciso ser furtivo o máximo possível, eliminando os membros da Trindade um por um e utilizando seus corpos como armadilhas.

Para incrementar a natureza stealth do game, foram adicionadas algumas novas táticas de combate. A mais propagandeada delas é a camuflagem: agora, Lara pode cobrir seu corpo com lama e se esconder em vinhas para executar eliminações ditas "discretas". Também é possível confeccionar flechas envenenadas que atordoam os inimigos e fazem eles atirarem em amigos, nos poupando de sujar as mãos em algumas situações. Ataques aéreos também fazem parte do arsenal dessa máquina mortífera que se tornou a personagem, seja caindo em cima dos inimigos com um golpe fatal ou os pendurando em árvores enforcados.

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Finalmente, outra adição, essa nem tão interessante assim, são as missões e passagens subaquáticas. Embora acrescentem uma nova camada de sufoco e desespero, sobretudo para quem não sabe nadar e tem medo de lugares apertados, a sensação é que elas tiveram mais importância do que o necessário pura e simplesmente por estarmos nas intermediações do Rio Amazonas e nada mais, já que nenhum momento importante ou decisivo acontece nesse ambiente.

Uma belíssima aventura

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No fim das contas, Shadow of the Tomb Raider nos apresenta a uma belíssima aventura. Os gráficos e sonoplastia muitíssimo bem trabalhados conferem um novo nível de imersão ao gameplay, e as cutscenes estão mais cinematográficos e surpreendentes do que nunca. É, sem dúvidas, o mais belo Tomb Raider já lançado.

A mudança no foco narrativo é um ato ousado e de coragem muitíssimo interessante, mas que, infelizmente, foi mal executada. Mesmo assim, é evidente que há mais a ser explorado nesse sentido, e em alguns momentos dá até para sentir que caberia implementar escolhas aos diálogos. A falta de grandes novidades nas mecânicas, por sua vez, não compromete a experiência do jogo como um todo, mas causa uma incômoda sensação de que Shadow of the Tomb Raider nasceu um pouquinho datado.

Em todo caso, esses deslizes não tiram o brilhantismo, tampouco prejudicam o trabalho de uma desenvolvedora que pegou o barco andando. Se levarmos isso em consideração, este último episódio da série é, sim, bastante competente e corajoso quando tem de ser; ao mesmo tempo, também sabe ser prudente e manter tudo aquilo que já vinha dando certo. Ele segue uma linha natural de evolução e, apesar de não deixe claro o que vai acontecer daqui para frente, nos deixa curiosos para saber o que o futuro reserva para a série e para Lara Croft.

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No Canaltech, Shadow of the Tomb Raider foi analisado no Xbox One X com cópia digital gentilmente cedida pela Square Enix.