Estas são as maiores estruturas do universo, mas será que elas existem mesmo?
Por Daniele Cavalcante • Editado por Patricia Gnipper |
Na última década, vimos algumas notícias sobre a descobertas de estruturas colossais no universo. Em 2013, por exemplo, ficamos sabendo sobre a existência do LQG, um grupo de quasares que pareciam interligados entre si, formando um objeto de inimagináveis quatro bilhões de anos-luz de diâmetro. Outras vieram em seguida para competir pelo título de “maior estrutura do universo”, mas pode ser que nenhuma delas existam de fato.
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Quando os astrônomos descobrem algum novo objeto no universo, é preciso saber suas principais características e entender como ele interage com seus vizinhos. Também é necessário conferir se as informações obtidas sobre ele estão de acordo com os modelos matemáticos atuais do cosmos. Se alguma descoberta contraria os modelos, será preciso analisar onde está o erro — na interpretação dos dados coletados ou nos modelos.
Não é tão raro um astrônomo ou uma equipe analisar dados reais, coletados por alguns dos instrumentos mais sensíveis do planeta, e interpretá-los erroneamente. Aliás, é por isso que um artigo científico precisa ser revisado por pares antes de ser aceito para publicação em uma revista científica, mas até mesmo nesse processo as coisas podem transitar em uma área “cinza”.
Um bom exemplo disso foi a suposta descoberta de fosfina em Vênus, algo que poderia indicar a presença de vida por lá. Após meses de debate, chegou-se à conclusão de que a substância encontrada era, na verdade, dióxido de enxofre. Os dados estavam corretos, mas a diferença do sinal para a detecção de ambos os elementos era tão pequena que é muito compreensível esse tipo de “deslise”. Cientistas também estão sujeitos a erro e a viés.
As maiores estruturas do universo hoje têm medidas exorbitantes. A atual recordista é a Hercules-Corona Borealis Great Wall, com quase 10 bilhões de anos-luz de comprimento, descoberta também em 2013, mas anunciada após a revelação do LQG. O Giant GRB Ring, por sua vez, fica em segundo lugar, com 5,6 bilhões de anos-luz, seguida da Huge-LQG, que tem um tamanho de 4 bilhões de anos luz. Mas há um problema com todas essas estruturas: elas não deveriam existir. E, se existirem, violam algumas limitações sereras do universo.
Essas restrições estão diretamente ligadas à própria evolução do universo, desde o Big Bang. Os astrônomos têm modelos cosmológicos que foram fruto de décadas de estudo teórico, comprovados mais tarde à medida que os instrumentos se tornavam capazes de “enxergar” mais longe. Uma das descobertas mais importantes nesse sentido foi a radiação cósmica de fundo, prevista da teoria e descoberta mais tarde. Ela é uma das maiores evidências de que o modelo do Big Bang está correto.
De acordo com este mesmo modelo, o universo começou com uma grande expansão, para todos os lados, distribuída igualmente e simultaneamente em todos os lugares. Todos os locais tinham temperaturas e densidades equivalentes, com algumas pequenas imperfeições, quase irrelevantes — 1 parte para cada 30 mil. À medida que essas imperfeições minúsculas evoluíram, limitadas pelas leis da física que conhecemos hoje, formaram as primeiras estrelas e galáxias, que por sua vez se fundiram para formar as galáxias modernas e a grande teia cósmica.
Uma vez que essa distribuição se deu por igual desde o início, o universo é muito parecido em qualquer lugar que você observar. Não importa para onde você aponte os melhores instrumentos do mundo, nem mesmo onde você esteja, o cosmos terá aproximadamente a mesma temperatura e as mesmas densidades. Esse conceito é chamado de isotropia e é muito importante para a cosmologia. Há sérias consequências físicas se isso for violado, e embora alguns cientistas tenham proposto modelos diferentes, a ideia não foi muito bem sucedida.
Observando evidências da isotropia e homogeneidade do universo, os cientistas calcularam que há um limite de tamanho para qualquer estrutura, em qualquer lugar do cosmos — 1,2 bilhão de anos-luz. Qualquer coisa maior que essa medida é impossível, simplesmente porque não houve tempo para se formar. Entretanto, estruturas como o Giant GRB Ring estão ali, e não há erro nas observações. O que isso tudo significa? E, mais importante, o que isso quer nos ensinar?
Há diferentes modos de lidar com o problema. Um deles, talvez o matematicamente mais simples, é descartar essas descobertas. É possível que os astrônomos estejam apenas vendo uma estrutura “fantasma”, ou seja, inexistentes — há apenas aglomerados que não possuem ligação entre si e se dispersarão com o passar do tempo. Se este for o caso, a própria evolução dos objetos que fazem parte dessas supostas estruturas se encarregará de desfazer a formação ilusória dos “fantasmas”.
Mas por que os astrônomos estariam vendo estruturas onde elas não existem? Uma das hipóteses, levantada em um artigo de Seshadri Nadathur, em 2018, é a de que os sinais detectados indicando a existências das estruturas podem ter emergido de ruído um aleatório subjacente, levando as estatísticas a encontrar padrões inexistentes. É através desses padrões que pode-se dizer que uma série de objetos fazem ou não parte de uma única estrutura.
Por outro lado, se as descobertas estiverem corretas, a compreensão atual sobre o universo será desafiado. Isso pode acontecer muito em breve, quando o telescópio Nancy Grace Roman estiver operacional. Ele será capaz de criar uma imagem mais de 100 vezes superior ao famoso Hubble Ultra-Deep Field, que atualmente é a maior e mais profunda coleta de dados de longa exposição já realizada pela humanidade. Espera-se que com o poder do Grace Roman, os astrônomos possam finalmente dizer se os padrões que formam as polêmicas estruturas são de reais ou ilusórias.
Fonte: Starts With a Bang