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Matéria escura e antimatéria podem estar relacionadas desde início do universo

Por| 02 de Fevereiro de 2021 às 15h50

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ESO/M. Kornmesser
ESO/M. Kornmesser

Existem muitos mistérios sobre o universo que os astrônomos ainda não compreendem, e a própria existência do cosmos é um deles. A origem através do Big Bang é certa, o problema matemático está na forma que o universo tomou logo em seguida. De acordo com a teoria e os experimentos científicos, a matéria deveria ter se formado jundo com a sua contraparte — a antimatéria. Contudo, isso não ocorreu da maneira mais lógica, e isso deixa muitas perguntas sem respostas. Agora, um novo artigo propõe uma abordagem interessante para resolver esse problema.

Cadê a antimatéria do universo?

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Nos primeiros instantes após o Big Bang, não havia matéria. O universo era constituído por energia sob forma de radiação. Após a expansão e resfriamento do cosmos, pares de partícula e antipartícula eram criados e aniquilados em grande quantidade, assim como uma carga positiva e outra negativa de mesmo valor se anulam ao se encontrarem. Matéria e antimatéria precisariam ter se formado em quantidades iguais. No entanto, parece que vivemos em um universo onde só há matéria. Apenas essa observação implica em mistérios inquietantes, como o próprio fato de estarmos aqui.

Em um universo “lógico”, matéria e antimatéria se aniquilariam e gerariam apenas energia, e não mais matéria. Isso significa que não deveria haver estrelas, planetas, muito menos vida. Mas não vivemos em um universo “lógico” e os astrônomos não entendem muito bem o que aconteceu. A única coisa que se pode pressupor é que algum processo estranho, além da física conhecida, provocou uma separação entre a matéria e a antimatéria. Nesse caso, que processo foi esse? Para onde foi a antimatéria? Há muitas hipóteses, nenhuma delas comprovada.

Matéria escura em equilíbrio (mais ou menos)

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Existem outros problemas, como a matéria escura. Trata-se de algo que não interage com a matéria comum, nem mesmo com a luz, de nenhum modo senão através da gravidade. Os cientistas não sabem o que ela é, nem do que é formada, e também não sabem porque a matéria comum e a escura parecem equilibradas. A existência da matéria escura é certa — há muitas evidências observáveis de sua presença nas galáxias, por exemplo — embora não possamos vê-la. A matéria escura compõe cerca de 80% de toda a matéria do universo, enquanto os 20% restantes é composto por tudo aquilo que podemos ver ou tocar.

Só que essa relação 20/80 não é muito normal; na verdade, é estatisticamente improvável. Na física, quando um processo domina uma interação — como é o caso da matéria escura em relação à matéria comum, exercendo a força gravitacional sobre ela — ele realmente assume o controle. A menos que outra física entre em jogo, raramente duas forças concorrentes se equilibram. Mas compor 80% de todo o universo parece significar que há um domínio da matéria escura, certo? Bem, não exatamente. Quando os cientistas dizem “domínio”, eles querem realmente dizer “domínio absoluto”.

Tome como exemplo uma estrela gigante. Nela, as forças da gravidade e do eletromagnetismo competem, e é essa competição que impede a estrela de se tornar um buraco negro. Mas, eventualmente a gravidade vencerá. Ela sempre vence, e a estrela acabará colapsando sobre si mesma. Do mesmo modo, o fato de 80% da massa do universo ser matéria escura — e não 99,99999% — soa muito estranho para a física. Não há exatamente um domínio de nenhuma das duas partes, então existem um certo equilíbrio.

Uma resposta para os dois problemas

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A única coisa capaz de explicar esse equilíbrio ao longo dos bilhões de anos é uma interação física desconhecida. Alguma coisa aconteceu com a massa do universo, causando um equilíbrio inesperado entre matéria comum e matéria escura. Do mesmo modo, apenas uma física desconhecida pode explicar como a matéria e a antimatéria não se aniquilaram logo após o Big Bang. Mas, espere! E se os dois problemas estiverem relacionados? Essa é a proposta do novo artigo, publicado no arXiv, ainda sem revisão de pares.

Os autores Rodrigo Alonso e Jakub Scholtz propõem no estudo que um evento no universo primitivo ocorreu, causando os dois problemas: a quebra da simetria matéria/antimatéria e o equilíbrio relativo entre matéria comum e matéria escura. A chave para conectar ambos os mistérios em um único evento é algo chamado bóson de Goldstone.

Para compreender a ideia, temos que entrar no mundo quântico, no reino dos quarks. Toda partícula feita de quark (como prótons e nêutrons) recebem o nome de bárions. A matéria conhecida, portanto, se chama matéria bariônica. É possível que a matéria escura seja também bariônica (a menos que ela seja feita de áxions, que não é bárion). A lei da simetria afirma que o número de bárions entrando em uma interação deve ser igual ao número que sai dela — mesmo que sejam transformados em outra coisa, mas o número total deve ser o mesmo. Isso também vale para reações envolvendo antiquarks.

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Essa regra pode ser postulada porque é observada em todos os experimentos realizados, e será verdade em qualquer canto do universo atual. A palavra “atual” é importante aqui, pois essa regra pode ter sido violada no início do cosmos. E sempre que uma simetria é quebrada em qualquer momento ou lugar, um novo tipo de partícula, conhecido como “bóson de Goldstone”, surge. Para citar um exemplo, a quebra da simetria na força forte resulta em algo chamado píon. Resumindo a ópera, prótons e nêutrons podem sobreviver em um núcleo atômico se houver uma força ainda mais forte do que a repulsão elétrica. O píon é um tipo de "cola", ou seja, uma partícula mediadora entre os nêutrons e os prótons.

Se o píon já foi observado para explicar a quebra da simetria atômica, talvez o mesmo possa explicar a quebra da simetria no universo primitivo. E se houve uma quebra de simetria logo após o Big Bang, deve ter surgido um novo tipo de partícula que não conhecemos. Bem, a matéria escura é formada por um tipo de partícula que não conhecemos, então será que ela surgiu por causa da quebra da simetria, lá no início do cosmos? Essa é a proposta do artigo de Alonso e Scholtz. Eles chamaram esse evento hipotético de "o chute".

A simetria dos números bariônicos nunca é quebrada em experimentos, mas um evento violento e breve poderia ter ocorrido, eliminando quase toda a antimatéria antes que a matéria comum fosse aniquilada. E qualquer que fosse a física extraordinária que gerou esse processo, a quebra de simetria bariônica permitiu a origem de um novo bóson de Goldstone. Esse bóson poderia ser a matéria escura que tanto tentamos desvendar. Em algum momento, o processo que resultou na quebra de simetria foi interrompido por algum motivo, e então o universo voltou “ao normal”, ou seja, a física voltou a funcionar como deveria, do modo que sabemos que funciona.

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Então, depois daquele primeiro minuto épico da história do universo, uma vez que a simetria voltou ao universo, a matéria escura foi relegada às sombras, para nunca mais interagir com a matéria normal novamente. A matéria escura ficou relegada a algum tipo de distribuição e mais tarde acabou por contribuir com a distribuição das estrelas e na evolução das galáxias como as conhecemos hoje. Isso explica também porque a quantidade de matéria escura é aproximadamente a mesma da matéria comum — embora não haja uma igualdade entre ambas, 80/20 não implica na dominância da matéria escura.

Embora muito interessante, o estudo ainda deixa muitas perguntas sem respostas, e uma delas é justamente o que poderia ter levado o universo a essa proporção estranha de 80/20. Mas a proposta sugere que ambos os tipos de matéria são relacionados e existem em um equilíbrio aproximadamente igual. Afinal, elas tiveram suas origens no mesmo evento. Por fim, a última pergunta é: o que causou a quebra da simetria no universo primitivo? Não há hipóteses para isso, mas novos estudos podem surgir para ir além nessa linha de raciocínio.

Fonte: Space.com