Estão vendo (de novo) insetos em fotos de Marte e isso tem nome: pareidolia
Por Patricia Gnipper |
William Romoser, professor emérito de arbovirologia na Universidade de Ohio, tomou o noticiário da semana passada ao afirmar ter encontrado "provas" fotográficas de que existe "vida semelhante a insetos e répteis" em Marte. Mas, de novo, essas "provas" não provam nada, e ainda não há qualquer evidência aceita pela comunidade científica como plausível para se afirmar que há (ou houve) vida em Marte.
Romoser fez essas afirmações após analisar fotografias do terreno marciano tiradas por rovers da NASA e, após suas conclusões, afirmou que "houve e ainda existe vida em Marte". Contudo, o professor usa como base para fazer tal afirmação apenas sua própria interpretação do que viu nessas fotografias, tiradas de contexto e sem escala para comparação. Ele apresentou sua "descoberta" em um encontro da Sociedade Entomológica da América, mostrando imagens que supostamente mostravam criaturas fossilizadas e até mesmo outras ainda vivas no Planeta Vermelho.
Romoser chegou a dizer que "existe uma aparente diversidade entre a fauna de insetos marciana, que exibe muitos recursos semelhantes aos insetos terráqueos que são interpretados como grupos avançados — por exemplo, a presença de asas, flexão das asas, planagem, voo ágil e elementos de pernas de várias estruturas".
E se você, ao ver essas imagens, está pensando "mas, nossa, realmente parece que as fotos mostram animais", saiba que você está passando pelo mesmo que o professor — o fenômeno da pareidolia.
Vendo coisas onde não tem
O professor de biologia da Universidade Estadual do Oregon, David Maddison, levanta essa "prova" de Romoser como apenas mais um caso de pareidolia, fenômeno no qual as pessoas veem padrões em dados aleatórios, buscando encontrar algum sentido ali. Um exemplo muito simples de pareidolia é quando olhamos para nuvens e, de repente, começamos a enxergar formas conhecidas, como corações e símbolos. E um exemplo recente de pareidolia envolvendo fotos reais de Marte foi uma imagem mostrando dunas marcianas cujo formato se assemelhou ao símbolo da Frota Estrelar, de Star Trek.
Maddison fala sobre os "falsos positivos" neste caso. Falso positivo é quando você tem um resultado ou uma conclusão positiva para uma suspeita inicial, mas está enganado. No caso da pareidolia, esse falso positivo é resultado de um mecanismo cerebral, pois a mente humana evoluiu muito graças à sua habilidade de reconhecer padrões. Então, a pareidolia acaba sendo resultado do nosso próprio "instinto" de buscar rostos ou objetos que reconhecemos em meio a um cenário confuso ou misterioso. A pareidolia foi essencial para que nossos antepassados aprendessem a identificar padrões na natureza, bem como avistar predadores e potenciais perigos à distância, e o recurso também serviu para que o ser humano identificasse e até nomeasse as constelações do céu, com títulos que usamos até os dias atuais, por sinal.
"As fotografias contidas no comunicado [de Romoser] não são convincentes, pois estão dentro do intervalo esperado em zilhões de objetos não-insetos fotografados em resolução baixa numa paisagem marinha", afirma Maddison. Ele diz ainda que "é muito mais parcimonioso presumir que tudo aquilo são simplesmente rochas; como já foi dito, 'alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias', e essas imagens são muito, muito menos do que extraordinárias", continua, parafraseando uma notória declaração de Carl Sagan.
Nina Lanza, cientista planetária do Laboratório Nacional Los Alamos, concorda. "Acho muito fácil encontrar padrões em imagens, especialmente quando elas estão fora de contexto. São pequenos clipes de imagens maiores e não há barras de escala nelas… você pode imaginar muitas formas diferentes. Não é uma boa maneira de fazer esse tipo de avaliação", afirma.
Afirmações deste tipo acabam sendo um desserviço à ciência
Para além do óbvio, que é refutar a afirmação de que imagens fora de contexto e em baixa resolução são "prova" de que há vida em Marte, cientistas como Lanza e Maddison entendem que afirmações desse tipo são irresponsáveis, e podem representar um desserviço à ciência. Afinal, a pessoa que só está navegando em sites ou nas redes sociais, sem tempo de ler atentamente o conteúdo, acaba acreditando na manchete extraordinária de que "cientista mostra provas de que existe vida em Marte" e, assim, participa de uma campanha de desinformação ao repassar essa informação.
"Quando temos esse tipo de manchete sensacionalista, é realmente difícil para o público saber se isso é verdade. Parece legítimo, é da Universidade de Ohio, são instituições reais, mas, quando encontrarmos algo em Marte e além, se fizermos isso, terá menos impacto, pois as pessoas continuam ouvindo 'já descobrimos vida em Marte'. Isso tira a emoção das nossas verdadeiras descobertas", lamenta Lanza.
A NASA responde às afirmações de Romoser
Em declaração oficial enviada a veículos de imprensa, a NASA falou sobre o trabalho de Romoser e sobre sua afirmação de que há prova de vida em Marte.
"A opinião geral coletiva da maioria da comunidade científica é que as condições atuais na superfície de Marte não são adequadas para água líquida ou vida complexa. Como parte de seus objetivos de astrobiologia, um dos principais objetivos da NASA é a busca pela vida em Marte, e o veículo espacial Mars 2020, que será lançado no próximo ano, é nosso próximo estágio na exploração do potencial de vidas passadas no Planeta Vermelho. Embora ainda não tenhamos encontrado sinais de vida extraterrestre, a NASA está explorando o Sistema Solar e além para nos ajudar a responder perguntas fundamentais, incluindo se estamos sozinhos no universo. Ao estudar a água em Marte, sondar mundos oceânicos promissores, como [as luas] Encélado, Europa e Titã, e procurando biosassinaturas nas atmosferas de planetas fora do nosso sistema solar, as missões científicas da NASA estão trabalhando juntas com o objetivo de encontrar sinais inconfundíveis de vida além da Terra".
Depois da repercussão negativa que as afirmações de Romoser causaram na comunidade científica, a Universidade de Ohio apagou de seu site o artigo com o estudo do professor, e o estudo também foi removido do banco de dados do Eureka Alert! "a pedido do remetente".
*Com informações de Space.com