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Essas alunas do Ensino Médio descobriram dois asteroides; saiba como

Por| Editado por Patricia Gnipper | 04 de Abril de 2021 às 12h00

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Laura Dias
Laura Dias

Não é somente com acesso aos instrumentos poderosos dos observatórios ou a laboratórios que é possível realizar descobertas científicas — prova disso é que, em janeiro, as estudantes Laura dos Santos Dias e Micaele Vitória Cavalcante Gomes descobriram dois asteroides por meio do projeto Caça Asteroides, criado pela universitária Helena Carrara. Ainda não há informações sobre a trajetória, composição, magnitude e demais dados dos objetos, que deverão ser estudados por astrônomos profissionais nos próximos anos.

A descoberta foi o feliz fruto do projeto de Helena, estudante de graduação em Física pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Bauru, no interior de São Paulo. Em seu projeto de iniciação científica, sob orientação do professor Rodolfo Langhi, Helena trabalha com o patrulhamento de meteoros com apoio de uma das câmeras da Bramon (Brazilian Meteor Observation Network), que registra a passagem das rochas espaciais constantemente.

Depois, com outras imagens, eles verificam onde o objeto e seus fragmentos caíram, para usar as informações para o ensino: “a ideia é criar um material didático para professores ensinarem mais adequadamente sobre os asteroides e meteoritos na educação básica”, explica ela.

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Contudo, alguns problemas técnicos somados aos obstáculos da pandemia resultaram na pausa do projeto. Foi durante uma palestra feita no 6º Encontro Paulista de Astronomia (EPA) que Helena soube que o International Astronomical Search Collaboration (IASC), um programa de ciência cidadã que disponibiliza dados astronômicos para cientistas cidadãos, tinha também um programa voltado para a busca de asteroides. Ela levou ao professor a proposta de criar outro projeto, para que funcionasse também como um complemento à iniciação científica. A ideia avançou: “abrimos as inscrições para o Caça Asteroides, e recebemos cerca de 20 inscrições de interessados”, relata.

Como as vagas eram limitadas, cinco participantes foram selecionados. Durante um período, Helena dedicou um treinamento a eles, em que estudaram o que eram os asteroides, os materiais fornecidos pelo IASC e o software Astrometrica, cujo acesso foi disponibilizado pelo programa. Neste software, as imagens da campanha são inseridas para ficarem em movimento; assim, é possível identificar o objeto desejado, porque ele vai se mover em uma trajetória reta, como no caso dos asteroides. Durante os estudos, eles aprenderam não só a identificar os possíveis asteroides, mas também as chamadas "assinaturas falsas", que não apresentam o movimento correspondente ao que procuram.

No início da campanha, eles receberam as imagens produzidas pelo observatório Panoramic Survey Telescope and Rapid Response System (Pan-STARRS), que fica no topo de um vulcão no Havaí. Ela distribuiu o material entre os membros do grupo, definindo também o conjunto de imagens que cada participante iria analisar. Ao longo do processo, o IASC apresentava as atualizações das descobertas em uma página do site — foi por lá que o grupo soube que Laura e Micaele, duas alunas membros do grupo, haviam feito descobertas.

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Uma caminhada de conhecimento

Desde pequena, Laura já tinha interesse pela ciência. Apesar de esse apreço ter ficado um pouco de lado conforme foi crescendo, a curiosidade voltou com tudo durante as aulas de Física do ensino médio, junto da ajuda de professores da escola em que estuda, em São Paulo: uma estava trabalhando o que os alunos tinham em mente para o futuro, enquanto outro notou o interesse de Laura pela astronomia e propôs que ela se inscrevesse no projeto. Como já se interessava pela área, decidiu tentar participar para saber mais. Depois que soube que conseguiu a vaga, ela trouxe a novidade para eles: "eles ficaram super felizes, esse professor disse que fui a única da escola que se inscreveu e passou", conta. 

Já Micaele, inicialmente, tinha grande interesse pelas artes cênicas. Ela pensava em estudar para se tornar atriz e se mudou de Pernambuco para São José dos Campos, no interior de São Paulo, para perseguir o sonho. Mesmo com as aulas do curso de teatro, ela se dedicava à participação em olimpíadas de astronomia, matemática, química e outras áreas das ciências, até que conquistou a medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA). Daí em diante, Micaele mergulhou fundo no mundo da ciência, participando de projetos de extensão, buscando oportunidades nas outras escolas em que estudou e, quando não havia projetos, ela mesma os criava.

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Enquanto procurava por outros projetos, ela topou com o Caça Asteroides. Ela relata que o processo de análise das imagens era um pouco cansativo, mas os participantes iam conversando e brincando entre si, o que deixava tudo mais leve: "eu era muito motivada pela curiosidade de saber o que ia acontecer depois, então não ia desistir ou deixar o processo ficar chato", diz. Laura conta que passava longos períodos observando os pontos na tela, até que algo que lhe chamou a atenção: "quando eu achei que encontrei, avisei a Helena e marquei a localização; depois de alguns dias, saiu a lista com o que a Micaele encontrou", comentou. 

Como foram descobertos muito recentemente, ainda não é possível saber qual é a posição precisa dos asteroides. Os dados dos objetos encontrados foram enviados para astrônomos profissionais, que vão estudar a trajetória, o tamanho, o diâmetro e outros parâmetros, o que deve ser feito em um intervalo de três a cinco anos. Depois que isso for feito, elas vão poder dar um nome final a eles, que será usado para a União Astronômica Internacional (IAU) catalogá-los. 

Para Laura, essa iniciativa de ciência cidadã tem enorme importância: "a maioria das pessoas fica distante da ciência e não tem interesse pela área, então é uma forma de trazer essa possibilidade e abrir a porta para outras", finaliza ela. Ela considera que a participação foi um passo inicial para outros projetos, e até já se inscreveu em outro, chamado Meninas e Mulheres nas Galáxias, que irá trabalhar a classificação de galáxias em um grupo composto somente por mulheres. Futuramente, ela pensa em tentar uma vaga de graduação na Universidade de São Paulo (USP).

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Até o momento, Micaele não conseguiu participar de outro projeto de ciência cidadã por falta de tempo. Ela é orientadora das alunas participantes do projeto Meninas e Mulheres nas Galáxias, e começará um projeto no Observatório Nacional para dar apoio ao desenvolvimento de projetos de divulgação científica, além de levar a ciência para as pessoas. Com a rotina corrida, que une o trabalho aos estudos para o vestibular, ela pretende estudar engenharia aeroespacial e astrofísica: "a junção dessas áreas pode trazer muita coisa pro Brasil, e eu quero trazer alguma mudança pro meu país e, quem sabe, pro mundo", conta. Futuramente, ela pensa em trabalhar em algo voltado para o ensino: "quero trabalhar com a educação pra ver outras pessoas, como eu, alcançando essas oportunidades e tendo a vida transformada pela ciência".

Do cidadão para a ciência

O projeto e os resultados conquistados são um excelente exemplo do que os cientistas cidadãos podem alcançar: “a astronomia tem essa característica que a diferencia das outras ciências: não existe físico, biólogo, ou químico amador, mas há o astrônomo amador”, diz o prof. Langhi. As origens dessa prática se relacionam ao passado: na China antiga, o período migratório dos gafanhotos causava estragos nas plantações, e os moradores ajudavam a rastrear a ocorrência dos insetos — tudo isso há cerca de 2 mil anos! Contudo, a expressão “ciência cidadã” só foi cunhada mesmo por volta da década de 1990. Alan Irwin, sociólogo, a define como “ciência que auxilia as necessidades e preocupações dos cidadãos”, mas também como “uma forma de ciência desenvolvida e possibilitada pelos próprios cidadãos”. 

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O professor, que atualmente é coordenador do Observatório Didático de Astronomia "Lionel José Andriatto", da Unesp de Bauru, conta que essa foi a primeira vez que uma descoberta foi feita em uma colaboração com a astronomia profissional. O Observatório foi construído em um prédio antigo, que no passado era usado para o lançamento de balões meteorológicos, e é voltado para a produção de dados para pesquisas relacionadas ao ensino de ciência.

Inaugurado oficialmente em 2009, o local recebeu alunos e moradores da cidade, chegando à marca de 9 mil visitantes por ano: "quando abrimos para o público, montamos vários telescópios no térreo, para quem tem necessidades especiais, e na cúpula, que é onde fica o maior telescópio newtoniano da região", explica. Enquanto as lunetas usam apenas lentes para aproximar os objetos observados, estes telescópios usam espelhos esféricos para captar a luz.

No momento, devido à pandemia de COVID-19, a equipe vem seguindo nas atividades com transmissões ao vivo pela internet — tanto que uma que fez grande sucesso foi uma observação lunar, durante a Noite Internacional de Observação da Lua: “colocamos uma câmera no telescópio e fizemos a observação online, explicando a superfície da Lua”, explica ele. Durante o evento, eles moviam o telescópio para que as pessoas conhecessem as crateras do nosso satélite natural. Em outras atividades, a equipe montou telescópios na cidade para o público poder observar eclipses, chuvas de meteoros e, claro, os objetos no céu: "tinha gente que olhava e achava que era uma foto que colocamos na frente do telescópio, mas também tinham outros que choravam de emoção", relata Langhi. 

Além disso, o Observatório também uma carreta, que pode ser usada para levar telescópios a outras cidades do interior paulista para realizar atividades. Segundo o professor, essa aproximação com a sociedade é algo que precisa ser feito, ainda mais no momento atual, em que vemos um distanciamento entre a ciência e a população: "esse nosso trabalho de divulgação é importante, porque conseguimos trabalhar as curiosidades das pessoas do universo e explicar a visão da ciência", diz. “Costumo dizer que, se o cientista não faz a divulgação dele, os anticientistas vão fazer, e muito bem. É por isso que entra a importância da nossa pesquisa, para se buscar maneiras mais eficientes e melhores de divulgar ciência e astronomia”.

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Fonte: Nature, IASC