Conheça o trabalho da brasileira que recebeu o mesmo reconhecimento que Einstein
Por Danielle Cassita • Editado por Patricia Gnipper | •

Os últimos dias foram agitados para a física de astropartículas Angela Villela Olinto: em apenas uma semana, ela se tornou membro da Academia Americana de Artes e Ciências, título que a coloca ao lado de nomes como os de Albert Einstein, Charles Darwin e outros. Além disso, ela passou a integrar também a Academia Nacional de Ciências, que elegeu 120 novos membros neste ano, sendo que, deste total, 59 são mulheres.
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Em entrevista para o Canaltech, Olinto comemorou a conquista alcançada: "é uma imensa honra ser membro de uma destas duas instituições históricas, as academias mais importantes na ciência nos Estados Unidos", disse. “Ser eleita para as duas academias em menos de uma semana é muito emocionante! Duas surpresas sensacionais! Sinto-me muito feliz por poder seguir a carreira que escolhi”.
As duas instituições são de grande prestígio: a Academia Americana de Artes e Ciências foi fundada em 1780, nos Estados Unidos, e homenageia e reúne líderes de todos os campos para trazer novas ideias e questões de importância nacional e mundial. Já a Academia Nacional de Ciências foi estabelecida sob uma carta do Congresso assinada pelo presidente Abraham Lincoln em 1863, sendo uma instituição privada que reconhece conquistas em ciência através de uma eleição de conselho.
Professora de astrofísica na Universidade de Chicago e reitora da Divisão de Ciências Físicas e Matemáticas da instituição, Olinto cresceu no Brasil, onde se tornou bacharela em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — foi durante a graduação que nasceu o interesse pela física de partículas. Depois, conquistou o título de Ph.D. na área no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em 1987, período em que tomou gosto pela astrofísica.
Dali em diante, ela se dedicou à construção desta nova área que une as outras duas. Hoje, Olinto é líder na física de astropartículas; trata-se de um campo de pesquisa jovem que nasce a partir da intersecção da física de partículas, astronomia e cosmologia para responder perguntas fundamentais em relação à história do universo. Essas questões envolvem a origem dos raios cósmicos, a natureza da gravidade e outras: “ao estudar as astropartículas, entenderemos mais sobre as leis fundamentais da natureza e os eventos mais energéticos do universo”, explica Olinto.
Das perguntas à busca pelas respostas
Durante a carreira, Olinto fez diversas contribuições teóricas e experimentais sobre as astropartículas, incluindo estudos sobre a estrutura das estrelas de nêutrons, teoria inflacionária, origem e evolução dos campos magnéticos cósmicos, natureza da matéria escura e até a origem dos raios cósmicos e gama, além dos neutrinos, partículas mais energéticas: “ainda temos um longo caminho pela frente, pois cada resposta nos guia à próxima pergunta”, diz Angela.
As estrelas de nêutrons chamaram a atenção dela: estes objetos se formam quando uma estrela massiva chega ao fim da vida e explode em uma supernova, sendo que o núcleo da estrela pode colapsar, resultando em um objeto pequeno e denso que pode chegar a duas massas solares. Assim, ela se perguntou se elas poderiam ser feitas de quarks, partículas mais fundamentais que os nêutrons — mas mostrou que, na verdade, as estrelas de nêutrons podem originar os raios cósmicos ultra energéticos, formados por partículas ainda mais energéticas e misteriosas.
No pós-doutorado, o estudo de Angela se voltou para a teoria inflacionária: antes do Big Bang, o universo era quente, compacto e denso; então, em uma fração de tempo brevíssima — algo menor que um bilionésimo de um bilionésimo de segundo —, o universo passou por uma expansão acelerada para bilhões de vezes o tamanho original. Assim, ao trabalhar com modelos cosmológicos do início do universo, ela investigou a teoria para saber de onde os campos magnéticos poderiam vir, já que eles podem explicar a trajetória das astropartículas desde suas origens até chegar à Terra.
Os estudos teóricos a levaram ao observatório Pierre Auger, construído na Argentina em 2004. Trata-se do projeto mais ambicioso da área, que mostrou que as astropartículas vêm de fora da Via Láctea, mas mesmo assim ainda não há dados suficientes para os cientistas poderem determinar as fontes dessas emissões: “com os dados do Auger, meu time mostrou que os neutrinos cosmogênicos, outras astropartículas, serão bem mais difíceis de detectar”, explicou Angela.
Assim, para mergulhar no mistério da origem das astropartículas, ela decidiu liderar um novo projeto espacial que possa preencher as lacunas que ficaram abertas tanto para os raios cósmicos quanto para os neutrinos ultra energéticos: “além das estrelas de nêutrons, as possíveis fontes das astropartículas incluem buracos negros supermassivos, galáxias com formação intensa de estrelas, estrelas dissociadas por buracos negros e colisões que produzem ondas gravitacionais”, diz.
De olho no espaço
Existe uma fonte cósmica desconhecida e muito, mas muito distante, que envia partículas para a Terra. Essas partículas, conhecidas como “raios cósmicos ultra-energéticos”, são minúsculas e podem ser 10⁷ vezes mais energéticas do que grande parte das partículas energéticas produzidas artificialmente, como aquelas que são aceleradas no Grande Colisor de Hádrons, do laboratório Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN). Assim, para que partículas subatômicas tão pequenas alcancem energias extremas tão extremas, as origens delas precisam ser altamente magnetizadas e energéticas.
Por enquanto, os principais “suspeitos” desse mistério cósmico são os buracos negros supermassivos presentes no coração das galáxias, junto de eventos explosivos que ocorrem nas estrelas — mas, de qualquer forma, o melhor jeito de resolver a questão é observar essas partículas nos níveis mais altos de energia e em grandes quantidades. É aqui que entra a missão Extreme Universe Space Observatory on a Super Pressure Balloon (EUSO-SPB1), criada para detectar as partículas ultra energéticas dos raios cósmicos e neutrinos com o auxílio de dois telescópios.
Lançado pela primeira vez em 2017 durante um voo de testes, os instrumentos são inseridos em um balão pressurizado que sobe até alcançar altitude de 33 km. Depois, os telescópios são abertos durante a noite para os cientistas observarem os feixes luminosos produzidos pelas astropartículas — e com a vantagem de ter um amplo campo de visão, que permite detectar os raios de luz de forma mais rápida do que foi feito em experimentos anteriores. Ao fim, os melhores dados são selecionados por computadores a bordo e enviados para os pesquisadores. O próximo voo deverá ocorrer em 2023, com lançamento na Nova Zelândia.
Os dados produzidos pelo experimento são um passo importante para a missão Probe Of Extreme Multi-Messenger Astrophysics (POEMMA), que tem lançamento estimado para o final desta década. Esta será uma forte aliada para observar as astropartículas que chegam à Terra. Aqui, a ideia é que a missão tenha duas espaçonaves equipadas com telescópios híbridos, que vão operar a 525 km de altitude: "com o aumento da coleta de dados, poderemos estudar as fontes das astropartículas ultra energéticas e detectar os neutrinos vindos dos eventos mais energéticos do universo", explica a cientista.
Olinto passou mais de 20 anos elaborando teorias sobre essas partículas, e comenta que as poucas mulheres professoras de física que teve durante a faculdade a inspiraram a continuar na carreira — mas, durante o doutorado, não havia nenhuma professora mulher lecionando, o que a surpreendeu: "orientei 'meio a meio’ alunas e alunos de pós-graduação e doutorado, mas em contraste, éramos 3% de mulheres na pós-graduação do MIT”, conta. “Espero ter conseguido facilitar um pouco a chegada de uma nova geração bem mais diversa do que a minha. A beleza da ciência, como da arte, deveria ser acessível a todos nós”.
Fonte: EarthSky, University of Chicago, Astroparticle, Quanta Magazine, BBC