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Como esta farmacêutica brasileira vai usar a ISS a favor da medicina

Por| Editado por Patricia Gnipper | 08 de Dezembro de 2021 às 18h10

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NASA
NASA

A farmacêutica brasileira Cimed — uma das empresas do setor com maior volume de vendas e conhecida por seus genéricos — dá os primeiros passos rumo à Estação Espacial Internacional (ISS). Para os próximos cinco anos, serão investidos R$ 300 milhões. O movimento é inédito na América Latina e marca uma nova fase para a ciência brasileira no estudo de fármacos e de soluções médicas sob os efeitos da microgravidade.

No dia 21 de dezembro, a primeira parte das iniciativas da Cimed para promover o desenvolvimento científico espacial será iniciada em parceria com a empresa de logística espacial Airvantis. Neste momento, serão patrocinados estudos na ISS com o coronavírus SARS-CoV-2, liderados pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). A organização é supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

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No segundo momento, a farmacêutica comandará experimentos próprios para testar a absorção de vitaminas por leveduras, simulando a ação do aparelho digestivo humano. São os primeiros estudos para uma série de produtos que poderão chegar tanto os que moram na Terra quanto aos astronautas, dentro do projeto Cimed X.

Entre os experimentos, os cientistas poderão estudar métodos para combater radicais livres — que são gerados de maneira mais agressiva no ambiente espacial — e terão a oportunidade de encontrar insights sobre longevidade humana. Além disso, devem contribuir com as pesquisas que podem concretizar a aguardada viagem a Marte, reduzindo probabilidade de câncer para os astronautas, por exemplo.

Para entender os desafios do chamado "Newspace" — este novo momento da economia espacial — e compreender os potenciais desdobramentos dos estudos na ISS, o Canaltech conversou com representantes da Cimed e da Airvantis.

Por que estudar a medicina no espaço?

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“O espaço é um ambiente totalmente nocivo. Você tem um estresse muito grande por conta da radiação e da microgravidade. Então, os genes se expressam de forma estressada no espaço e, muitas vezes, sinalizam coisas que você não conseguiria enxergar na Terra”, conta Lucas Fonseca, engenheiro espacial e CEO da Airvantis.

"A principal vantagem dos testes realizados em ambiente de microgravidade é melhorar a qualidade dos dados experimentais", explicam João Adibe Marques, presidente da Cimed, e Patrícia Lazzarotto, representante do comitê científico do projeto.

Afinal, há alteração de inúmeros efeitos físicos na microgravidade, como a difusão térmica. Na Terra, quando se esquenta o ar de um balão, este balão vai para cima. Só que, no espaço, não existe o ir para cima ou para baixo. Fora do ambiente terrestre, quando o ar é aquecido, a distribuição é feita de forma esférica.

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“Como tudo é distribuído de forma esférica, não necessariamente só o calor, os processos ficam muito mais uniformes no espaço”, explica Fonseca. E essas alterações gravitacionais também afetam a cristalização de proteínas, sendo que esse processo, no espaço, é concluído com menos impurezas, quando é analisado no raio-x.

Investigações sobre o vírus da covid na ISS

Com a descoberta da covid-19, cientistas concentraram esforços em compreender a proteína S (Spike), da membrana viral. Afinal, ela desempenha fundamental no processo de invasão (infecção) das células saudáveis e é o alvo da maioria das vacinas disponíveis. Só que o coronavírus SARS-CoV-2 é muito mais complexo e outros pontos estratégicos precisam ser avaliados.

Por exemplo, a proteína N (Nucleocapsídeo) tem sua estrutura ainda pouco conhecida. Esta desempenha um papel vital no ciclo de vida do vírus, já que atua no processo de formação de novas partículas virais. Na verdade, ela participa do “empacotamento” do RNA genômico do coronavírus.

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Para os pesquisadores brasileiros do CNPEM, entender a proteína N pode abrir novas possibilidades para o desenvolvimento de medicamentos e, potencialmente, controlar a replicação do coronavírus no organismo.

Par investigar esta estrutura, seis amostras da proteína N serão enviadas para o módulo japonês da ISS, o KIBO. As três primeiras serão enviadas no dia 21 de dezembro, em voo do foguete Falcon 9, da SpaceX. Em junho do próximo ano, devem ser lançadas as outras remessas.

“A gente dividiu em dois momentos para ter aprendizado. Se errarmos algo no primeiro, temos a chance de repetir no segundo experimento”, explica o engenheiro espacial Fonseca. No espaço, estas proteínas devem passar pelo processo de cristalização.

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Caso tudo ocorra conforme o esperado, as amostras contendo cristais de proteína retornarão à Terra e devem ser analisadas no Sirius, o acelerador de partículas instalado em Campinas (SP). Nesse momento, insights para o combate da covid-19 poderão ser identificados e desencadear em novas terapias contra a infecção.

Isso porque "o uso do ambiente de microgravidade pode não apenas aprimorar a técnica da formação de cristais de proteínas, como permitir que algumas proteínas, que são impossíveis de serem cristalizadas em gravidade terrestre, sejam estudadas pela primeira vez, como é o caso desse experimento com o SARS-CoV-2", afirmam marques e Lazzarotto.

Testes com multivitamínicos da farmacêutica

Na próxima etapa do projeto da Cimed na ISS, devem ser iniciados, de fato, os testes com os multivitamínicos da farmacêutica. A partir desse momento, novas tecnologias para longevidade poderão ser aprimoradas e desenvolvidas, a partir da experiência acumula em condições de microgravidade de maior radiação.

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Vale lembrar que, segundo o engenheiro espacial Fonseca, “o ambiente espacial tem radiação elevada — muito maior do que a que sofremos na Terra — e essa radiação gera uma maior quantidade de radicais livres no corpo humano". É como se os processos naturais fossem potencializados naquele ambiente.

Co mais radicais livres, o corpo sofre mais com a oxidação e o envelhecimento celular pode ser acelerado. Além disso, o risco de desenvolver algum tipo câncer aumenta. Infelizmente, é esta a realidade dos astronautas que passam longos períodos na ISS e é a mesma que será enfrentada pelos que viajarão até o Planeta Vermelho.

“Uma das maneiras de combater esse aumento de radicais livres é através dos multivitamínicos”, comenta Fonseca. Nesse sentido, a empresa pretender entender como as vitaminas são absorvidas no espaço. A partir dos estudos, algumas perguntas poderão ser respondidas, como entender quais vitaminas podem combater ou reduzir esses efeitos e quais são as quantidades ideias.

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“É ciência básica, buscando entender os efeitos da [exposição à] radiação prolongada no espaço”, resume Fonseca. Com esse entendimento, é possível promover um transbordamento dos conhecimentos adquiridos na microgravidade para à Terra.

Em outras palavras, será possível lançar produtos, para quem vive neste planeta, testados no espaço. "Acreditamos, inclusive, que a investigação por meio dos experimentos espaciais é vital para contarmos com uma indústria farmacêutica nacional mais bem preparada em atender às diversas necessidades de saúde atuais e futuras da população", adianta o presidente da Cimed.

Futuros benefícios para os astronautas

Para além dos produtos disponíveis na Terra, oportunidades poderão ser, eventualmente, criadas no próprio espaço. Isso porque, no futuro, os humanos deverão se aventurar em outros mundos, além da Terra e da Lua.

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“Quando você pensa em uma viagem de seis meses para Marte, você tem uma quantidade grande de chances de ter um câncer. Se você toma a vitamina correta, na proporção correta, é possível diminuir essa probabilidade”, especula Fonseca.

E “quando você pensa na missão Artemis, de ter pessoas vivendo na superfície lunar, ou em estações ao redor da Lua, tomar vitamínicos também é muito importante”, pontua o engenheiro espacial.

Breve história dos remédios no espaço

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No quesito de pesquisas na ISS, a Cimed é pioneira na América Latina, mas o centro de pesquisa tem um longo histórico com a indústria de fármacos. Inclusive, experimentos já eram feitos quando a única opção era o ônibus espacial.

Por exemplo, o antiviral Tamiflu — remédio que ficou conhecido pelo uso contra a pandemia de gripe A, conhecida como gripe suína — foi estudado em experimentos dentro de um ônibus espacial. Já o Prolia — uma medicação para a osteoporose — foi desenvolvido na ISS. “Por ter menor achatamento dos ossos pela falta do peso [no espaço], você tem a descalcificação muito mais rápida. É um lugar muito bom para testar soluções para a osteoporose, por exemplo”, conta Fonseca.

Estes são apenas dois exemplos, mas a lista é considerável e a tendência é que, cada vez mais, descobertas possam chegar do espaço para à Terra.

A vida no espaço

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Se depender das pesquisas e do interesse pelo espaço, cada vez mais comunidades humanas viverão fora da Terra ou, pelo menos, passarão longos períodos distantes do nosso planeta.

“Quando você pensa num astronauta vivendo permanentemente na Lua, você leva os problemas que você tem na Terra para a Lua”, lembra o engenheiro espacial Fonseca. Com as primeiras viagens a Marte, os mesmos desafios serão encontrados pelos desbravadores.

Nesses movimentos, será necessário produzir alimentos, fármacos, veículos, casas, além de aprimorar — ou desenvolver — a medicina espacial. E todo este movimento depende das indústrias terrenas, como a Cimed. Um dia, esta poderá ser uma possível fornecedora de fármacos para essa nova economia.

Outras empresas e outros setores do mercado também começam a embarcar no Newspace, como a General Motors, que busca desenvolver o primeiro carro privado para a Lua. Outro caso é o da Nokia, que planeja lançar um sistema de internet móvel para suportar, exclusivamente, os astronautas no satélite da Terra. E tudo isso é só o começo dessa nova e empolgante aventura espacial!