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Mulher-Hulk | Por que a piada sobre "morte na geladeira" é tão importante

Por| Editado por Jones Oliveira | 06 de Outubro de 2022 às 17h25

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Marvel Studios
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O oitavo episódio de Mulher-Hulk: Defensora de Heróis terminou com um grande gancho para o final da temporada. Só que, mais do que a revelação do Demolidor (Charlie Cox) ou da própria reviravolta da última cena, há um diálogo muito importante que Jennifer Walters (Tatiana Maslany) traz em um de seus momentos de conversa com o público: a piada sobre a morte na geladeira.

A fala é bem breve e está escondida entre uma referência ao Hulk Vermelho e ao Wolverine e, por isso mesmo, pode ser que você nem se lembre. Contudo, ela é extremamente importante por relembrar que a série não é apenas sobre participações especiais e brincadeirinhas com os fãs, mas que carrega um tom bastante crítico a todo o universo de super-heróis. E, para isso, relembra de um dos momentos mais infames da história dos quadrinhos.

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A Síndrome da Namorada na Geladeira

A cena em si acontece já nos momentos finais do episódio, logo depois de o Demolidor sair de cena todo feliz e contente depois de uma noite ao lado da Mulher-Hulk. É quando a protagonista estranha a gente ainda estar ali e passa a suspeitar de que algo de errado vai acontecer.

“Essa vai ser a reviravolta, não vai?”, questiona Jen logo depois de Nikki (Ginger Gonzaga) entrar falando sobre a tal festa de advogados. “Mas a pergunta é: é uma reviravolta tipo ‘tem outro Hulk, só que é vermelho’ ou vão me encontrar morta em uma geladeira?”.

À primeira vista, parece ser mesmo só o senso de humor ácido da heroína. Só que o comentário é uma verdadeira crítica ao papel das mulheres dentro das histórias em quadrinhos.

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Na verdade, ela se refere à chamada “Síndrome da Namorada da Geladeira”, uma estrutura narrativa bastante machista que os gibis costumam usar com frequência e que chegou ao seu “ápice” em uma história do Lanterna Verde, dando origem ao termo. Trata-se da tendência que muitos autores têm de usar a morte e a violência contra personagens femininas como um recurso de roteiro para motivar ou abalar os heróis masculinos.

Na tal história do Lanterna Verde, publicada em Green Lantern Vol. 3 #54 (1994), Kyle Rayner chega em casa depois de uma missão e se depara com um bilhete assinado por sua namorada, Alex DeWitt, dizendo que há uma pequena surpresa na geladeira. Ao abrir, ele encontra a mulher morta lá dentro, assassinada pelo vilão Major Força.

A situação em si já é chocante o suficiente, mas há alguns agravantes. Tanto Kyle quanto a própria Alex haviam sido criados alguns meses antes. A primeira aparição dos dois personagens foi feita em Green Lantern Vol. 3 #48, o que significa que a moça surgiu apenas e unicamente para ser morta de forma brutal, servindo de “motivação” para seu namorado ir atrás do bandido da vez.

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Na época, o episódio rendeu várias críticas, incluindo de nomes da própria indústria dos quadrinhos. A mais contundente delas foi a roteirista Gail Simone, que já escreveu histórias da Mulher-Maravilha, Deadpool e Batgirl. Foi ela quem criou o nome da tal síndrome como forma de expor o absurdo desse tipo de situação.

Segundo Simone, esse tipo de solução narrativa desumaniza as mulheres nas HQs, tratando a figura feminina apenas como algo banal e descartável. E não se trata de não poder matar essas personagens, mas de usá-las apenas para esse fim, sem se preocupar em desenvolvê-las de forma convincente, como acontece com os homens.

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E, embora estivéssemos ainda em uma era em que a internet estava engatinhando, o manifesto escrito pela autora passou a circular por e-mails e fóruns de discussão listando histórias em que esse tropo narrativo aparecia e, principalmente, pedindo para que outros roteiristas se pronunciassem sobre o assunto. Um site chegou a ser criado algum tempo depois e segue no ar até hoje.

O que importa é que o barulho causado pelos protestos mexeu com a indústria, que passou a olhar com mais cuidado para o papel das personagens femininas — o que não impediu, porém, que novos casos da “síndrome” aparecessem nos gibis

Outros exemplos

Por ter sido o criador do termo, a morte da namorada do Lanterna Verde é o caso mais emblemático da Síndrome da Namorada na Geladeira, mas não é o único. Tanto antes quanto depois do manifesto de Gail Simone, outras mulheres morreram nos gibis só para abalar seus namorados e maridos.

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Um exemplo bem famoso disso é a própria Gwen Stacy. A primeira namorada do Homem-Aranha se tornou famosa não só por ter sido vivida pela Emma Stone no cinema, mas por causa de seu destino trágico nas mãos do Duende Verde. E embora ela tenha sido desenvolvida ao longo do tempo nas histórias de Peter Parker até seu destino fatídico, não há como negar que a sua morte serve apenas para abalar o herói.

O Demolidor também passou por situações assim um bocado de vezes, seja com a morte da Elektra como pela própria história da Karen Page, que também acaba morta depois de se tornar viciada em heroína e se contaminar com o HIV.

Nesse caso em específico, trata-se também de uma extrapolação da ideia da mocinha indefesa. Esse é um arquétipo bastante comum em nosso imaginário, já tendo sido apontado diversas vezes como machista e que foi muito recorrente nos quadrinhos, principalmente até os anos 1980. Então, desse ponto para a namorada na geladeira é realmente apenas um passo.

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Já um caso mais recente desse infame recurso narrativo nas HQs aconteceu durante a saga Crise de Identidade, da DC. A história é uma das mais controversas da editora até hoje por repetir essa ideia de violência contra mulher apenas para chocar, fazendo um vilão estuprar a esposa do Homem-Elástico e, depois, matando-a carbonizada logo depois de revelar que ela estava grávida.

A geladeira e Mulher-Hulk

É por isso que o comentário é tão pertinente em Mulher-Hulk: Defensora de Heróis, mesmo que tenha passado batido em meio às piadinhas Marvel. Desde os seus primeiros episódios, a série já carregava esse discurso sobre o papel da mulher tanto na sociedade quanto dentro do mundo de fantasia dos gibis — o que torna a citação ao caso da geladeira bastante significativa.

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Assim, quando Jen percebe que a temporada está acabando e que vem uma reviravolta por aí, ela teme por sua própria segurança por saber que esse é o tipo de situação a que personagens como ela estão fadadas a encarar. E é o tipo de coisa que dialoga muito bem com tudo o que o seriado constrói até então, discutindo justamente o papel da mulher nesse tipo de produção.

Esse é mais um acerto no roteiro de Jessica Gao na produção do MCU. Mesmo não sendo o tipo de coisa que todo mundo vai entender logo de início — e a gente está aqui para explicar e ajudar nessa compreensão —, é muito bom ver esse tipo de assunto ser apresentado para o grande público em uma série como essa e mostrar que não precisa de muito para fazer diferente. Mulher-Hulk que o diga.

Mulher-Hulk: Defensora de Heróis está no catálogo do Disney+.