Homem-Aranha 3 deve se basear em uma das piores histórias do herói nas HQs
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira | •

O tão aguardado trailer de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa finalmente foi liberado e revelou muito sobre o que vamos encontrar na nova aventura de Peter Parker (Tom Holland), principalmente em como o herói vai acabar se envolvendo com o multiverso. Só que, apesar de toda a expectativa em torno da divulgação, nem todo mundo ficou satisfeito com as explicações apresentadas, principalmente pelo fato de a história remeter a um dos piores momentos do personagem nos quadrinhos.
Só que, em 2008, a Marvel decidiu que não queria mais aquilo para a sua cronologia. Afinal, a revelação da identidade do herói mudou completamente a dinâmica de suas histórias. Ele estava sendo caçado pela S.H.I.E.L.D por ter se oposto à Lei de Registro, teve que deixar o Queens e passou a lidar com ataques cada vez mais frequentes de vilões que queriam vingança.
Foi aí que a editora criou o arco Um Dia a Mais (One More Day, no original), considerado um dos mais polêmicos e controversos da história do herói. A trama tem início quando o Rei do Crime contrata um assassino para matar Mary Jane, com quem Parker estava casado na época — guarde essa informação, pois ela é fundamental para a história — e para que ele sofra pelas suas ações. O herói consegue salvar a esposa, mas o tiro acerta a sua tia, que acaba sendo levada ao hospital em estado grave.
Desesperado ao ver que sua tia poderia morrer por causa de uma irresponsabilidade sua, o Cabeça de Teia pede ajuda a todos os heróis que conhece — incluindo o próprio Doutor Estranho, além do Homem de Ferro e de Reed Richards —, mas ninguém podia fazer nada. E é aí que ninguém menos do que Mefisto aparece para trazer uma solução.
O demônio da Marvel nunca foi um personagem recorrente nas histórias do Homem-Aranha, mas ainda assim a editora encontrou uma forma de colocá-lo na trama. Como? Bem, o diabo dos quadrinhos viu o desespero de Parker e apareceu com uma solução mágica: salvaria a vida de Tia May, mas queria algo em troca. No caso, o amor entre o herói e Mary Jane.
É aí que começa a polêmica em torno da solução. Primeiramente, porque ela é extremamente piegas. Pense que estamos falando da grande entidade satânica da Marvel, aquela que representa o caos e tudo o que há de ruim no universo dos gibis. E com todos os seus poderes e influência — nas HQs, Mefisto foi capaz de ludibriar até mesmo Thanos e foi um dos grandes pivôs do arco Desafio Infinito —, o que ele quer? Dominar o mundo? Espalhar o caos e a destruição? Colocar o filho dos outros na droga?
Não, o grande plano de Mefisto em Um Dia a Mais é acabar com um casamento. A razão, segundo o próprio diabo, é para marcar um ponto contra Deus, já que um amor tão bonito e consagrado quanto o de Peter e MJ é tão raro que acabar com isso seria uma enorme vitória contra o Criador.
Só que, como se o argumento não fosse ruim o bastante, os roteiristas fizeram com que Peter e Mary Jane aceitassem o acordo e, assim, o herói mais popular da Marvel acabou fazendo um pacto com o demônio. Dessa forma, Mefisto fez alterações no passado e o casamento nunca aconteceu. De quebra, ninguém mais lembrava da identidade secreta do Homem-Aranha — embora isso não estivesse no acordo inicial feito por Mefisto.
Em uma história publicada um pouco depois de Um Dia a Mais, a Marvel revelou que as memórias sobre a identidade do herói não foram apagadas por obra direta do vilão, mas do próprio Doutor Estranho. Como forma de tentar tapar os buracos deixados no arco original, a editora mostrou que as consequências de Guerra Civil ainda estavam valendo depois do pacto com o demônio e, nesse momento, Parker vai até o Doutor Estranho pedir que ele faça um feitiço para que o mundo esqueça desse episódio, o que é atendido pelo Mago Supremo.
O verdadeiro demônio da Marvel: Joe Quesada
Só que, mais do que todo o argumento errado usado em Um Dia a Mais, o que gerou revolta entre os fãs na época foram as razões que levaram a toda essa bagunça e soluções meia-boca. Toda a ideia de fazer um pacto com Mefisto e usar magia para apagar a memória das pessoas serviu apenas para atender a uma vontade em específico do editor-chefe da Marvel na época: Joe Quesada.
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No início dos anos 2000, durante a gestão de Quesada à frente da editora, ele nunca escondeu a sua insatisfação com o casamento do Homem-Aranha com Mary Jane. Segundo ele, o matrimônio afetava diretamente a dinâmica das histórias e o fato de o herói estar casado o afastava dos leitores mais jovens. Assim, para um personagem que sempre foi marcado pela identificação com o leitor, o casamento era um enorme problema.
Da mesma forma, Quesada não queria que Parker se divorciasse, pois isso também denotaria um envelhecimento ao personagem que, para o editor, não correspondia com a imagem que o Escalador de Paredes tinha. Com isso, a solução foi apelar para a magia.
Só que a solução não foi bem aceita nem mesmo por quem trabalhava nas revistas. O roteirista J. Michael Straczynski falou publicamente diversas vezes sobre o quanto ele era contra essa alteração nas histórias do Homem-Aranha, chegando inclusive a cogitar tirar seu nome da publicação.
Em entrevistas dadas na época, ele afirmou que sempre que questionava os problemas que essa saída poderia causar à cronologia, ouvia a resposta de Quesada de que, por ser magia, nada daquilo precisava ser explicado. Só que os fãs não aceitaram a justificativa e criticaram muito a decisão tomada a ponto de a frase virar uma espécie de slogan contra a Marvel.
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Como isso chega ao MCU?
A gente sabe que Homem-Aranha: Sem Volta para Casa segue muito mais a história apresentada dentro do próprio MCU do que de um arco específico dos quadrinhos, mas não há como deixar de comparar as soluções encontradas pelo Marvel Studios com o famigerado Um Dia a Mais.
O uso da magia para apagar eventos importantes nos quadrinhos nunca deu muito certo e o pacto do Homem-Aranha com Mefisto deixa isso evidente. É claro que, no caso das HQs, havia toda uma questão de bastidores que complicou ainda mais a situação, mas é curioso ver os filmes repetirem o artifício mesmo sabendo que ele não foi bem aceito pelo público antes.
A gente realmente espera que as coisas sejam diferentes e que, desta vez, tenhamos uma história boa e que faça essa solução meio mambembe valer a pena. Só que, aos contrário das HQs, não há nenhum demônio no mundo capaz de nos fazer esquecer da tragédia que foi Um Dia a Mais e o simples fato de isso estar sendo referenciado justifica os olhares desconfiados que muita gente está dando para Sem Volta para Casa.
Depois de passarmos semanas desejando ver Mefisto em WandaVision, o que menos queremos é que o diabo dê as caras no novo Homem-Aranha. "Cuidado com o que deseja", já nos disse o trailer.