Crítica Elize Matsunaga | Doc fala sobre crime e foca no machismo dos tribunais
Por Natalie Rosa • Editado por Jones Oliveira |
Nos últimos anos, a Netflix tem investido em produções documentais sobre crimes, seja em forma de filme ou série, nos apresentando a casos terríveis e revoltantes. O mais novo lançamento da plataforma de streaming, no entanto, traz uma história diferente dentro da temática e com uma nova abordagem, o que vem causando controvérsias.
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Na série documental Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, conhecemos melhor a história da mulher que assassinou o marido e herdeiro das empresas Yoki, Marcos Matsunaga. O assassinato aconteceu em 2012, com Elize esquartejando o corpo no dia seguinte e despejando as partes em um matagal.
Muito se falava, na época, sobre a motivação do crime ser por questões de interesse, uma vez que dias antes estava acontecendo uma negociação bilionária para a venda da empresa. Porém, o documentário se dedica a mostrar outras motivações para o crime bárbaro, não que justifique e que esteja tudo bem, claro, humanizando a criminosa e debatendo questões de machismo e abuso psicológico.
Atenção: esta crítica contém spoilers do documentário Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime!
A série documental conta com mulheres por trás de sua criação, — Eliza Capai na direção, Diana Golts no roteiro e Thaís Nunes como jornalista investigativa — e fica clara a tentativa de trazer mais peso ao machismo sofrido por Elize na época. Ao contrário da maioria dos casos, que acontecem de um homem com uma mulher, hoje definidos como feminicídio, quem cometeu o crime bárbaro foi uma mulher e a vítima foi um homem, sob a justificativa que antes era naturalizada pelo termo “passional”.
Elize é entrevistada fora da cadeia, visto que ela tem direito a saídas regulares perante a lei, e com voz calma e muita tranquilidade conta como era a sua vida ao lado do marido. Na mesma proporção em que relata abusos psicológico e traições, a criminosa destrincha seus planos de investigação, que consistiu na contratação de um detetive particular para flagrar as traições. Com isso, a série não tenta mostrar apenas que ela teve motivos para cometer o crime, como também tinha recursos e habilidades para executá-lo.
Isso porque Elize também fala sobre a facilidade que tinha de caçar e abrir os animais caçados para consumo, seu conhecimento obtido na faculdade de enfermagem e a paixão pelo disparo de armas, o que era compartilhado pelo casal. Esses exemplos são detalhados para rebater o machismo apresentado pela investigação até em relação à execução do crime: ninguém acreditava que ela, mulher, "pequena e delicada", teria cometido sozinha um crime tão brutal.
O machismo está descarado nas falas de outros personagens envolvidos no caso, como de amigos de Marcos e até sua prima, que diz que toda mulher gostaria de ter um marido como aquele. A descrição do relacionamento dos dois, na visão destes homens, era de um conto de fadas, de uma mulher que tinha tudo nas mãos, que foi “salva” da prostituição e que poderia viver uma vida de princesa. Tudo isso, claro, aguentando as traições. O sistema que reduz mulheres a simples companheiras é visto do primeiro ao último episódio.
A humanização de Elize é constante. Vemos ela, atualmente, sem o rosto abatido, com unhas e cabelos feitos, além de um pouco de maquiagem. Ela é mostrada aos prantos reencontrando a avó e a tia, cozinhando e se arrumando para dormir em uma casa provisória durante uma das saídas. Essas imagens são raras em documentários do tipo, pois, quando pensamos em entrevistar um assassino, esperamos imagens de uma pessoa raivosa, sem qualquer preocupação estética ou, de forma mais imaginativa, com marcas físicas e psicológicas bastante visíveis.
O mais interessante da proposta de apresentação do documentário é não se restringir apenas à motivação com base nos anos de vida de Elize ao lado de Marcos, como também em como foi a sua vida na cidade de Chopinzinho, no interior do Paraná, até a mudança para São Paulo. Basta assistir a qualquer documentário sobre assassinatos em série para ver uma semelhança com o caso, com os criminosos apresentando passados que, de alguma forma, geraram traumas. Esses fatos trazem o debate de que as pessoas não nascem assassinas, mas se tornam vítimas dos sistemas ao redor.
O documentário, sem dúvidas, traz uma outra perspectiva na hora de nos apresentar a um assassino, invertendo o gênero e transformando a acusada em um humano, e não um monstro. Para alguns, a série documental pode parecer dar uma voz desnecessária a uma pessoa que cometeu um assassinato; para outros, pode ser simplesmente um entendimento em como todos estamos vulneráveis a sofrer com as consequências da sociedade, cultura e costumes ao redor. Isso desperta uma curiosidade natural no ser humano, justificando a existência da produção.
Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime está disponível na Netflix em quatro episódios.