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Crítica | Utopia dá vida às conspirações de HQ com violência gratuita e pandemia

Por| 04 de Novembro de 2020 às 11h00

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Divulgação: Amazon Prime Video
Divulgação: Amazon Prime Video

Em novembro de 2020 completa oito meses desde que a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretou a transmissão do novo coronavírus como uma pandemia mundial. Desde então, são milhões de pessoas infectadas e centenas de milhares de vítimas, em meio a uma disputa global na descoberta de um medicamento eficaz no tratamento da doença, além do desenvolvimento de uma vacina.

Oito meses é tempo suficiente para estarmos saturados com o assunto "COVID-19", mas ainda tem muito o que vir pela frente. Neste oitavo mês de pandemia também estreou a série Utopia, no Amazon Prime Video, que fala justamente sobre isso. Uma infeliz coincidência que, dependendo do olhar individual, pode fazer com que a trama seja mais atraente ou que seja motivo para passar longe dela.

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Atenção: esta crítica contém spoilers de Utopia!

Onde está Jessica Hyde? Onde está Utopia? Essas são as duas frases mais ditas no início da série, que é baseada em uma produção de mesmo nome que estreou em 2013 no Reino Unido e contou com apenas duas temporadas. Agora, a versão norte-americana foi criada e escrita por Gillian Flynn, responsável pelos livros Objetos Cortantes, que virou série para a HBO, e Garota Exemplar, que também foi adaptado ao cinema, e traz uma mistura de inspirações famosas para a história.

Utopia começa lembrando bastante temas relacionados ao mundo "geek", que trazem feiras e eventos de quadrinhos, pessoas julgadas pela sociedade como "nerds" e esquisitas, passando por uma aproximação com filmes de terror "trash" e, por fim, uma matança fria, completamente gratuita e nada empática conhecida pelas produções de Quentin Tarantino. Essa mistura resulta em uma série que exige 100% da sua atenção para (tentar) entender o que está acontecendo, em meio às diversas reviravoltas e descobertas que são surpreendentes não só para nós, quanto para os personagens.

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Tudo começa quando um casal encontra um único exemplar de uma revista em quadrinhos chamada Utopia, que por sua vez é derivada dos quadrinhos Distopia, que conquistou fãs que farão de tudo para ler essa nova HQ. Os jovens, então, levam a peça para a feira Fringecon para leiloá-la. Em um quarto no hotel do evento, eles se reúnem com alguns amigos para receber pessoas interessadas em comprar o exemplar, cada um tendo direito a ver apenas uma página. A pessoa, então, coloca seu nome, onde mora ou está hospedado, telefone e o valor que estão dispostos a pagar. Quem pagar mais, leva.

E quem adquire a peça é um aparente milionário que desembolsa nada menos que US$ 20 mil pela HQ. Mas diferente do grupo protagonista da série, ele parece só estar interessado pela exclusividade, como se fosse um colecionador. Porém, Utopia não é apenas uma história em quadrinhos, mas sim uma história real contada de forma enigmática cheia de quebra-cabeças e que entender o seu conteúdo é essencial para evitar que o mundo seja comandado por pessoas mal-intencionadas citadas naquela história, e é exatamente isso o que o grupo quer fazer.

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Esses jovens, que se conheceram na internet e se encontraram pessoalmente pela primeira vez no evento, estavam empenhados em descobrir mais sobre essa grande teoria da conspiração que, nos próximos episódios, se mostra mais real do que nunca. Então, eles não estavam sozinhos nessa busca. É quando os grandes vilões começam a aparecer e transformam a história "nerd" em um grande plano poderoso que envolve o governo dos Estados Unidos, a China, a FDA, que funciona como a Anvisa aqui no Brasil, o Centro de Controle de Doenças e uma corporação farmacêutica norte-americana.

Utopia, então, coloca em prática uma produção lúdica de uma história perigosa, que envolve a caçada desse grupo que sabe de coisas demais, a busca pela HQ Utopia, que foi escrita dentro de um manicômio e por Jessica Hyde, protagonista da história e que é uma pessoa real, que viveu tudo aquilo e que também acaba se tornando a líder desse grupo. O problema principal aparece mais na segunda metade: um vírus foi criado por essa grande corporação com um plano sinistro para a humanidade.

A partir de então vale dar os méritos para o grande elenco de Utopia. O chefe dessa corporação é o Dr. Kevin Christie, interpretado por John Cusack, mostrando que a teoria da conspiração dos gibis é verdadeiramente ameaçadora. Escondido por trás de um humanitário e filantropo, ele age de forma brutal para conseguir o que quer, envolvendo a morte de centenas de pessoas inocentes, inclusive crianças, sob a justificativa de amar as pessoas, e não odiá-las. Inclusive, a série questiona o quanto de crueldade é preciso para fazer o bem no final.

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Para isso, ele vem "criando" pessoas para diversas finalidades, cada uma com o seu propósito, que vão o ajudando a construir esse plano da dominação mundial que ele tanto quer e que, no final, não se trata de exterminar as pessoas, mas sim esterilizá-las. Contra ele está Jessica Hyde, papel de Sasha Lane, atriz já vista na série Amazing Stories da Apple TV+ e no filme Hellboy de 2019, que conseguiu criar uma personagem tão decidida na sua missão e, ao mesmo tempo, tão vulnerável aos traumas vividos nas mãos do pai, que ela acreditava serem apenas cuidados.

Outra atuação impecável é de Rainn WIlson, o eterno Dwight de The Office, que interpreta o virologista Michael Stearns, que também vítima da corporação, mas que em momentos é difícil de decifrar se ele está do lado bom ou ruim. A apatia de Arby (Christopher Denham) também é notável, sendo um personagem com traços de sociopatia que mata sem dó nem remorso, justamente por ter sido criado com esse propósito por Christie. Vale o destaque também para o elenco infantil da trama, que conquistam não por serem crianças fazendo papéis sérios, mas por simplesmente atuarem bem e ponto final.

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Utopia é uma série repleta de quebra-cabeças, que vão sendo desvendados conforme os personagens da HQ vão sendo relacionados com a vida real, e isso exige tempo. Em meio à violência gratuita e diálogos que tentam ser engraçados, mas que falham pela tensão que a trama traz do começo ao fim, a série traz uma experiência diferente ao espectador, mesmo que ele já seja uma pessoa acostumada à abordagem bastante apropriada por Tarantino.

A série acaba trazendo um sentimento de impotência perante à transformação da conspiração com a vida real, principalmente por estarmos vivendo uma pandemia. Não que algo do tipo possa acontecer fielmente, mas Utopia apenas traz a realidade de que estamos nas mãos de governos poderosos e grandes indústrias que escondem propósitos perigosos disfarçados de "o que é melhor para a humanidade".

É difícil dizer também que Utopia diverte, uma vez que é uma série com uma história intensa e pesada que tenta ser camuflada em elementos divertidos, seja com o grupo de jovens inexperientes e com vidas antes ordinárias ou com as reviravoltas frequentes. A série desperta no espectador aquela dúvida do que é real e o que não é de uma teoria da conspiração, nos deixando pensativos e receosos, e isso pode tornar o mistério envolvido na trama mais interessante, sendo uma experiência completamente válida.

Utopia contou com oito episódios na primeira temporada, deixando uma abertura para a segunda. A série está disponível completa no Amazon Prime Video.