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Crítica | Um Príncipe em Nova York 2 recicla e exalta a comédia oitentista

Por| Editado por Jones Oliveira | 10 de Março de 2021 às 21h00

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Amazon Studios
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Não vou dizer como alguém deve ver o filme, mas cabe o aviso: assim como disse ao escrever sobre o primeiro filme, realmente vale muito a pena rever Um Príncipe em Nova York com os olhos de hoje antes de se aventurar pela sequência. Para quem está chegando agora e não está muito afim de ver o antigo filme, a história também não se perde (ainda que se percam algumas referências) e não há com o que se preocupar, porque há flashbacks o suficiente para que todo mundo fique por dentro.

Tendo em mente a carreira de Eddie Murphy, a chegada da sequência era nebulosa. Apesar de ter sido um ícone durante os anos 1980 e 1990, seus filmes começaram a receber muitas críticas negativas antes mesmo dos terríveis O Grande Dave (2008) e As Mil Palavras (2012). Rever seus filmes mais antigos, no entanto, é impressionante. Há doses ótimas de reflexões sociais que passavam despercebidas nas mentes de quem consumia esses filmes há duas décadas e que hoje parecem muito mais óbvias do que realmente são.

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Um Príncipe em Nova York 2, além da técnica, é também um grande filme, porque é um real entretenimento e não apenas para os espectadores. É possível ver o brilho nos olhos dos atores que veem surgir diante de si um espetáculo versão 2.0 do que foi o primeiro filme. Com um roteiro sobre mudanças, não foi difícil atualizar Um Príncipe em Nova York para os nossos tempos, afinal, o primeiro filme é sobre Akeem (Murphy) desafiar a tradição que lhe impõe um casamento. Quebrar paradigmas, no entanto, é um processo eterno, o que significa que o filme pode ter outros muitos desdobramentos, com um roteiro que pode ser revisitado ao longo das décadas, mesmo sem Murphy.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

Pé na porta

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Um Príncipe em Nova York 2 já começa muito bem evocando a abertura do primeiro filme. Com a mesma tipografia, vemos os créditos surgirem na tela até que, enfim, surge uma Zamunda atualizada, um reino que já não parece mais um cenário pintado, mas sim um palácio bastante convincente graças à computação gráfica.

Nessa sequência de abertura temos contato com alguns dos principais personagens (e atores) do primeiro filme. Infelizmente, não temos o retorno de Madge Sinclair, a Rainha e mãe de Akeem, uma vez que a atriz faleceu em 1995. O Rei, interpretado por um James Earl Jones no auge dos seus 90 anos, retorna para uma despedida realmente digna de um rei.

Na sequência de abertura, a sequência emula o primeiro filme. Dessa vez, a festa não é um casamento, mas sim um funeral, uma festa que o Rei quis presenciar ainda vivo. Assim, o filme já quebra a ideia mais óbvia de que veríamos Akeem já como rei, o que só acontece em um segundo momento. Mas antes de se entregar à trama da sequência, vale demais a pena se deixar levar por toda nostalgia dessa sequência de abertura, que se torna ainda mais icônica e emocionante com a tranquila e belíssima morte do Rei Jaffe Joffer. Inclusive, não é qualquer um que pode ter Morgan “Deus” Freeman como host do próprio funeral.

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Para além dos sentimentalismos, a sequência de abertura é impressionante por estabelecer um design de produção que não atualiza completamente a aparência do antigo filme, mas recicla a estética, misturando-a com elementos mais contemporâneos. O figurino criado por Deborah Nadoolman em 1988 é maravilhosamente homenageado pela genial Ruth E. Carter, figurinista responsável por filmes como Pantera Negra, Meu Nome é Dolemite e Malcom X.

Com isso tudo e mais detalhes que podem ser encontrados pelos fãs do primeiro filme, Um Príncipe em Nova York 2 chega metendo o pé na porta para dizer que a comédia oitentista não morreu. Só não souberam utilizá-la.

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Atualização

Na outra crítica, cheguei a citar o quão impressionante é que um filme de 1988 tenha como mote justamente um homem que se recusa a ter uma mulher que foi “criada para ele”. Com o trailer da sequência, o filme parecia bastante previsível, mas não foi de forma alguma (ainda que possamos antecipar a filha de Akeem como herdeira do trono). A previsibilidade que parece pairar sobre o filme é apenas uma sensação de déjà vu ao passo que elementos do primeiro filme são revisitados, ainda que às avessas.

Apesar de estar um tanto a frente do seu tempo, Um Príncipe em Nova York toma decisões criativas que, hoje, já nem sequer são cogitadas, um resultado da evolução que sofremos nesses mais de trinta anos que separam ambos os filmes. Eddie Murphy não ignora o que há de datado no original e aproveita a mudança dos tempos para quebrar outras tradições de Zamunda. Com três filhas, Akeem agora está diante de um novo problema: precisa de um herdeiro homem ou precisa encontrar um marido para a sua filha.

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Aqui entra o alívio cômico do General Izzi, interpretado por Wesley Snipes, que consegue deixar o personagem ao mesmo tempo engraçado e assustador. A “princesa perfeita” de 1988 é atualizada para a figura de Bopoto (Teyana Taylor), que lembra muito a figura de grandes ícones pop como Beyoncé e Rihanna. Ao contrário de Akeem, Lavelle Junson (Jermaine Fowler) aceita a ideia do casamento arranjado logo de cara, apenas para descobrir posteriormente o que seu pai havia pensado instintivamente quando mais novo.

A inserção de Lavelle na trama, junto a sua mãe interpretada pela hilária Leslie Jones, evoca outro tipo de comédia — esta mais familiar para os brasileiros. Enquanto Um Príncipe em Nova York aponta os contrastes ao mostrar o choque cultural sofrido pelos personagens ao chegarem no Queens, a sequência mostra um Queens renovado e traz um personagem de lá para viver o cotidiano riquíssimo de Zamunda. Uma trama que estamos acostumados a ver por aqui, ou seja, o humor do “pobre” que de repente é inserido no “mundo dos ricos”.

Consciência e legado

Enquanto a maioria das comédias usam premissas como as desses filmes para fazer piadas que diminuem e humilham alguns personagens, extraindo risadas da desgraça alheia, Um Príncipe em Nova York 2 convoca a geração de realizadores de hoje para repensarem o próprio humor.

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David Sheffield, que antes de escrever filmes do Eddie Muphy assinou os roteiros de Loucademia de Polícia do 2 ao 5, se juntou novamente ao colega com quem escreveu essas tantas comédias, Barry W. Blaustein. Dessa vez, no entanto, a presença de Kenya Barris (Black-ish) pode ter sido o fator responsável por Um Príncipe em Nova York 2 ser tão pertinente em termos de questões raciais e feminismo, mas sem deixar de lado a nostalgia do primeiro filme e, mais importante, reconhecendo que algumas coisas precisavam mudar, assim como a tradição de Zamunda.

Um olhar atento para o trabalho feito em Um Príncipe em Nova York 2 revela um enorme trabalho de elogio à comédia. O filme adquire ares de metalinguagem algumas vezes, o que nos faz refletir sobre o próprio trabalho de adaptação, criação de sequências e remakes. Há, inclusive, um momento em que os personagens discutem sobre sequências, mas parece ainda mais significativo o diálogo entre Akeem e Cleo McDowell (John Amos), quando o Rei viaja novamente ao Queens só para sentir a simplicidade de limpar o chão novamente.

Um Príncipe em Nova York 2 parece ter uma equipe muito ciente sobre todos os aspectos do filme: o que era o primeiro filme quando lançado e o que é esse título hoje? Por que é pertinente reviver esses personagens? Por que vale a pena fazer essa sequência? Quanto à necessidade de uma sequência, isso não existe e, acredito eu, é uma espécie de mesquinhez dizer que uma certa arte não deveria ter sido feita. Não é uma questão de dever, mas sim de lidar com o que está no mundo.

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Removida essa discussão sobre “valer a pena”, Um Príncipe em Nova York 2 é impressionante por conseguir conectar gerações enquanto ainda tapa os buracos do primeiro filme e cria uma comédia bastante divertida com um filme que, antes, parecia ter se esgotado em si. Ah! E não esqueça de conferir os nomes do elenco, porque Murphy e Hall incorporaram novamente os personagens caricatos do primeiro filme usando as mesmas maquiagens, mas com a qualidade que 2021 permite.

Obs.: Lembra da música que Oha (Paul Bates) canta para anunciar a chegada da pretendente de Akeem no primeiro filme? A mesma música é cantada por ninguém menos que John Legend nos créditos finais de Um Príncipe em Nova York 2. Ficou tão engraçado que até o próprio Legend parece segurar o riso.

Um Príncipe em Nova York 2 está disponível para streaming no Amazon Prime Video.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech