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Crítica Spiderhead | Uma bela alegoria, mas repleta de tropeços

Por| Editado por Jones Oliveira | 22 de Junho de 2022 às 19h30

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Quantas vezes você já fez algo e ficou se perguntando por que diabos se submeteu àquilo? E quantas vezes você apenas aceitou algo como uma espécie de autopunição por uma culpa que você carrega? A vida é feita de arrependimentos e seria fantástico se houvesse uma panaceia que nos permitisse simplesmente esquecer todas essas dores e aceitar nossos erros.

É com essa ideia que Spiderhead, o novo filme de Chris Hemsworth e Miles Teller, chega à Netflix. Baseado em um conto publicado na revista The New Yorker, o longa é uma grande metáfora a essa busca por autoperdão e como, nesse processo, nos submetemos e aceitamos certas situações por acharmos que merecemos aquilo. Só que, como em uma boa ficção-científica, tudo isso é apresentado de uma forma bem intrigante.

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Toda a trama se passa em uma prisão conceitual chamada Spiderhead, em que os detentos não estão presos em celas e nem precisam passar por toda a brutalidade do sistema carcerário tradicional. Eles podem andar livremente pelo complexo e seguir com suas rotinas, mas com uma única condição: que aceitem participar de um experimento com drogas que permitem que suas emoções sejam controladas remotamente.

Assim, com um simples toque no celular, os internos podem se apaixonar por alguém, enxergar o mundo de forma mais poética ou serem tomados pelo mais profundo e absoluto pânico. E a grande pergunta é por que alguém aceitaria passar por algo assim.

Uma mente terrível e um sorriso sedutor

Todos esses experimentos são comandados por Steve Abnesti (Chris Hemsworth), o típico executivo de startup que a gente se acostumou a ver no cinema. Jovem, cheio de manias e com um jeito bastante excêntrico, foi ele quem idealizou a Spiderhead e que comanda todos os testes, manipulando funcionários e detentos com sua lábia para conseguir avançar nos testes, inclusive aqueles mais questionáveis.

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E é aí que está o grande charme do longa. Hemsworth incorpora muito bem esse CEO sem escrúpulos acostumado a conquistar tudo na base do charme, passando por cima de tudo e de todos com um simpático sorriso no rosto. Embora seja uma construção clássica desse tipo de personagem, o ator incorpora isso muito bem e faz desse vilão a coisa mais interessante de todo o longa.

Tanto que é quando a trama é centrada em Abnesti e no mistério envolvendo seus experimentos que tudo fica mais interessante. Todos os testes são o que há de mais intrigante no filme — o que nos torna, de certo modo, cúmplices do sadismo do vilão na hora de brincar com os limites de suas cobaias —, pois é a partir dele que outras discussões paralelas à temática central se desenvolvem.

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É na figura desse CEO que se apresenta muito mais como um amigo dos internos do que o administrador da prisão que questões sobre liberdade, livre arbítrio e até questões relacionadas a políticas prisionais se desenvolvem, ainda que de forma an passant na maioria dos casos.

A todo momento, ele pontua que os detentos são privilegiados por serem usados como experimentos, seja por serem peças importantes em uma descoberta científica ou pelo simples fato de terem regalias não existentes nas prisões comuns. É o tipo de discurso sedutor e, ao mesmo tempo, enganador que encaixa muito bem nesse tipo de personagem e que encontra ecos para além do filme. Afinal, todos ali têm a obrigação moral de aceitar o que for ordenado por Abnesti, pois ele é esse salvador que os aceitou nesse “paraíso”, mesmo que eles tenham que viver o inferno em suas mãos.

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É uma reflexão interessante e que engrandece muito o personagem de Hemsworth. Ainda que o roteiro por muitas vezes limite o vilão a esse CEO sem escrúpulos e com cara de bom moço na maioria das vezes, ele é o espírito de Spiderhead — tanto o filme quanto da prisão em si.

Só que não é ele o protagonista dessa história. Toda a jornada de autoaceitação e de se perdoar está em Jeff (Miles Teller), um dos vários detentos sob os cuidados de Abnesti que aceita ter suas emoções e sensações controladas pelas drogas administradas pelo executivo.

É ele quem passa pelo processo de entender o funcionamento dos testes e a natureza por trás das palavras amigáveis do CEO e que, no fim das contas, se questiona sobre o porquê de todos aceitarem participar de um experimento tão imoral quanto esse. Nessa grande metáfora sobre se perdoar, Jeff é a personificação do momento em que nos damos conta de que não há caminho fácil para esquecer nossos erros e que não é nos punindo que a culpa vai embora.

E se, por um lado, o modo como esse despertar da consciência é bem representado, toda a jornada do personagem em si deixa a desejar — e muito pela dificuldade do roteiro de criar situações que desenvolvessem melhor o personagem e aqueles à sua volta.

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Boa parte desse processo de autoaceitação de Jeff passa por seu relacionamento com Lizz (Jurnee Smollett), com quem ele desenvolve uma grande amizade dentro da Spiderhead e com quem há uma nítida tensão de algo a mais ali. O problema é que ela acaba sendo muito mal explorada, servindo mais de confidente do que alguém realmente importante para a história, o que empobrece a sua própria história quanto a do protagonista.

Não por acaso, quando o passado desses dois personagens é apresentado ao espectador no que deveria ser o clímax dramático da trama, não há impacto algum. Toda a narrativa é construída de modo a parecer que há um grande mistério que pode abalar tudo, mas que não se concretiza — e muito porque você simplesmente não se importa o suficiente com Lizz para isso.

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Isso não faz com que a história de Spiderhead seja ruim ou que o filme seja desinteressante. Pelo contrário, ele segue sendo muito instigante, mas fica nítida a sensação de que há algo faltando ali. E é irônico que em um roteiro que fala sobre controlar emoções, o desenvolvimento de seus personagens seja tão morno.

Derrapada final

Ainda assim, como essa ficção-científica mais pé no chão, Spiderhead se sai muito bem. Por mais que a sensação seja de que o roteiro não conseguiu extrair todo o peso que o conto original carrega, ele funciona como essa metáfora que instiga ao mesmo tempo que diverte e entretém.

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Só há um único porém nisso tudo: o quanto o diretor Joseph Kosinski não sabe concluir uma história. Isso é algo que já tinha sido sentido em Top Gun: Maverick, com toda a sequência final fora dos aviões, e que se repete em uma última parte da história que parece estar completamente deslocada de tudo o que o restante do filme apresentou.

Depois do confronto entre Jeff e Abnesti e de todo o clímax ser concluído, o diretor desenvolve uma outra cena de perseguição que estica o filme de forma desnecessária e completamente fora do tom. Soando quase como um episódio dos Trapalhões, os heróis precisam fugir de uma horda de detentos furiosos ao som de uma música engraçadinha enquanto o vilão tenta escapar. E tudo isso para nada.

Como se não bastasse, há ainda uma narração final que surge repentinamente para explicar a metáfora que o filme construiu até ali. É como se o diretor duvidasse da capacidade do espectador de entender ao que acabou de assistir, segurasse sua mão e explicasse o que quis dizer com tudo isso. É um didatismo que beira o infantil e que não combina com o restante da obra.

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Ainda assim, o saldo de Spiderhead é bastante positivo. Longe de ser uma grande obra do gênero, ele funciona naquilo que uma boa ficção-científica precisa ser: uma alegoria para o presente ao extrapolar o futuro. Com boas atuações em um roteiro competente — mesmo com muitos tropeços —, ele só precisa de uma dose extra de ousadia para encontrar seu tom.

Spiderhead está disponível no catálogo da Netflix.