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Crítica | Soulmates é cheio de boas intenções, mas tem medo de ousar

Por| 21 de Fevereiro de 2021 às 15h00

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AMC
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Uma das principais preocupações do ser humano é dividir a vida com alguém em que possa confiar, amar e envelhecer junto. Desde muito jovens, a ideia de que o amor está relacionado à felicidade é colocada para as pessoas por meio de filmes infantis, livros de história e até mesmo conversas de adultos. O medo de permanecer solteiro para sempre é, inclusive, um transtorno: chamado de Anuptafobia, o termo é uma palavra híbrida do grego com o latim, e significa "medo irracional de não encontrar um parceiro", e acaba sendo fomentado quando o indivíduo cresce sob a constante pressão de que entrar num relacionamento amoroso é sinônimo de realização vital.

Em Soulmates, originalmente transmitida pela AMC, os criadores, roteiristas e produtores William Bridges e Brett Goldstein oferecem uma realidade em que encontrar o par perfeito não precisa ser uma preocupação para a sociedade. Devido a um teste criado por uma empresa chamada Soul Connex, as personagens podem ter uma resposta 100% precisa de quem é a sua "alma gêmea" (assim a publicidade dentro da série vende o exame). Encontrar sua outra metade em Soulmates é uma força mais poderosa do que qualquer outro sentimento, permitindo às pessoas viverem o famigerado "felizes para sempre".

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Atenção! A partir daqui o texto pode conter spoilers da série Soulmates. Leia por sua conta e risco.

Soulmates trata-se de uma antologia, ou seja, cujas histórias não estão ligadas umas às outras, sendo introduzidas e concluídas em um só capítulo. Por apresentar uma tecnologia inovadora em um mundo não tão estranho (afinal, estamos falando de apenas 15 anos daqui), o público terá um gostinho de Black Mirror, o que não é necessariamente errado, visto que William Bridges foi o responsável por roteirizar os polêmicos USS Callister e Shut Up and Dance da série da Netflix. A diferença entre ambas produções, na realidade, é justamente que a série da AMC apresenta apenas uma tecnologia em sua história e aborda todos os casos que podem ser impactados por ela.

No primeiro instante do primeiro episódio o espectador é apresentado à milagrosa solução para a vida afetiva dos solteiros, divorciados e até mesmo casados: o teste da Soul Connex funciona como um exame de vista, mas a série não se preocupa muito em explicar como ele funciona ou o que é estudado para os resultados serem retirados dos pacientes. Tudo o que se sabe, no entanto, é se a "alma gêmea" do paciente já passou pelo procedimento antes e possui cadastro no banco de dados da empresa ou, se por algum motivo, aquele indivíduo terá que esperar um pouco até o amor bater em sua porta — isso é, em nenhum momento questionando sua eficácia.

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Oferecendo um elenco composto por nomes famosos como Charlie Heaton (o Jonathan Byers, em Stranger Things), Sarah Snook (de Succession), Nathan Stewart-Jarrett (de Misfits) e Bill Skarsgård (o Pennywise, em IT - A Coisa), os roteiristas mostram que não há limites em mostrar os diferentes cenários a serem explorados, solucionados ou até mesmo arruinados por conta do teste. É interessante observar também como os personagens possuem diferentes comportamentos diante do exame, às vezes tratando-o de fato como a solução para 99% de seus problemas, ignorando-o sua existência ou até mesmo tratando-o como um tabu, muitas vezes referindo-se a ele como "o teste".

Embora cheia de boas intenções, Soulmates não confia em seu próprio potencial. Em vários momentos a série duvida de sua própria capacidade de quebrar as barreiras do bizarro e peca na ousadia, deixando em dúvida se o medo é parecer surreal demais ou se o objetivo é exatamente permanecer o mais próximo da atualidade, já que diariamente lidamos com aplicativos de namoro e relações cada vez mais líquidas. Por mais que venha com uma proposta interessante e factual, a série não tem vontade se jogar num desfecho perturbador, coisa que Black Mirror não teve medo algum de fazê-lo.

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Por mais que os episódios (mais curtos que os de Black Mirror, vale destacar) deixem a sensação de ideias ambiciosas, mas com muita dificuldade de serem manejadas, Soulmates está longe de ser descartável. Entre os episódios que valem o play, está o primeiro Watershed, mostrando o relacionamento perfeito de Nikki (Snook, que brilha no papel) e Franklin (Kingsley Ben-Adir), que tiveram a sorte de levar o namoro enquanto jovens para um casamento com filhos. Uma vez invejada por conseguir esse feito, a esposa lida com um enorme dilema em sua mente ao ver o chão se mover sob seus pés e, de repente, sua vida conjugal não estar mais tão feliz assim. Sob a desculpa de "já achei o amor da minha vida e não preciso do teste", o primeiro episódio explora muito bem a indecisão de fazer essa descoberta quando há muito mais em jogo do que o fim de uma relação.

Layover, por sua vez, traz Mateo (Skarsgård) e Jonah (Stewart-Jarrett) numa química inquestionável para as telas vivendo um casal homoafetivo que se conheceu no México. Indicado para os fãs de "enemies to lovers", o quarto episódio da temporada apresenta um tom mais humorístico e descontraído, quebrando a narrativa tensa que pairou nas últimas histórias. Nesse caso, os protagonistas vivem a situação em que uma das partes parte do relacionamento já sabe quem é sua "alma gêmea", e de nada adianta mudar sua decisão agora.

É importante também comentar de Break on Through, episódio que chegou mais perto do sentimento bizarro e difícil de digerir após sua exibição. Nele, Charlie Heaton vive o jovem Kurt, cuja alma gêmea apontada pela Soul Connex faleceu antes de tê-la conhecido. Cego e embriagado do sentimento de que não é possível ser feliz na vida se não tiver a (como ele pensa) amada ao seu lado, o protagonista tenta contra sua própria vida antes de entrar num culto fanático e religioso que promete o encontro de seus seguidores com suas caras metades.

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Little Adventures é, sem dúvidas, o melhor da série até então cuja história poderia muito bem se desdobrar para uma temporada inteira. Além de explorar questões como a fragilidade de certos relacionamentos monogâmicos, o episódio traz impressionantes atuações de Laia Costa, Shamier Anderson e Georgina Campbell, fazendo o público refletir até que ponto o amor pode chegar e se há limites para tal.

O mais interessante de Soulmates, acima de tudo, é justamente como a série se concentra no prático, já que a teoria pinta muito bem como a vida pode ser bela após a descoberta de sua alma gêmea. É interessante observar o quão perto estamos como sociedade da retratada ali, embora outras tecnologias não sejam muito exploradas, apenas introduzidas (como os telefones de material transparente, paredes em touch screen e a mais moderna casa inteligente); mas como o ser humano pode ficar cego diante de uma informação da felicidade garantida, como retratado no episódio dois em que, mesmo sendo enganado, o professor universitário David Maddox (David Costabile) acredita ter sentido uma conexão ao simplesmente encostar na mulher que lhe dizia ser sua alma gêmea.

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E falando nisso, Soulmates não poderia ser mais certeira em seu nome, apresentando um final de cada um dos capítulos que variam suas tramas aos mais extremos picos, mas nunca deixam de deixar o espectador se questionando: como sabemos com toda certeza que estamos com a pessoa certa ao nosso lado?

Soulmates já foi renovada para a segunda temporada pela AMC. A primeira temporada está disponível no Prime Video.