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Crítica | Psicose é um clássico irretocável do suspense

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Shamley Productions
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Alfred Hitchcock era um manipulador. Ele foi um dos diretores mais efetivos na história do cinema a utilizar a linguagem do cinema para construir algo muito seu, a fazer algo que, no final das contas, tornou-se ele mesmo. Lá se vão quatro décadas da sua morte, mas seus conhecimentos de imagem e de som permanecem manipulando praticamente tudo o que é feito na criação de suspense. Era, também, um gênio midiático, sendo um dos primeiros diretores a explorar a própria imagem e a se tornar uma persona pública: suas fotos para os próprios filmes são icônicas, assim como vê-lo como figurante neles.

Algumas de suas técnicas às vezes eram expostas de maneira expositiva sem perder a genialidade. Em Janela Indiscreta (de 1954), por exemplo, o trabalho de impor ao público a característica de voyeur, dando abertura para que os expectadores se sintam observando até mesmo o que aparentemente não deveriam, é trabalhado de maneira metalinguística, com o protagonista (interpretado por James Stewart) sendo esse observador.

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Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

Mistério detalhista

O mesmo aspecto é solidificado em Psicose (disponível na Netflix) seis anos depois, mas de maneira um tanto quanto camuflada, alimentando a tensão. No início, com a imagem percorrendo a cidade do alto, logo Hitchcock leva o espectador a uma janela semiaberta e entra como se observasse clandestinamente tudo ali. Na cama, Marion (Janet Leigh) conversa com Sam (John Gavin) e, por algum tempo, a câmera parece fugir da percepção da protagonista, até mesmo em um breve diálogo romântico em que só se vê a ela de costas. É como se Hitchcock fundamentasse a personalidade de sua protagonista por meio dos planos, da construção de uma mise-en-scène formal, analítica, onde ela (Marion) está a mercê de ser a caça e longe de ser o caçador.

Se nos créditos iniciais a música emblemática de Bernard Herrmann revela-se violenta e, de certa forma, repetitiva, há uma quebra assim que os créditos terminam. A tensão musical cede espaço aos detalhes da observação. E é quase hipnótico que o último símbolo antes de voltar-se o olhar à cidade do alto coincida com o fechamento da intensidade de Herrmann junto à simbologia de uma onda sonora decrescente. Nesse ponto, enquanto a música parte para uma misteriosa calmaria, esse mesmo mistério é exposto por meio de datas e horários extremamente específicos: Phoenix, Arizona, sexta-feira, 11 de dezembro, duas e quarenta e três da tarde.

A caça e a mente adoecida

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O controle total de Hitchcock é exposto em cada detalhe. Nesse sentido, espelhos acabam sendo chaves psicológicas do processo, como se prenunciassem Norman Bates (Anthony Perkins). Milimetricamente posicionados, eles podem criar a consciência – ou inserir na inconsciência – que há muito mais em um personagem do que parece. Ainda, os reflexos constituem um papel fundamental na descoberta de si mesmo, mas Marion não se olha durante esse processo. É o público que a vê duplamente. O espelho, que para Jung seria uma espécie de terapeuta que reflete a alma ou, talvez, o ego, aqui expõe a ponto de, mais à frente, revelar Marion e deixar Norman fora do reflexo: de repente para, imageticamente, revelar que aquele homem já tem sua dupla personalidade e não precisaria de um espelho-terapeuta para lhe permitir qualquer autoconhecimento. Pelo contrário: ele já se conhece bem e sabe o que quer fazer. Até próximo a aves de rapina Norman é colocado, como se olhasse a iluminada vitima à sua frente... volta-se à ideia de caça e caçador.

Por mais que tudo em Psicose esteja assinado pela ideia de um diretor-manipulador, é a relação de Hitchcock com Norman que pouco a pouco se torna muito sólida. Subvertendo uma das regras universais sobre o protagonismo de um filme, Hitchcock livra-se de Marion antes da metade do filme e passa, então, a desembrulhar a personalidade de um homem que, até então, permanecia nebulosa. Camada por camada, o roteiro de Joseph Stefano, baseado no livro de Roberto Bloch, disseca o perfil de alguém inicialmente tímido, supostamente ético – afastando-se quando percebe que está fazendo algo errado – e de sorriso rude. É um combo que transforma o sujeito em uma entidade.

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Além disso, se a direção é invasiva e com todas as características de voyeurismo até a cena mais conhecida do filme (o assassinato de Marion no chuveiro), a partir deste ponto passa a ser curiosa. É quase automático: antes, via-se tudo – da protagonista se vestindo a ela contando dinheiro dentro de um banheiro –, mas agora vê-se nada além do óbvio. Essa quebra cirúrgica de Hitchcock, na prática, pode desorientar o espectador que passa a ter a sensação de curiosidade e até de incômodo por não saber mais o que está acontecendo.

A questão é que, mesmo que se conheça os acontecimentos de Psicose – por mais que se saiba do seu final inclusive –, o trabalho perfeccionista da direção de Hitchcock aqui é, da idealização à finalização, das maiores maravilhas já realizadas pelo cinema. Nem tudo, afinal, é conhecido por aquilo que os olhos nos mostram ou as lentes revelam. Isso pode ter um paralelo com a vida. O inimigo, como um tipo de vampiro, pode nem aparecer nos mesmos espelhos que aparecemos – desvinculando caráteres e egos –; pode ser simpático e ter um sorriso arrogante (ou não); e o que chega aos nossos olhos pode ser apenas a ponta de um iceberg. Mas é uma ponta dolorosa que é o resultado de todo um mundo complexo construído durante anos e escondido em uma mente adoecida.

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Psicose é uma obra-prima, um clássico irretocável.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech