Crítica O Caso Nardoni | Documentário da Netflix mostra outro lado da história
Por Diandra Guedes • Editado por Jones Oliveira |
Repetindo a fórmula dos documentários que se debruçam sobre tragédias brasileiras, a Netflix lança no dia 17 de agosto, seu novo título Isabella: O Caso Nardoni, que reconta a morte da menina de cinco anos que foi asfixiada e arremessada do sexto andar de um prédio no dia 29 de março de 2008. Por meio de depoimentos de várias fontes envolvidas no caso — incluindo da mãe Ana Carolina Oliveira —, a produção oferece um retrato aprofundado da tragédia que chocou o Brasil, mas vai além: faz questionar certas certezas.
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Para começar, é preciso dizer que o formato escolhido pela gigante do streaming para a narrativa é o mais comum e banal: mesclar relatos das fontes com as fotos de Isabella e da cena do crime. Além disso, traz vídeos que circularam na mídia na época da cobertura e a reconstituição da perícia. Nada do que é visto é inovador, embora seja importante para o enredo.
O grande problema do documentário, no entanto, acontece quando ele vende a declaração de Oliveira como o grande chamariz da produção e entrega uma participação morna. Sem chamar a atenção, Ana é engolida por outros depoimentos mais importantes, como o de Roberto Podval, que assumiu a defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, o pai e a madrasta de Isabella que foram acusados e, posteriormente, declarados culpados de terem assassinado a menina.
No vídeo, Podval questiona vários argumentos da promotoria e também a análise da perícia, que ignorou evidências do caso com a justificativa que elas não se encaixavam na narrativa.
Essa declaração traz luz a alguns pormenores do caso que podem ter passado despercebidos, mas que poderiam ter mudado o veredito final. E, como cada vírgula é importante em um caso tão difícil como este, ver o outro lado da moeda é fundamental para entender a situação como um todo.
O promotor Francisco Cembranelli, por sua vez, mostra todas as evidências que ajudaram a prender e julgar o casal Nardoni-Jatobá. Entre elas, estão o fato da tela de proteção ter sido cortada com tesoura e faca, o apartamento não ter tido sinal de arrombamento e a frieza como o casal se portou durante as investigações.
Mesmo sem o depoimento dos réus, a Netflix acertou em conseguir, de certo modo, ouvir os vários lados da história. E, embora seja emocionante, o documentário não cai na demagogia e nem no sentimentalismo barato, pois foca mais nas fontes oficiais (policiais, advogados, promotores) tentando achar novas respostas ao invés de se manter no discurso já conhecido da família.
Espetacularização da mídia: a quem ela interessa?
Outro ponto abordado em O Caso Nardoni é a espetacularização que a imprensa fez em cima do caso, transformando a cobertura midiática em uma espécie de circo dos horrores que visava agradar um público sedento por notícias. Não é novidade que esta postura da mídia vem sendo questionada há tempos e um bom exemplo disso pode ser ilustrado no caso da jovem Eloá, ocorrido também em 2008.
No caso de Isabella, no entanto, a Netflix escolheu ir além e mostrar como essa espetacularização foi criada e a quem ela agradou. Para isso, ouviu jornalistas que foram contra o modelo de cobertura usado e explicaram como o despreparo de alguns repórteres e a guerra por audiência transformou uma apuração jornalística em uma avalanche de mentiras.
Mas, se a mídia teve seu papel no show, a polícia também subiu no palanque, e a obra não omite isso. Os depoimentos mostram como as autoridades policiais transformaram um julgamento em, praticamente, uma cobertura da Copa do Mundo. Desde caixa de som do lado de fora do tribunal para a população ouvir a declaração da sentença dos réus até banheiros químicos no 9º D.P no dia do depoimento de Ana e Alexandre, tudo foi pensado para que o caso tomasse proporções cada vez maiores.
Sendo assim, é ingênuo e até imprudente pensar que a imprensa brasileira foi a única responsável por transformar o caso de Isabella Nardoni no espetáculo que ele se tornou. E o documentário questiona isso.
Ao mostrar os demais lados da história, pode parecer uma abordagem simplória da Netflix — e, de fato, não deveria ser algo tão difícil — mas dá ao público a oportunidade de conhecer mais do caso sob diferentes perspectivas que não eram tão claras à época. O mérito é dos diretores Cláudio Manoel e Micael Langer, que conseguiram criar um documentário interessante de um tema já exaurido pela mídia.
Mesmo quem acompanhou a história de perto, na época, encontrará questionamentos interessantes, como por que Alexandre e Jatobá continuaram juntos? A dependência financeira dela influenciou nos seus depoimentos? A perícia realmente fez um laudo enviesado?
Sendo assim, pode-se dizer que as quase duas horas de duração de O Caso Nardoni são bem aproveitadas, embora se tivesse sido transformada em série, a narrativa poderia ter sido melhor construída. Ainda assim, vale o play na plataforma.