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Crítica | Noturno é um bom filme mesmo sendo simplista

Por| 15 de Outubro de 2020 às 22h00

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Blumhouse Productions
Blumhouse Productions

Pessoalmente, existe mais de um terror em Noturno: a maneira direta com que ele trata o tema da competitividade — que ganha ainda mais corpo e profundidade por se tratar de uma disputa entre irmãs — e a interrupção de uma carreira como pianista devido a um problema físico. Sendo este segundo caso mais particular, que comentei na crítica sobre o recente Coda (de Claude Lalonde, 2019), precisei me ater aos subtextos mais vivos que contornam a disputa de egos entre Juliet (Sydney Sweeney) e Vivian (Madison Iseman).

Para quem não é do meio da música erudita — clássica —, talvez a violência psicológica do filme passe uma sensação de exagero, algo que, quase fantasiosamente, Whiplash: Em Busca da Perfeição (de Damien Chazelle, 2014) traz de um jeito único a partir do jazz. A questão, porém, é que existe a criação de um universo bem controlado pela diretora estreante em longas-metragens Zu Quirke.

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

A vulnerabilidade

Utilizando-se de uma estética fria, ela (Quirke) parece não construir ou enriquecer personagens, mas julgar o mundo em que vivem. Nesse sentido, Noturno pode ser um tanto quanto desalentador e pessimista nos comentários sobre o universo que expõe: sua protagonista (Juliet) é alguém que perdeu a infância e a juventude para poder ter algum mínimo resultado satisfatório enquanto seus professores podem ser ou uma fraude ou um pedófilo.

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Mesmo assim, há uma solidez nessa abordagem que faz do trabalho de Quirke algo que funciona sem precisar de muito apoio da realidade. Aliás, por mais que tudo flua dentro dessa idealização, existem reflexões que ultrapassam aquele mundo e o próprio filme e fazem um paralelo sombrio com a existência. A busca por um padrão irreal, pela perfeição, é, por exemplo, um dos problemas mais sistemáticos da atualidade, o que leva, justamente, tantos jovens à depressão e ao suicídio.

Por essa perspectiva, Nocturne (no original) não está discorrendo sobre o mundo da música de alto nível; ele está utilizando o universo musical para ser o reflexo de um problema social muito mais abrangente, que diz respeito ao egocentrismo e a procura para ser o que não se é apenas para se encaixar em padrões. Esquece-se, justamente, do que nos torna humanos: a vulnerabilidade da imperfeição e o calor da empatia.

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A busca pelo inexistente

Inclusive, como músico que deixou a carreira por ter quebrado ambos os braços, posso afirmar que não é a perfeição das notas tocadas que fazem um bom pianista. A técnica, abordada superficialmente no filme de Quirke, existe para que possamos exprimir, exatamente, o quanto somos vulneráveis. O que diferencia um músico de outro é, geralmente, o coração. Assim como no cinema é muito menos o que você conta e muito mais o como você aborda, na música é muito menos o que você toca e muito mais como você toca.

Noturno, portanto, tem seu juízo de valor no lugar. Juliet e Vivian são personas fortes para o terror de uma sociedade cada vez mais hipócrita e doente em busca do inexistente. É uma pena que os personagens secundários sejam tratados com quase completo desprezo narrativo. Os professores Roger (John Rothman) e Dr. Cask (Ivan Shaw) são figuras emblemáticas da doença da vida, representando, cada um ao seu modo, uma faceta extrema da existência: o primeiro é alguém que buscou a perfeição e encontrou uma profunda frustração; o segundo é quem encontrou a tal perfeição... mas ciente de que sempre haverá alguém melhor (seu troféu de segundo lugar é simbólico), o que o faz, além de ser um ser arrogante, apegar-se a superficialidades.

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Abordagem simplista

No final das contas, Quirke tem ótimos momentos na condução de Noturno e alguns destes podem até remeter — superficialmente — ao citado Whiplash: Em Busca da Perfeição. Os planos detalhes nas mãos e nas teclas cortados bruscamente, quase como a montagem de um filme esportivo, dão um ritmo expressivo quanto o trecho mais difícil tecnicamente da peça de Saint-Saëns que é executada pelas pianistas.

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Além disso, a frieza estética, caso seja experienciada subjetivamente, tem um poder de julgamento que pode fazer refletir e dar corpo ao filme. Mas fica nisso. A história, em sua primeira camada, é simples em excesso; ou melhor: é simplista... e isso pode incomodar a quem não está com disposição para interpretações subjetivas de uma produção que, talvez, não seja clara sobre o seu propósito.

Noturno está disponível no catálogo do Amazon Prime Video para todos os assinantes do serviço.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.