Publicidade
Economize: canal oficial do CT Ofertas no WhatsApp Entrar

Crítica | Force of Nature é um atentado prepotente contra si e contra todos

Por| 03 de Julho de 2020 às 09h19

Link copiado!

EFO
EFO

Não vou preparar o terreno me dispendendo em uma introdução que comenta sobre o caos provocado por um furacão e sobre o quanto o ser humano pode se aproveitar dos piores momentos para sair no lucro. Porque existe um combo aqui que torna a desgraça generalizada: há aquela causada pelo furacão, outra causada pelos vilões estereotipados do filme e a última que abraça tudo, que é o próprio filme.

Force of Nature não é somente ruim: é dos trabalhos mais sem traços de qualidade dos últimos anos; é um forte candidato para listas de piores filmes do século XXI – talvez de todos os tempos; é uma produção com um roteiro tosco, sem consistência na linguagem, com situações que provocam vergonha alheia braba e com uma onça (ou pantera negra?) que foi treinada para atacar policiais. Como? Quem sabe?

Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

Continua após a publicidade

Sem subtexto

A história, que é indecisa entre acompanhar uma espécie de gangue que planeja um assalto multimilionário durante a passagem de um furacão e o trabalho de um policial marcado por ter vitimado sua parceira e namorada, parece ter sido jogada ao vento e ter, como guia, um boneco de posto. Voláteis e sem ritmo definido, os acontecimentos não obedecem a nenhuma lógica interna (do universo do filme) ou externa (da vida real).

Nesse sentido, as situações e a estética – crua e plastificada ao mesmo tempo – falham em querer abraçar dois mundos (o fílmico e a nossa realidade). Assim, existem situações – uma, em especial, relatada por Griffin (William Catlett) – que remetem a uma crítica necessária sobre preconceito racial, mas, ao mesmo tempo, parecem ter sido tiradas da cartola. Isso acaba por promover um efeito inverso, como se a breve abordagem sobre racismo tivesse sido inserida como obrigação. Não há subtexto para o roteiro debutante em longas-metragens de Cory Miller e, muito menos, para a direção de Michael Polish (de Nona – filme de 2017): é tudo em primeiro plano, exposto, gratuito, pobre.

Continua após a publicidade

Por essa perspectiva e no meio de tudo, corpos caem de costas do quarto andar, direto no chão duro, e se levantam para lutar; um alemão colecionador de artes e filho de nazista cuida dos ferimentos de Griffin; e a própria personagem de Catlett criou e cuidou de um misterioso animal que permanece aprisionado e que, segundo sua história expositiva, foi treinado para atacar pessoas com fardamento policial. É claro que, a partir desse último ponto, em algum momento, Cardillo (Emile Hirsch) tiraria seu uniforme por qualquer motivo aleatório para que o vilão interpretado por David Zayas o vestisse e fosse guiado aos aposentos da fera.

Tinta guache

Continua após a publicidade

Mas poderia ser convincente a inserção de uma pantera negra atacando um sujeito vestido de policial, ainda mais com tudo o que socialmente tem sido exposto em 2020. As feridas abertas da sociedade precisam dessas alegorias na arte. O problema é que nada no trabalho de Polish é consistente ou convincente. A impressão pode ser a de que ele mesmo não acredita no que está fazendo e, por isso, transforma tudo em uma porcaria praticamente intragável. Em um momento, John (Zayas) manda seu refém (Cardillo) abrir a porta e ir na frente, mas em outro (uns dois minutos depois) acredita em tudo que o então policial desfardado diz, abrindo, inclusive, a misteriosa porta-cofre que esconde o felino – que deve ser mudo ou, cirurgiado, não ter mais as pregas vocais.

Isso tudo, porém, é somente a ponta do iceberg que é Force of Nature. Porque um roteiro infértil pode conceder uma prole de qualidades a partir da visão imposta pela direção. Mas o que Polish faz é potencializar as grosserias e a estupidez do trabalho de Miller. Parece existir uma necessidade por irrelevâncias. O início, por exemplo, que talvez tivesse a intenção de fundamentar a ação, já apresentando Ray (Mel Gibson) no meio de uma cena de tiroteio, nada mais é do que um fragmento do meio do filme – um trecho que, no final das contas, tem tendências românticas. Essa mesma sequência tem um trato com questões feministas bem parecido com o que faz racialmente, revelando muito mais do seu diretor do que da obra. Ao inserir uma mulher salvando seu par romântico, alguém que a personagem de Gibson – de longe e no meio do temporal – não conseguiu, Polish não consegue dar peso algum ao momento. Na sequência, Cardillo, com a panturrilha atravessada por uma bala, caminha normalmente e é costurado sem sentir dor aparente.

Continua após a publicidade

O diretor, inclusive, parece indisposto a pensar na decupagem do filme, intercalando planos que pouco dizem e pouco constroem. É como se no meio das artes que a gangue liderada por John quer roubar existisse uma bem maior, dadaísta de tinta guache (que se dissolve no meio da chuva toda), incompreensível e, simultaneamente, expositiva, tosca e prepotente que é o próprio filme.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech